Pinheiro da Rocha, poeta da objetiva

 

 

 

 

 

MARIA ESTELA GUEDES
Dir. Triplov


Alocução na abertura da exposição «Pinheiro da Rocha – 130 Anos do nascimento». Centro Português de Fotografia (Porto), 18 de Novembro de 2023

Pretendemos, com esta exposição, mostrar as duas facetas do artista: de um lado a máquina de costura, de outro a fotográfica. Nas duas conquistou Pinheiro da Rocha notoriedade no Porto, e também no mundo, uma vez que são conhecidas diversas exposições dele, em Portugal e no estrangeiro.

Uma efeméride nos guiou, a de se cumprirem, em 2023, 130 anos sobre o nascimento do artista. Nasceu em 1893, no mesmo ano de Almada Negreiros, e morreu em 1973, significando estas datas que criou obras de arte numa época difícil, pois não havia grande possibilidade de os artistas permutarem conhecimento com os colegas estrangeiros. Porém Pinheiro da Rocha obtinha muito sucesso como alfaiate, podendo por isso custear as despesas das suas deslocações ao estrangeiro, sobretudo para se inteirar dos rumos da moda. Daí que parte das suas fotos incidam nos manequins exibidos nas montras das grandes lojas.

Mesmo assim, nada era fácil. Segundo informações de Jorge Viana Basto, que o conheceu, e com quem falaremos mais detidamente, o grupo de fotógrafos a que Pinheiro da Rocha pertencia era conhecido como os saloonistas, vigiado de perto e mesmo do interior, pela PIDE, a polícia política de Salazar. Com o ditador, o país fechara-se numa concha, não havia dinheiro para viajar nem muita liberdade para tanto, em especial para as mulheres. Inseridos totalmente na modernidade, só os artistas que viviam em Paris e noutras cidades europeias. Ter participado em exposições em Paris, Bruxelas, Milão, Turim, Madrid, Londres, Nova Iorque, é facto de enorme relevância. A generalidade dos artistas plásticos portugueses, e de gerações posteriores à de Pinheiro da Rocha, só viu abrirem-se para eles as portas da modernidade em 1977, data de referência, pois foi quando se realizou a primeira grande exposição de arte de vanguarda em Portugal, a Alternativa Zero, pela mão de Ernesto de Sousa. José Ernesto de Sousa tem em comum com Pinheiro da Rocha a experiência da fotografia e do cinema. Se Ernesto de Sousa realizou o Dom Roberto, considerado pioneiro do novo cinema português, Pinheiro da Rocha promoveu a realização de A Pedra?.., filme de publicidade à sua alfaiataria, exibido regularmente nas salas de cinema. Nisso se associa a Almada Negreiros, que da publicidade fez  ofício a dado momento, a exemplo dos painéis que realizou para o Cine San Carlos, em Madrid. Nesta senda cinematográfica, cabe dizer que Manoel de Oliveira foi seu confrade na Associação Fotográfica do Porto, co-fundada por Pinheiro da Rocha. O alfaiate-fotógrafo deve ter cursado com Domingos Alvão no prédio em que ambos residiam. Saindo da imagem em movimento para voltarmos à fixa, Domingos Alvão criara a Escola Practica de Photographia do Photo-Velo Club no nº 120 da rua de Santa Catarina. Os cartazes publicitários ainda lá sobrevivem, no prédio ao lado do Majestic.

Cartaz de balcão. Até prova em contrário, estas imagens de Pinheiro da Rocha são consideradas auto-retratos.

Fotografias relativas ao alfaiate e ao fotógrafo podem ser admiradas agora neste grandioso edifício que já foi a Cadeia e Tribunal da Relação do Porto, mas há mais assuntos registados com a luz, e desafiadores, pois Pinheiro da Rocha não os recusava. À boa maneira realista e naturalista, ou, se preferirmos, à tão moderna maneira de Cesário Verde, que resgatou para a lírica o prosaísmo da abóbora-carneira e do cheiro a gás que à noite defumava Lisboa quando se acendiam os lampiões, também Pinheiro da Rocha sentiu prazer em fotografar motivos como o da velha a fazer meia com a garrafa de vinho aos pés. Essa fotografia é exemplo da capacidade de transfiguração que detinha o artista, ou seja, da sua capacidade poética. Outras imagens transfiguradoras, como as paisagens envoltas na bruma, cenas marítimas, do Douro na Ribeira, as pontes, as capelas de Britiande, mostram igualmente o poeta por detrás da objetiva. E diria eu, para terminar, que a sua poesia culmina na festa, seja a que põe na rua grandes multidões, para inaugurar a instalação da luz elétrica numa aldeia ou uma Casa do Povo, seja uma procissão ou o casamento do Pedro e da Preciosa, sua prima, os meus pais.

Resta esperar que os convivas da nossa festa apreciem a obra deste poeta da objetiva, e a mim resta agradecer pela alegria de ter participado neste acontecimento do Centro Português de Fotografia, proporcionada pelo seu diretor, Bernardino Castro, pela curadora Márcia Freitas, pelo designer Arquimedes Canadas e por quantos viabilizaram a exposição «Pinheiro da Rocha – 130 Anos do nascimento».

Muito obrigada pela vossa atenção.

Maria Estela Guedes

 

 

Cartaz da exposição «Pinheiro da Rocha» na fachada lateral do Centro Português de Fotografia.

Montras de lojas de moda, fotografadas nas deslocações ao estrangeiro.

No círculo colorido, o meu avô paterno, Manuel Amaro de Almeida. Cerimónia de inauguração da luz elétrica em Britiande.

O alfaiate.

Pinheiro da Rocha colaborava regularmente com as suas fotografias nas revistas e livros.

Em baixo, a minha mãe, Preciosa, prima de Pinheiro da Rocha; ao lado, casamento do Pedro e da Preciosa, meus pais. Data do casamento, 1946.
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Reportagem do Centro Português de Fotografia