Antes de nascer, ouvia e gravava,
sem entender: gritos, buzinas, canções.
Sem consciência do mundo, eu gravava.
Sons em movimento, eu inteligia?
era o alimento que vinha, ou tardava,
anunciado pelos passos, predizia?
Eu me saciava e não sabia, mas
havia, sim, havia, o esperar, e
uma certeza de que algo viria.
E eu me alimentava, sem comer;
sem saber, eu me satisfazia.
E ouvia, sim, eu ouvia e entendia.
Faço a regressão, vou em busca
do entendimento que não tinha,
mas sabia, sem saber, eu sabia.
Tento decifrar o que ficou gravado.
Não sei o que é, Mas o que não sei
molda tudo o que sei, e o que serei.
Minha mãe triste, — eu sentia!—,
minha mãe aflita estampada
em minhas entranhas, mãe-filho.
Ainda estamos juntos, depois da ida
num eco sem som, decifrando sons
extintos, indeléveis, tatuados na memória.
Memória física, em códigos que
eu não domino, que me domina.
Como Champolion, tento entender-me.
21.09.2008 |
Antonio Miranda. Poeta, escritor e escultor, já publicou romances, poesias em vários países. Em 1966, por decisão própria, exilou-se para viver intensamente um período de efervescente agitação cultural na América Latina. Sua criatividade foi reconhecida com prêmios pela crítica internacional (Medellin - Colômbia, San Juan de Puerto Rico). Miranda viveu e publicou em Buenos Aires, Caracas, Bogotá e Londres. Tu País Está Feliz, peça de teatro baseado em seus poemas e músicas foi estreada em 1971, foi representada em mais de 20 países. Página do autor: www.antoniomiranda.com.br |