|
Revista TriploV
de
Artes, Religiões e Ciências |
|
|
|
|
|
DORA GAGO..... |
|
Idea Vilariño: a diva uruguaia da geração de 45 |
|
No próximo dia 28 de Abril passará um ano
sobre a data da morte da poeta uruguaia Idea Vilariño, um dos nomes
grandes da chamada geração de 45, notabilizada pela riqueza e qualidade
das suas obras, a par de Mário Benedetti (falecido cerca de um mês
depois) ou Juan Carlos Onetti. Aliás, o florescimento desta geração é
fruto de um apogeu económico e social vivido pelo Uruguai, no pós-guerra,
na segunda metade do século XX, que se reflecte igualmente na cultura,
sobretudo nas artes.
Nascida a 18 de Agosto de 1920, em
Montevideu, Idea foi também tradutora, compositora, ensaísta e docente –
no liceu até ao golpe de Estado de 1973 e depois na Faculdade de
Humanidades da Universidade da República Oriental do Uruguai, onde era
responsável pela cátedra de Literatura Uruguaia desde 1985.
Aliás, ela própria afirmou que, além de
poemas, gostava e sabia fazer várias coisas: “Sé encender fuego, pintar
paredes, traducir, enseñar, cuidar un jardín, adiestrar a un perro,
encuadernar, hacer ginebra...".
Mulher notável entre os homens da sua
geração, converteu-se em “mito literário” a sua apaixonada relação
amorosa com Onetti, que se arrastou da década de 50 até 1961.
Uma paixão turbulenta, tecida de rupturas,
encontros, desencontros, reconciliações e incompatibilidades: ela era a
autora majestosa e hierática, ele, o escritor genial e maldito.
A Idea dedicou Onetti a obra Los Adioses
(1954), enquanto que o final desta relação ficou documentado nos versos
desesperados, e melancolicamente proféticos do poema “Ya no”, através do
qual, a poeta nos transporta numa viagem ao interior, aos meandros da
dor e da angústia perante um futuro aniquilado: |
"Ya no
será / ya no / no viviremos juntos / no criaré a tu hijo / no
coseré tu ropa / no te tendré de noche / no te besaré al irme. /
Nunca sabrás quién fui / por qué me amaron otros. / No llegaré a
saber por qué / ni cómo nunca ni si era de verdad / lo que
dijiste que era / ni quién fuiste / ni qué fui para ti / ni cómo
hubiera sido / vivir juntos / querernos / esperarnos / estar. /
Ya no soy más que yo / para siempre y tú ya / no serás para mí /
más que tú. / Ya no estás / en un día futuro / no sabré adónde
vives / con quién / ni si te acuerdas. / No me abrazarás nunca /
como esa noche / nunca. / No volveré a tocarte. / No te veré
morir". |
|
|
A profecia vaticinada pelos versos foi
cumprida, tendo a autora apenas visitado o escritor em Madrid, seu
destino de exílio, em 1987, sete anos antes de ele falecer.
Por seu turno, das obras de Idea
destacam-se: La Suplicante (1945); Cielo Cielo (1947); Paraíso perdido
(1949); Por aire sucio (1950); Nocturnos (1955); Poemas de amor (1957);
Pobre Mundo (1966); Poesía (1970); No (1980); Canciones (1993); Poesía
1945 - 1990 (1994); Poesía completa (2002). A nível dos ensaios, importa
mencionar: Grupos simétricos en la poesía de Antonio Machado (1951); La
rima en Herrera y Reissig (1955); Grupos simétricos en poesía (1958);
Las letras de tango (1965); El tango cantado (1981). Além disso,
colaborou em diversas revistas e jornais, tendo fundado a Número e a
Clinamen.
Disse um dia a escritora ao seu amigo e
também poeta Mário Benedetti que escrever poesia era o acto mais privado
da sua vida, realizado sempre no cúmulo da solidão e do ensimesmamento,
feito para ninguém, para nada.
Com efeito, a sua poesia, de teor
marcadamente intimista, é dotada de um vitalismo avassalador, onde a
vida é configurada como uma luta feroz e constante que desagua na morte.
Neste contexto, segundo Fernando Casales, “Eros y Thánatos son
presencias constantes en su obra. Es más, ese universo lírico nace de la
permanente lucha y pulseada entre ambos.” Assim, a morte aniquilaria a
própria consciência do fim, do limite, como escreveu a autora: “Nunca
tan lejos de la vida. Nunca / Nunca tan grande como hoy la muerte, /
sobre todo, ante todo, al fin de todo, / y yo, sintiéndome ir
trágicamente.” Por outro lado, o “Eros” também emerge no cerne do seu
espaço poético, tecido de uma angústia que alia o amor à morte, ao vazio
e à ausência (“Amor, / te estoy llamando/ (…)/como la muerte.”).
Uma personalidade e posição perante a vida
e a literatura sui generis levaram esta escritora a rejeitar todo o tipo
de promoções do seu nome ou da sua obra, sendo raríssimas as entrevistas
concedidas. Apesar disso, ganhou diversos prémios literários
internacionais e os seus livros encontram-se traduzidos para diversos
idiomas como é o caso do italiano, alemão e português.
Terminamos, pois, com a voz poética,
pujante e límpida de Idea, através do poema “Comparación”: “Como en la
playa virgen /dobla el viento/ el leve junco verde que dibuja /un
delicado círculo en la arena/ así en mí/ tu recuerdo”.
Resta-nos assim, um ano após a sua
partida, para além da lembrança, a sua notável obra imortal -
configuradora de um universo poético habitado pelo tempo, o amor, a vida
e a morte - que importa ler e descobrir, à semelhança do metafórico
“pássaro de luz”, evocado no seu poema “procuramos” (traduzido para
português por Sérgio Faraco): “Procuramos/ a cada noite/ com
esforço/entre terras densas e asfixiantes/ esse leve pássaro de luz/ que
arde e nos escapa/ num gemido.” |
|
Bibliografia: |
Agência EFE,
“muere la poeta uruguaya Idea Vilariño”
http://www.elpais.com/articulo/cultura/Muere/poeta/uruguaya/Idea/
Vilarino/elpepucul/20090428elpepucul_4/Tes, consultado a 15/2/201
Blixen, Carina. 1997. “Idea Vilariño, una poética de la intensidad”, H.
Raviolo y P. Rocca: Historia de la literatura uruguaya contemporánea
Tomo II, Una literatura en movimiento (Poesía teatro y otros géneros),
Editorial Banda Oriental, Montevideo.
Casales, Fernando. 2006. “Idea Vilariño: Eros y Tanathos”. Espéculo.
Revista de estudios literarios. Universidad Complutense de Madrid
http://www.ucm.es/info/especulo/numero34/ideavila.html
Cruz, Juan . “Idea Vilariño, poeta entre todos” Obituário: In memorian,
El País, http://www.elpais.com/articulo/Necrologicas/Idea/Vilarino/poeta/todos/elpepinec/20090
consultado a 15/2/2010.
“Idea Vilariño: la vida escrita”, http://www.fotolog.com/patchwork_mon/56542393
Pantin, Elena. “Idea Vilariño y Onetti, una pasión” http://antoncastro.blogia.com/2009/042901-idea-vilarino-y-juan-carlos-onetti-un-loco-amor.php,
consultado em 15/2/2010.
Vilariño, Idea. 1996. Noturnos e outros poemas (trad. Sérgio Faraco),
ed. Bilingue, São Leopoldo, UNISINOS. |
|
Dora
Maria Nunes Gago nasceu em S. Brás de Alportel a 20 de Junho de 1972.
É
licenciada em Ensino de Português e Francês pela Universidade de Évora,
mestre em Estudos Literários Comparados e doutorada em Línguas e
Literaturas Românicas pela Universidade Nova de Lisboa.
Foi
Leitora do Instituto Camões em Montevideu (Uruguai) no ano lectivo
2001/2002 e é professora na Escola EB 2,3/S Dr. Isidoro de Sousa em
Viana do Alentejo.
Publicou Planície de Memória (1997), Sete Histórias de Gatos
(em co-autoria com Arlinda Mártires – 1ª ed. 2004, 2ª ed. 2005); A
Sul da escrita (Prémio Nacional de Conto Manuel da Fonseca, 2007);
Imagens do estrangeiro no Diário de Miguel Torga (dissertação de
doutoramento) -FCT / Fundação Calouste Gulbenkian, 2008 - e tem artigos,
ensaios, poemas e contos dispersos por antologias, livros, revistas e
jornais portugueses.
Além
disso, tem apresentado diversas comunicações em Colóquios
Internacionais, encontrando-se a desenvolver, actualmente, mediante uma
bolsa da FCT, o projecto de investigação pós-doutoramento «Uma
cartografia do olhar: visões e ecos de Espanha e do Brasil na Literatura
Portuguesa do século XX (1927-1999), orientado pela Prof. Doutora Otília
Pires Martins do Departamento de Línguas e Culturas da
Universidade de Aveiro. |
|
|