Poemas de Jean Hautepierre

 

CRISTINO CORTES
(Tradução)


AQUELES QUE NUNCA SE ENCONTRARAM 

Aqueles que nunca se encontraram,

Atravessando a noite dos lugares e das idades,

Procuraram longamente sobre mil faces

E sobre mil palavras, entre eles murmuradas,

O eco doloroso do vento que espalha

Dourados e nuvens, tristes nevoeiros

Sem tréguas e sem alegria, a sombra dos olhares,

Esses olhos sem esperança, os únicos que eu amo.

Mas eles partiram, tão cansados!, e sonhadores,

Na noite sem fim do seu destino,

Tornando vão o coração e maldita a alma

Num desleixo de mil dores.

 

Teríamos vivido dias cheios de glória,

Dias desconhecidos, dias triunfantes…

Dos que sempre afagam a memória

E os corações demasiado velhos de pálidas crianças.

Mas o tempo vencedor, a hora retumbante,

Levam-nos bem longe, nos seus abandonos,

Àqueles que jamais conheceram esta vida,

Numerosos, por vezes filhos das pálidas estações.

 

CEUX QUI NE SE SONT JAMAIS RENCONTRÉS 

Ceux qui ne se sont jamais rencontrés,

A travers la nuit des lieux et des âges,

Ont cherché longtemps sur mille visages

Et sur mille morts, par eux murmurés,

L’écho douloureux du vent qui parsème

D’ors et de nuées, de tristes brouillards,

Sans trève et sans joie, l’ombre des regards,

Ces yeux sans espoir et les seuls que j’aime.

Puis ils sont partis, si las! et songeurs,

Dans la nuit sans fin de leur destinée,

Qui fait le coeur vain et l’âme damnée

Et le nonchaloir aux mille douleurs.

 

Nous aurions vécu des jours pleins de gloire,

Des jours inconnus, des jours triomphants …

De ceux qui toujours bercent la mémoire

Et les coeurs trop vieux de pâles enfants.

Mais le temps vainqueur, l’heure retentie,

Emportent bien loin, dans leurs abandons,

Ceux qui n’ont jamais connu cette vie,

Nombreux, parfois fils des pâles saison


ODE À ALEGRIA

Ah, não falemos mais desta longa tristeza,

Dos sonhos desfeitos, das esperanças cansadas,

Que nos magoaram por excesso de carícias

Não nos perdoando não as termos visto.

 

Esqueçamos também os dias de indiferença

Em que acreditámos poderíamos repousar…

Mas isso foi, oh meu Deus, a mais triste errância;

Saberíamos nós ainda tudo recomeçar?

 

Nesta tarde eu quero uma ode cheia de alegria,

Cheia de juventude, de risos e algazarra,

Bem afastada duma sombra preguiçosa,

Do velho desespero, e dos nossos dias tão desanimados…

 

Porque nós estaremos sentados, ou de pé à volta das mesas

E alegres, cheios de risos formidáveis!

E o fogo crepitante lançará os seus reflexos

Na noite, nos nossos olhos e nos nossos corações.

Elvira dançará lentas melopeias,

Nós beberemos cantando infinitas alegrias

__E, livres, vencedores, orgulhosos dos nossos anos

Amaremos sem fim no calor das noites.

 

ODE JOYEUSE

Ah, ne parlons plus de la longue tristesse,

Des rêves déçus, des espoirs trop las,

Qui nous ont brisé de trop de caresse

Sans nous pardonner de ne les voir pas.

 

Oublions aussi les jours d’indifférence

Dont nous avons cru pouvoir nous bercer…

Mais ce fut, hélas, la plus triste errance;

Saurions-nous encor la recommencer?

 

Car ce soir je veux une ode d’allégresse,

Pleine de verdeur, de rire et de fracas,

A jamais au loin d’une sombre  paresse,

Du vieux désespoir et de nos jours trop las …

 

Car nous serons assis, debout autour des tables

Et joyeux, envahis de rires formidables!

Et le feux crépitant jettera ses lueurs

Dans le soir, dans nos yeux, et jusque dans nos coeurs.

 

Elvire dansera de lentes mélopées;

Nous boirons en chantant les bonheurs  infinis

__ Et, libres et vainqueurs en nos frères  années,

Nous aimerons sans fin dans la chaleur des nuits.


PLUTÃO 

Eu sou Aquele que reina no meio dos Infernos,

Senhor dos tormentos e das escuras margens

E dos grandes medos que roem os rostos,

E das sombras gritando no retinir dos ferros!

 

Reino sobre um povo acabrunhado pelo sofrimento,

Embriagado pelos cantos duma infelicidade eterna.

Sísifo excitado que se esmaga e recomeça;

O Estige e o Aqueronte correm no seu fluxo vencedor.

 

Eu vejo o infinito, pálido de indiferença,

O meu imenso universo de chamas e de noite

Acompanhado pelo Cerbero __ e como ele eu me aborreço

Porque eu já vi muitas coisas, demasiado vi esta sombria

batalha

Em que a Dor, a minha mestra, nunca fica satisfeita;

E na longa noite pelas nuvens percorrida,

Pelas chamas, pelas fúrias roendo as carnes feridas,

Dilacerando tudo com o seu infindável e terrível ardor,

O meu escravo, o Tempo, o grande Perseguidor.

 

PLUTON 

Je suis Celui qui règne au milieu des Enfers,

Le maître des tourments et des sombres rivages

Et des grandes frayeurs qui rongent les visages,

Et des ombres criant dans le fracas des fers!

 

Je règne sur un peuple accablé de souffrance,

Enivré par les chants d’un éternel malheur.

Sisyphe l’acharné s’écrase et recommence;

Le Styx et l’Achéron roulent dans leur flot vainqueur.

 

Je vois à l’infini, pâle d’indifférence,

Mon immense univers de flammes et de nuit

Veillé par le Cerbère __ et comme lui je bâille

Car j’ai trop vu, trop vu cette sombre bataille

Oú la Douleur, ma reine, à jamais se survit;

Et dans la longue nuit parcourue de nuées,

De flammes, de furies rongeant les chairs blessées,

Déchirant tout sans fin de sa terrible ardeur,

Mon esclave, le Temps, le grand Persécuteur.


DEMÉTER 

Os campos inteiros, extensões douradas

Agitavam-se ao vento, orgulhosas vítimas,

E o fogo que dourava as suas extremidades

Jamais teve um tão belo cenário;

 

E na imensidão do azul, qual ilha majestosa,

Uma nuvem branca atravessando os céus

Rolava com lentidão a sua massa volumosa

As suas catedrais de água e sonhos enevoados.

 

De repente, estalando as suas paredes numa dança eterna,

Fazia cair sobre tudo as pesadas chuvas de Verão,

Brilhante, fugida das sombras e da ausência,

Trotava sobre um carro de ouro, no ar imaculado,

A loura Deméter, a rainha dos campos de trigo.

 

DEMÉTER 

Les champs entiers, pavillons d’or,

Tremblaient au vent, fières victimes,

Et le feu qui dorait leurs cimes

N’eut jamais de plus beau décor;

 

Et dans le grand azur, île majestueuse,

Une blanche nuée transportée par les cieux

Roulait avec lenteur sa masse montueuse,

Ses cathédrales d’eaux et de rêves brumeux.

 

Soudain, crevant ces murs à l’éternelle danse,

Faisant tomber sur tout les lourdes pluies d’été,

Rayonnante, échappée des nuits et de l’absence,

Trônait sur un char d’or, dans l’air immaculé,

La blonde Deméter, reine des champs de blé.


OS FOGOS DE OUTONO

Nos arredores

Dos dias tristes

De Novembro,

 

Dias que se foram

Nas paredes cinzentas

Dum quarto,

 

O lado avermelhado

Das árvores em sangue

Como que estala

 

Lança os fogos

Em longos adeuses

A um céu pálido;

 

Depois na noite

Vazia de esperança

E de dor

 

Vêm os bandos

De corvos negros

Da planície

 

Gritando, gritando

__ E um vento forte

Para longe os leva.

 

LES FEUX D’AUTOMNE

Aux alentours

Des tristes jours

De novembre,

 

Des jours enfuis

Dans les murs gris

D’une chambre,

 

Le rouge flanc

D’arbres en sang

Qui s’étale

 

Jette les feux

De longs adieux

Au ciel pâle;

 

Puis dans le soir

Vide d’espoir

Et de peine

 

Viennent les flots

Des noirs corbeaux

De la plaine,

 

Criant, criant

__ Et le grand vent

Les entraîne.


DANÇAI, DANÇAI, BELAS GALHOFEIRAS!

Em recordação da festa da música de 1993
(um cavaleiro e quatro cavaleiras)

Dançai, dançai belas galhofeiras!

Dançai, dançai! O dia é belo;

Mas as noites são mais misteriosas,

E a luz do archote

Mais louca e livre que a onda

Pelo dia lançada sobre o mundo.

 

Dançai, dançai! Embriagadas, orgulhosas

Na glória da juventude,

Brilhando as luzes

Sobre os vossos rostos triunfantes!

E magnificamente ligeiras

Saltitando do dia que se vai

Como as chamas passageiras

Que redemoinham na noite!

  

DANSEZ, DANSEZ, BELLES RIEUSES!

En  souvenir de la fête de la musique de 1993
(un  cavalier et quatre cavalières)

Dansez, dansez, belles rieuses!

Dansez, dansez! Le jour est beau;

Mais les nuits sont plus mystérieuses,

Et la lumière du flambeau

Plus folle et plus libre que l’onde

Que le jour verse sur le monde.

 

Dansez, dansez! Ivres et fières

Dans la gloire des jeunes ans,

Étincelantes de lumières

Sur vos visages triomphants!

Et magnifiquement légères,

Bondissant du jour qui s’enfuit,

Comme les flammes passagères

Qui tourbillonnent dans la nuit!


UM DIA ENTRAREIS NA SOMBRA 

Um dia entrareis na sombra

Das nossas vidas, pálidas e sem voz,

Abandonadas sob um céu escuro

E gelado, de pedra ou de madeira.

 

O ar será velho e a hora antiga;

Revereis os dias de outrora,

Congelados e tesos como no chão estendidos

E sempre a vida a eles vos retorna.

 

Encontrareis aí os nossos tormentos,

As nossas lembranças, uma ligeira chama

Velada, afastada da própria luz

__E lançá-los-eis por terra. 

 

UN JOUR VOUS ENTREREZ DANS L’OMBRE 

Un jour vous entrerez dans l’ombre

De nos vies, pâles et sans voix,

Abandonnées sous le ciel sombre

Et glacé, de pierre ou de bois.

 

L’air sera vieux et l’heure ancienne;
Vous reverrez les jours d’antan,

Figés et droits tels des gisants;

Toujours la vie vous y ramène.

 

Vous y trouverez nos tourments,

Nos souvenirs, flamme légère

Envolée, loin dans la lumière

__Et vous les porterez en terre.


É O TEMPO PESADO DAS RECORDAÇÕES 

É o tempo pesado das recordações;

Voltam na sombra maluca,

Imagens que vemos ressurgir,

Músicas e perfumes, palavras.

 

Com frequência, há uma dor no horizonte

A noite sobe mais alto que as torres;

Está lá essa hora, triste e serena

Como um luto que jamais acaba.

 

E é então, no limiar do mistério

Das coisas sombrias e das pedras

Que elas reaparecem, infinitas,

E que desfilam em multidão

Falando-nos dos dias que já foram,

Falando-nos dos amores que morreram.

 

C’EST LE TEMPS LOURD DES SOUVENIRS 

C’est le temps lourd des souvenirs;

Ils reviennent dans l’ombre folle,

Images qu’on revoit surgir,

Musiques et parfums, paroles.

 

Souvent, l’horizon est en peine,

La nuit monte au-delà des tours;

Une heure est là, triste et sereine

Comme un deuil qui dure toujours.

 

C’est alors, au seuil du mystère

Des choses sombres et des pierres,

Qu’ils reparaissent, infinis,

Et que défilent leurs cohortes

En nous parlant des jours enfuis,

En nous parlant des amours mortes.


É A HORA OBSCURA DA NOITE 

É a hora obscura da noite;

É a hora obscura onde tudo desaparece,

As recordações, as alegrias, os sonhos,

A vida __ e tudo o que nela se contém.

 

É a hora em que se ouvem os passos

Soar como soa o gelo,

Num céu vazio e numa alma alheada;

A esta hora, onde sem um adeus,

Tudo se extingue até ao último fogo,

Não há mais devaneios nem palavras.

 

É a hora imensa em que da terra

Sobem as sombras e as pedras,

Fazendo reinar do mineral

A ordem muda, dura, primordial.

 

C’EST L’HEURE OBSCURE DE LA NUIT

C’est l’heure obscure de la nuit;

C’est l’heure obscure où tout s’enfuit,

Les souvenirs, les joies, les rêves,

La vie __ et tout ce qui s’achève.

 

C’est l’heure où l’on entend des pas

Sonner comme sonne le glas,

Dans le ciel vide et l’âme folle;

A cette heure où, sans un adieu,

Tout s’éteint jusqu’au dernier feu,

Il n’est plus songes ni paroles.

 

C’est l’heure immense où de la terre

Montent des ombres et des pierres,

Faisant régner du minéral

L’ordre muet, dur, primordial.


UM DIA, QUANDO NÓS TIVERMOS VIVIDO

Um dia, quando nós tivermos vivido

Virá o tempo de desaparecer;

Dias que nós já não veremos

Se levantarão sobre outros seres.

 

Na longa noite, no gelo,

Tudo desaparecerá como um grande sonho

__ No silêncio e na morte

É a eternidade que se alonga.

 

E assim será o último sono

Onde tudo terá desaparecido __o senhor

Ao vivente tão parecido

Como as ondas, o azul, o sol…

 

Não teremos sido mais que espectros?

 

UN JOUR, QUAND NOUS AURONS VÉCU

Un jour, quand nous aurons vécu,

Viendra le temps de disparaître;

Des jours que nous ne verrons plus

Se lèveront sur d’autres êtres.

 

Dans la nuit longue, dans le glas,

Tout s’en ira comme un grand songe

__Dans le silence et le trépas

Et l’éternité qui s’allonge.

 

Tel sera le dernier sommeil

Où tout aura sombré __ le maître,

Au néant tellement pareil,

Des flots, de l’azur, du soleil …

 

N’aurons-nous été que des spectres?


2 DE NOVEMBRO 

Tu regressas, pálido dia dos mortos,

Lençol do céu onde tudo adormece,

Como um deus vencedor pairando

Sobre tudo o que morre, tudo o que desfalece.

 

Contigo regressam os lutos,

Os anos e a sua vaga de caixões

Que o teu sol friorento ilumina

__ Sol de morte, sol de ruína.

 

E sempre os gritos sufocados

Dos teus amigos, o aborrecimento, o vento,

Reinam sozinhos sobre a terra cansada;

A vida extingue-se, o tempo tudo apaga.

 

2 NOVEMBRE 

Tu reviens, pâle jour des morts,

Linceul du ciel où tout s’endort,

Comme un dieu vainqueur qui surplombe

Tout ce qui meurt, tout ce qui tombe.

 

Avec toi reviennent les deuils,

Les ans et leur flot de cercueils

Que ton froid soleil illumine

__ Soleil de mort, soleil de ruine.

 

Et toujours les cris étouffants

De tes amis, l’ennui, le vent,

Règnent seuls sur la terre lasse;

La vie s’étteint; le temps s’efface.


AS ACÇÕES QUE NÃO SE REALIZARAM 

As acções que não se realizaram

Reflectem-se nos tempos e nos lugares

__ Como tantos clamores afastados,

Sombras fugidias, incertas.

 

São vozes de outros mundos,

Fogos dos dias que não existiram

__ E que talvez como uma onda

Partiram para outras claridades.

 

Falam-nos nos sonhos

Furando o silêncio e o esquecimento,

No coração da noite que nos vai roendo

__ Lancinantes como um grito.

 

LES ACTES QUI N’ONT PAS EU LIEU

Les actes qui n’ont pas eu lieu

Résonnent dans les temps, les lieux

__ Comme autant de clameurs lointaines,

Ombres fuyantes, incertaines.

 

Ce sont les voix des autres mondes,

Feux des jours qui n’ont pas été

__ Et qui peut-être comme une onde

Sont parties sous d’autres clartés.

 

Elles nous parlent dans nos songes,

Crevant le silence et l’oubli,

Au coeur de la nuit qui nous ronge

__ Et lancinantes comme un cri.


  1. O SÉQUITO DE CAMÕES

Nós cavalgamos e vogamos juntos

Por todos os montes, sob todos os alíseos,

Em pleno fogo, ventos. Era preciso servir alguém

Que fendesse as ondas, ou que por elas fosse partido.

 

Do ocidente ao oriente da terra,

Nós misturamos o conhecido e o desconhecido,

Para os nossos olhos não tinham mais mistério

__ Já que ao mais longínquo horizonte o havíamos visto.

 

Navegamos juntos e assim cavalgamos,

Perpétua e nobre companhia

À vossa volta, até o sol se esquece

Dos seus raios, mas o seu dever vos aquece.

 

Da aurora imensa à hora onde tudo expira,

Na procura eterna dos céus,

Em cantos altaneiros e explorações gloriosas

__ Para o melhor, e sobretudo para o pior.

 

L’ESCORT DE CAMOENS

Nous chevauchions et voguions de conserve

Par pout les monts, par tous les alizés,

Plein feu, pleins vents __ il fallait bien qu’on serve,

Fende les flots, ou qu’on en soit brisé.

 

De l’occident à l’orient de la terre,

Nous confondions le connu, l’inconnu,

Qui pour nos yeux n’avaient plus de mystère

__ Car l’horizon lointain, nous l’avions vu.

 

Nous voguions de conserve et chevauchions,

Perpètuelle et noble compagnie

Autour de vous, que le soleil oublie

Quand il devrait vous baigner de rayons …

 

De l’aube immense à l’heure où tout expire,

A la poursuite éternelle des cieux,

Des chants altiers et des exploits glorieux

__ Pour le meilleur, et surtout pour le pire.


 O SOLILÓQUIO DE COLOMBO

Estamos cansados dos céus, cansados dos dias,

Das noites em que gemessem amores imortais

Esquecidos, fatigados dum mundo antigo sempre à vista,

De nuvens e de tudo o que o homem sempre conheceu.

 

É por isso que nós velamos, e velamos ainda,

Muito ignorados, aflitos de sonhos e esperanças,

Relâmpagos lançados, desfazendo as noites escuras

De que cada um, pálido defunto, se possa recordar.

 

E depois partiremos para as imensidades

Queimando no horizonte as últimas claridades

Quando o sol já se pôs sobre o mundo

__ Lá, onde o mar e o céu se respondem.

 

LE SOLILOQUE DE COLOMB

Nous sommes las des cieux, nous sommes las des jours,

Des nuits où gémiront d’immortelles amours

Oubliées, las d’un monde ancien toujours vu,

Des nuées et de tout ce que l’homme a connu.

 

Pour cela nous veillons et nous veillons encore,

Très ignorés, hantés de songes et d’espoirs,

Eclairs jetés, ce qui déchirent nos sombres soirs

Et que chacun, pâle défunt, se remémore.

 

Et puis nous partirons vers les immensités,

À l’horizon brûlant des ultimes clartés,

Où le soleil déjà s’est couché sur le monde

__ Là où la mer et le ciel se répondent.


AS TROMBETAS

Um grande barulho, com sonoridade ressoa por cima das cabeças,

Eis que chegam, eis que chegam, eis que chegam as trombetas!

Soando, soando e ressoando aos quatro ventos da vitória

Ou reflectindo o canto pálido dos frios deslizantes __ na noite

negra…

 

As suas músicas são variadas como o chiar dos dias,

Mil vidas ofuscadas e lançadas sem cessar no céu surdo

Ou mil manifestações de dor, gritos estilhaçantes e partidos

__ Ó cadáveres de mil corações, subindo para os astros gelados!

 

Eis que chegam, eis que chegam, eis que chegam as trombetas!

No horizonte de um barco sem nome, de uma vaga sem fundo

Elas se lançam! Multiplicando-se em ecos, soluços na noite morta

Espumas, brumas e caos __ as correntes que o sol arrasta…

Imenso grito que ressoa quando tudo foge por entre as sombras,

Só no infinito e grande ruído, na ordem estranha que  estala e se

fecha.

 

LES TROMPETTES

Un grand fracas avec éclat retentit par-dessus les têtes:

Voici venir, voici venir, voici venir les trompettes!

Sonnant, sonnant et résonnant aux quatre vents de la victoire,

Ou reflétant le blême chant des froids gisants __ dans la nuit

noire …

 

Leurs musiques sont variées comme le grincement des jours,

De mille vies éberluées jetées sans fin dans le ciel sourd

Ou de mille accents de douleur, cris étincelants et brisés

__ O cadavres de mille coeurs, montant vers les astres glacés!

 

Voici venir, voici venir, voici venir les trompettes!

A l’horizon barque sans nom, vague sans fond, qui se jettent!

Se multipliant en échos __ mille sanglots dans la nuit morte,

Ecumes, brumes et chaos __ les flots que le soleil comporte. …

Immense cri qui retentit quando tout s’enfuit avec les ombres,

A l’infini seul et grand bruit dont l’ordre inouit claque et sombre.


OH! A LEMBRANÇA DESTES ROSTOS  

Paris, 14 de Septembre de 2012

Oh! a lembrança destes rostos,

Fogos que apenas se vêem por um instante

Tal como as ondas sobre as margens,

Lançando o seu deslumbramento!

 

Glória do dia quando aparecem

No meio dos astros extintos,

Retirando duma louca embriaguez

A tua alma para um céu infindável!

 

Se um deles porventura te faz lembrar

Um fantasma de dias já passados,

Indo na onda eterna

Donde jamais se regressa.

 

É a tua vida mesmo, todo o teu ser

Vacilando tal como apareceu,

Novo como uma chama jovem,

Sempre presente na tua alma,

Como se tivesse escapado do grande Sono

Esse rosto, o sol único,

Ó, que te pareceu conhecer

Mas que nunca conheceste!

 

E à medida que a sua recordação se apaga

No silêncio e no ruído,

Como esses sombrios comboios que passam

E pela noite adiante desaparecem.

 

OH! SOUVENIR DE CES VISAGES

Paris, le 14 Septembre 2012

Oh! souvenir de ces visages,

Feux que l’on voit un seul instant

Tels des vagues sur les rivages,

Jeter leur éblouissement!

 

Gloire du jour quand ils paraissent

Au milieu des astres éteints,

Emportant d’une folle ivresse

Ton âme dans le ciel sans fin!

 

Si l’un d’eux parfois te rapelle

Un fantôme des jours anciens,

En allé dans l’onde éternelle

Don’t plus jamais on ne revient.

 

C’est la vie même, tout ton être

Qui vacille lorsqu’a paru,

Nouveau comme une jeune flamme

Mais depuis toujours en ton âme,

Comme échappé du grand Sommeil,

Ce visage, unique soleil,

Ô, qu’il t’avait semblé connaître,

Et que tu n’as jamais connu!

 

Et puis leur souvenir s’efface

Dans le silence et dans le bruit,

Comme ces trains sombres qui passent

Et disparaissent dans la nuit.


OH, AINDA VOS LEMBRAIS DOS DIAS MELANCÓLICOS DO OUTONO

Oh, ainda vos lembrais dos dias melancólicos do Outono

Em que parece tudo à volta de nós escurece e arrepia,

Em que nada mais se ouve sobre a terra e os bosques molhados,

Debaixo da palidez do céu em que os velhos dias foram

embrulhados?

 

Estes dias são o sono imenso e morno da terra

Em que nada mais se espera se não o declínio da luz,

O som que se perde dum último ralo que se vai embora

O vento que em redemoinhos vem reinar sobre a noite cansada

 

___ E aquele sol já longínquo, pelo eco vago das suas chamas

Lança o último raio de ouro vencedor que o proclama.

 

OH, VOUS SOUVENEZ-VOUS DES JOURS MÉLANCOLIQUES DE L’AUTOMNE 

Oh, vous souvenez-vous des jours mélancoliques de l’automne

Où il semble que tout autour de nous sombre et frissonne,

Où l’on n’entend plus rien sur la terre et les bois mouillés,

Sous la pâleur du ciel où les vieux jours se sont brouillés?

 

Ces jours sont le sommeil immense et morne de la terre

Ou l’on n’attend plus rien que le déclin de la lumière,

La note qui se perd d’un dernier râle qui s’en va,

Le vent tourbillonant venant régner sur le soir las

 

__ Et leur soleil lointain, par l’écho vague de ses flammes,

Jette l’ultime feu de l’or vainqueur qui le proclame.


É TERÇA-FEIRA GORDA SOBRE UM MAR CINZENTO

É terça-feira gorda sobre um mar cinzento,

Os sinos tocam no vento;

É a hora em que o sol se desfaz

Em milhões de astros cintilantes.

 

É a hora da noite suprema,

Antes do tempo do grande enterro;

É a hora em que as faces desmaiadas

Se escondem sob máscaras faiscantes.

 

__Estes milhares de fantasmas que dançam,

No meio de risos e de cantos,

Enquanto a noite lentamente avança

Ao som dos sinos e do vento.

 

E pelos caminhos que se iluminam,

Furando o silêncio e a noite,

Por um momento afastam o nevoeiro

E menos negro fazem parecer o céu.

 

Gosto deste tempo carnavalesco,

Pálido braseiro do Inverno,

Quando marcham em longos frescos

Cortejos funambulescos

Como as sombras sobre o mar.

 

C’EST MARDI-GRAS SUR LA MER GRISE 

C’est Mardi-Gras sur la mer grise,

Les cloches sonnent dans le vent;

C’est l’heure où le soleil se brise

En millions d’astres scintillants.

 

C’est l’heure de la nuit suprême,

Avant le temps du grand tombeau;

C’est l’heure où vont les faces blêmes

Des masques aux feux des flambeaux.

 

__ Ces mille fantômes qui dansent,

Avec des rires et des chants,

Quand lentement la nuit s’avance

Au son des cloches et du vent.

 

Et par les routes qui s’allument,

Crevant le silence et le soir,

Un temps ils écartent la brume

Et font sembler le ciel moins noir.

 

J’aime ce temps carnavalesque,

O brasier pâle de l’hiver,

Lorsque s’en vont en longues fresques

Des cortèges funambulesques,

Comme des ombres sur la mer.


TIRÉSIAS

Ele via na noite, ele via através dos sonhos,

Ele via no eco duma sombra que foge,

Mesmo através dos céus por onde o nevoeiro se estende

__ E até quando tudo se afogava no fluxo do esquecimento.

 

O mundo era para ele um vento, um sopro, uma onda

Onde tudo se confundia e vibrava; um éter

Percorrendo sem cessar a sua alma vagabunda,

Rainha de todos os tempos e todos os universos.

Tudo lhe falava: o voo duma ave, o fumo

Que subia, serpenteando entre as nuvens…

 

E ele fixava a vida, a luz, e a maneira

Dos seus grandes olhos espantados devorando-lhe o rosto,

Os seus olhos que percebiam os tempos e os espaços,

Os seus olhos, apagados, como sóis que tivessem morrido.

 

TIRESIAS

Il voyait dans la nuit, il voyait dans les songes,

Il voyait dans l’écho d’une ombre qui s’enfuit,

Même à travers les cieux où le brouillard s’allonge

__ Et quando tout se noyait dans le flot de l’oubli.

 

Le monde était pour lui un vent, un souffle, une onde

Où tout se confondait et vibrait; un éther

Que parcourait sans fin son âme vagabonde,

Reine de tous les temps et tout les univers,

Tout lui parlait: le vol d’un oiseau, la fumée

Qui s’en allait, tourbillonnant dans les nuées …

 

Et il fixait la vie, la lumière et le sort

De ses grands yeux béants qui dévoraient sa face,

De ses yeux qui perçaient les temps et les espaces,

Ses yeux, ses yeux éteints, comme des soleils morts. 


NEVOEIRO, NEVOEIRO, NEVOEIRO SOBRE O CANAL

Canal de Nieuport, 7 de Janeiro de 2017

Nevoeiro, nevoeiro, nevoeiro sobre o canal.

Tudo se dissolve nesta tarde de Outono,

Tudo se dissolve nesta luz cinzenta

As correntes, o céu, o sol e a terra.

 

Tudo parece fugir para longe __ e o horizonte,

Último reflexo do sonho nessa bruma,

Parte para longe logo que a noite se ilumina,

E tudo desaparece nessas estações mortas.

 

Nevoeiro, nevoeiro, cidadela das sombras,

O teu surdo véu extingue tudo o que é vivo;

Tudo morre em ti, tudo morre até à noite

__ E o horizonte, e os astros sem número.

 

BROUILLARD, BROUILLARD, BROUILLARD SUR LE CANAL

Canal de Nieuport, 7 Janvier 2017 

Brouillard, brouillard, brouillard sur le canal,

Tout se dissout dans le soir automnal,

Tout se dissout dans la grise lumière,

Les flots, le ciel, le soleil et la terre.

 

Tout semble fluir au loin __ et l’horizon,

Dernier reflet d’un songe dans la brume,

S’enfuit au loin lorsque le soir s’allume;

Et tout s’en va dans les mortes-saisons.

 

Brouillard, brouillard, citadelle des ombres,

Ton voile sourd éteint tout ce qui vit;

Tout meurt en toi, tout meurt jusqu’à la nuit

__ Et l’horizon, et les astres sans nombre.


Jean Hautepierre

JEAN HAUTEPIERRE nasceu em Lille, França, em 1967. Além de poeta (Prélude au siège, 1989), é também dramaturgo, com várias tragédias em verso (Néron, Tristan et Yseult, Louis XIII), algumas das quais foram representadas. A epopeia Le Siège é de 2007. Tem dedicado especial atenção à promoção do teatro contemporâneo em verso. Traduziu a poesia completa de Edgar Allan Poe (em 2008), de que foi produzido um recital em 2010 no Teatro de Nesle, em Paris. Traduziu também a correspondência entre Fernando Pessoa e Aleister Crowley (Les secrets de la Bouche de l’Enfer, 2015). Publicou uma narrativa à maneira de Lovecraft, Les Hurlements de la vallée maudite, em 2005. Intervem na imprensa, na rádio e na Internet. Recebeu o Prémio da Sociedade dos Amigos de Maurice Rollinat, de que é membro destacado. Prepara actualmente uma edição das suas obras poéticas não teatrais, Les Idoles, 1982-1986 e Le testament de la Licorne, criação poética após 1986. Membro da Maison de la Poésie, em cuja revista Le Coin de Table tem publicado poemas, e da Fondation Émile Blémond. Promoveu a obra de outros poetas, publicando de 1995 a 2007 o boletim La Lettre de Jean Hautepierre, em que trimestralmente inseria antologias de poetas contemporâneos. 


CRISTINO CORTES nasceu em Fiães, Trancoso, em 1953. Escreveu contos, crónicas, diários, artigos de opinião, em jornais e revistas, tendo publicado cinco livros de prosa (o último dos quais, em 2015, Contos Escolhidos). É autor, até à data, de treze títulos de poesia, de 1985 (Ciclo do Amanhecer) até 2019 (O que fica), passando por 33 Sonetos de Amor e Circunstância (1987 e 1993), Poemas de Amor e Melodia (1999 e 2009), O Livro do Pai (2002, com edição bilingue luso-francesa em 2006, tradução de Jean Paul-Mestas, e edição bilingue luso-castelhana, apenas em meio virtual, 2011, tradução de Gladys Mendia). Em 2004 publicou Sonetos (In)temporais, antologia da obra anterior com um livro novo, exclusivamente para o Brasil. Esse livro, Cronologia e Outros Poemas, seria reeditado no ano seguinte, em Portugal, acrescido de alguns poemas inéditos. Publicou ainda, em poesia, O Ciclo da Casa e Outros Poemas (1991), Nas margens do Hades (1993), Em Lisboa, pelo Natal… (1995), Música de Viagem (2008) e PIM – Poemas de Ironia e Má-Língua (2015).

Colaborou em diversas revistas e jornais, tanto em Portugal como no estrangeiro (por exemplo DiVersos, Jalons e Inédit Nouveau). Antologiou e foi antologiado em diversas publicações, duas das quais bilingues, português-francês e português-italiano. De modo mais avulso tem ainda poemas traduzidos, e publicados, em alemão. Está em curso a tradução do seu livro de 2013, EIA – Evidências, Inscrições, Aforismos para francês.