CORSINO FORTES.

No ombro da minha mãe
a pedra da multidão

Ilhas em arco ! arco-íris de pedra
Pedras que do ombro partem
Pedras que partem dos pés do arquipélago
Assim viúvas... assim noivas... assim virgens
A cavalo do vento
A cavalo da vida
À procura dos dias & das nuvens vagabundas
Entre dois rostos ! duas ilhas
Não há pensamento
Que não seja
Esta multidão de pedra & vento
Esta península que corre
Pela cabeça calva de Deus
À procura dos globos brancos vermelhos
Do arquipélago inacabado
Multidão ! se teu pai trazia às costas
o sol as salinas o deserto de Sahel
A minha mãe era então
Uma pirâmide longínqua
No saxofone de pedra
Da minha avó
E de barlavento a sotavento
A avó ia dizendo àquela infância
Afasta-te da taberna
muito ! pouco
Mas não do tabernáculo
Ali! mora
o desvario da violência
Onde nascem
violinos violas violões
Sons que já foram deuses
E ainda habitam
os pedregulhos do coração
Além é o sítio do sémen & sementeira
Onde ! as pedras foram violadas
Pela maternidade de Agosto
Pela raiz & colmo de Setembro
E pelo Outubro da nossa cesariana

Ó pedra de amor ó pedra de amigo
Todos os dias ! mãos de Deus
Colocam uma rocha
nas ancas &
seios de cada ilha
Todos os dias ! braços do arquipélago
Colocam um rochedo
no ombro de cada homem
E grávidas ! pejadas de pedra
E belas ! como penínsulas
As mulheres lavram
As mulheres abalam
a pobreza na colina
a miséria no monte
a desgraça na montanha

Corsino Fortes nasceu na Ilha de São Vicente, em Cabo Verde, em 1933. Formou-se em Direito (em Lisboa), fez parte de alguns governos de Cabo Verde e foi embaixador em Lisboa. De 2003 a 2006, foi Presidente da Associação dos Escritores de Cabo Verde. Tem vários livros publicados, entre os quais Pão e fonema e Árvore e tambor. O poeta é detentor de uma obra considerada inovadora e de valor singular para a trajectória cultural de Cabo Verde, que expressa uma nova consciência da realidade cabo-verdiana e uma nova leitura da própria tradição cultural do Arquipélago.

In: http://www.ipleiria.pt/portal/ipleiria?p_id=60600