“Sei um ninho” é uma expressão dos meninos portugueses de há umas gerações atrás. Diziam: “sei um ninho” como quem diz: “sei de um tesouro”. Talvez por isso nunca se podia dizê-lo, segundo a tradição, “debaixo de telha”, isto é, perto de ouvidos indiscretos, os das cobras, lagartos e formigas. Helena Justino diz-nos: “sei um ninho”, debaixo de telha, debaixo de tela, longe de outros olhares indiscretos. Saber de um ninho é um saber só de alguns, só para alguns. Um ninho pode ser, também, uma tela. Quando se pergunta qual nasceu antes, se o ovo, se o passarinho, a resposta é: foi a tela. No princípio era o verbo, mas antes foi o ninho, a tela. Antes do primeiro som. A linguagem dos pássaros ou dos símbolos, é posterior ao ninho. O ninho é o tempo do silêncio, antes de qualquer linguagem. O ninho é a origem de todos os símbolos, é a Mátria. Anterior ao Big-Bang.
Como palavra nasce nasalada, ainda tem líquido dentro, e é diminuta, semente, terna, tenra, macia. É um pré-útero. O nada antes do tudo. Existe desde a não existência. O maior paradoxo, porque é o vazio que contém o cheio.
O “i” é o passarinho, os dois “n” s que o embalam são o ninho, o “ho” é já a possibilidade do voo e da respiração: aspiração pelo “h”, circular como o primeiro voo à volta do ninho, pelo “o”.
Nas telas existem ninhos de todas as formas, e até sem forma. Eu sei uns ninhos que uma pintora salvou. Digo-o debaixo de tela. Onde coexiste o antes e o depois, o ninho e o pássaro. E às vezes o pássaro tem forma de peixe. É quando o ninho regressa às águas primordiais: ovo em mutação, ovo em flutuação de cor, de textura, de génese. Peixes pássaros num mundo de cor, pedido, emprestado, à flor.
Não é impossível que a tela se transforme em ninho e depois em pássaro e saia a voar. As telas são objectos voadores, têm asas. Invisíveis. Por isso (re)pousam em sítios altos, por isso (re)produzem seres alados. As telas criadas pelo voo do pincel pousam em sítios de onde apenas se sai voando, com um amplo voo de imaginação e, às vezes, de dor, como é quase sempre o primeiro voo. Por isso, o pássaro regressa ao ninho. À tela. Para renascer e transcender. A dor.
|