Acompanhamos o trabalho da
portuguesa (universal!) Maria Estela Guedes há muito tempo,
valendo-nos de seu blog TRIPLOV, uma referência em nossa língua sobre
poesia, arte, crítica literária. É uma incansável e competente promotora
cultural. Hoje vamos dedicar-nos a comentar um opúsculo — A POESIA NA
ÓPTICA DA ÓPTICA — em que ela analisa a questão da cor, do cromatismo e da
luz na poesia portuguesa. Aprofunda o estudo e explora exemplos na poesia
de Carlos de Oliveira, Ramos Rosa, Henrique Dória e o consagrado Herberto
Helder, poeta do modernismo e do surrealismo portugueses. Mas nosso foco
está sobremaneira na excelência de sua argumentação metodológica e teórica
sobre a cor na poesia e sua relação com a ciência e a filosofia. Começa
invocando o exemplo paradigmático de Rimbaud com “a mais célebre
atribuição de cores a elementos linguísticos: o A é negro, o E é branco, o
U é verde, etc. De forma explícita ou implícita, a poesia está em geral
impregnada de cores. E se por vezes o poema parece incolor, algo do
domínio da Óptica contém ainda — luz. Mais do que a cor, a poesia não
passa sem a claridade do dia, tal como não passa sem a escuridão da noite,
sem os jogos de claro-escuro, ou sem as imagens no espelho, e os efeitos
da luz na humidade do ar ou na água.” E indaga: “Serão as cores da poesia
susceptíveis de ser percebidas e interpretadas de diferentes modos,
consoante o olhar normal, cego, ou daltônico, de quem lê? Enfim: para que
servem as cores na poesia? Para pintar retratos, paisagens,
naturezas-mortas?”
Por experiência, nós sabemos que
existem poemas iluminados e obscuros, de cores vivas ou penumbrosos...
Cada um de nós tem a sua experiência. Maria Estela busca nas Ciências
as bases teóricas, em Wittgenstein e Newton. O primeiro teria tentado uma
lógica das cores, “e nesse percurso fornece ferramentas que é possível
usar na exegese dos poemas”, no caso específico a classificação das “cores
de superfície” e as “cores de profundidade”, que ela prefere denominar
como sendo cores explícitas como no caso de Camões que faz referência à
“verdura” em um de seus célebres sonetos.
Em Isaac Newton, Maria Estela
encontrou as bases de uma teoria das cores e da luz, célebre filósofo
cultor do Iluminismo, “das Luzes no seu sentido mais racionalista, e
avesso à etiqueta de obscurantista que então se apunha, e decerto com
motivos, à religião.”
Também se perguntou Maria Estela sobre a convicção
generalizada de que os poetas-pintores — entre os quais se destacam
Cesariny, Almada Negreiros, etc — têm a capacidade superlativa de
escreverem versos mais coloridos, mais do que os poetas exclusivos da
palavra, pré-conceito que ela desarma e desautoriza. Pelo contrário,
afirma que Carlos de Oliveira e Herberto Helder, não pintores, em que ela
garante ter encontrado “mais cores e aparato óptico”.
“Alucina-me a cor! — A
rosa é como a Lira, a Lira pelo tempo há muito engrinaldada, e já
velha a união, a núpcia sagrada, entre a cor que nos prende e a nota
que suspira.
GOMES LEAL, em Claridades do Sul
Hasteia-se em Diogo de Carvalho Sampaio, autor da
dissertação sobre as cores primitivas, para ressaltar que “As cores são a
mais universal e interessante parte de toda a Física, elas ornam todo o
Universo, e a elas devemos todos os nossos naturais conhecimentos.”
Nos ensaios de seu opúsculo, a autora, ao estudar a
poética de Carlos de Oliveira, detalha: “Não, as cores são palavras, e nem
mesmo num poema realista, como Carlos de Oliveira em certos casos é, têm
funcionamento descritivo, ou apenas descritivo. As cores são elementos da
linguagem, há linguagens no corpo, uma delas é a da racionalidade,
outra, a do inconsciente.” E explicita: “Mais facilmente nos guiaria um
filósofo, Wittgenstein, pois, quando analisa as cores, não as toma no seu
nível físico por efeitos da luz nem por pigmentos, ele está, sim, a
analisar os conceitos da cor contidos nas palavras — o conceito de azul, o
conceito de brancura — ou seja, ele estuda as cores enquanto elementos de
linguagem.” E argumenta, na mesma linha de raciocínio, que “As cores da
poesia não se situam no mundo das coisas tangíveis, sim no da arte e da
vida espiritual e emotiva.“
Queremos tão somente, ao homenagear Maria Estela
Guedes, levantar a questão da cor na poesia e conclamar nossos críticos e
pesquisadores a se debruçarem sobre os textos de poetas brasileiros para
ampliar o estudo. Com certeza é tema de mérito para mestrandos e
doutorandos que pretendam aprofundar-se no processo criativo de nossos
vates clássicos e contemporâneos. Fica a sugestão.
Ver o trabalho de Maria Estela Guedes pela difusão
da poesia,
da literatura, da arte em:
http://www.triplov.com/estela_guedes/
Publicado em dezembro
de 2015
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