Dois seres
pálidos apagam suas sombras ao abandonarem as réstias de luz, seguem
fracos e rastejantes como moribundos esperançosos na direção da
escuridão plena, porque só no mais puro breu nasce a semente vital que
alimenta os seus espíritos, semente que abre as cortinas da alma,
fechadas durante a temporada do sol.
Dos
habitantes diurnos só querem o sangue contaminado que corre pelos corpos
debilitados, aliás, esses seres obscuros valorizam muito mais o sangue
por não possuí-lo naturalmente, é preciso consegui-lo a partir dos
homicídios (nem sempre premeditados), assaltos a hospitais ou
contribuições dos suicidas, que estão cada vez mais raras visto que
esses filhos da puta kamikazes de hoje só querem mesmo morrer sem dor,
uma morte calada num cômodo de apartamento impenetrável.
Antigamente,
corria nas veias um sangue mais limpo, regido ainda por algumas ordens
naturais, sem tanta química corrosiva. Antigamente, sangue era néctar e
quem quisesse morrer o fazia com honra e tiro e foice, às vezes corda e
o desespero avisava aos seres da noite que o banquete estava servido,
agora morre-se por pílulas, analgésicos e calmantes em excesso e nenhum
alarme soa aos ouvidos dos sedentos noturnos... o fim também está
próximo para eles, por mais que saiam das tocas lacradas assim que o sol
se põe, na cansativa busca pela vida carregada de contagem regressiva.
O fim se
aproxima e o dia é apenas o prelúdio. |
Camila Vardarac nasceu no Rio de
Janeiro, em 1987. Observadora por natureza, escritora por impulsão –
pela necessidade (recorrente) de expressar-se em prosa e poesia. Voyeur
da realidade e de suas representações, encontrou no cinema um meio de
materializar suas idéias no continuum do espaço-tempo, desconstruindo-se
em impressões. |