HENRIQUE DÓRIA
Henrique Dória é advogado e colaborou no Diário de Lisboa Juvenil e nas revista Vértice e Foro das Letras. Tem quatro livros de poesia e três de prosa publicados. É diretor da revista online incomunidade.com, e da radiotransforma.
Texto publicado originalmente na revis InComunidade, em:
https://www.incomunidade.pt/pinheiro-da-rocha-fotografo-humano-demasiado-humano-henrique-doria/
Visitando a obra fotográfica de Pinheiro da Rocha em exibição no Centro Português de Fotografia, na antiga cadeia da Relação do Porto, há uma influência que, imediatamente, se nos impõe: a pintura de Vermeer. Sim, o preto e branco nas fotografias de Pinheiro da Rocha, remetem-nos para a luz e as sombras da obra de Vermeer e para a essência da pintura do genial holandês: a terna serenidade, o suave amor dos corpos e das almas, a vaga nostalgia da paisagem. Porque quem contempla uma cheia no Douro ou a ponte de D. Maria captadas pela objetiva de Pinheiro da Rocha, não pode deixar de ser transportado para a VISTA DE DELFT, aquela obra do enigmático holandês que Marcel Proust apelidou de “a mais bela pintura do mundo”.
E quem contempla a fotografia de uma ruela junto à Sé do Porto não pode deixar de recordar a RUELA, a obra de Vermeer que o pintor impressionista alemão Max Lieberman classificou como “a mais bela obra de cavalete.”.
A obra fotográfica de PINHEIRO DA ROCHA é uma manifestação de amor à verdade simples acompanhada de uma excelente técnica como encontramos na obra de Vermeer. Olhemos duas fotografias de PINHEIRO DA ROCHA, duas mulheres fiando, ambas à entrada de casa, tendo uma delas a seus pés uma garrafa de vinho.
A nossa imaginação é, então, ligada a duas belíssimas obras de Vermeer: Mulher com um Colar de Perolas e Mulher de Azul Lendo uma Carta. Em ambas as obras fotográficas vemos, no fundo, a mesma mulher, a mesma casa, a mesma sombra que se projeta atrás da mulher, o mesmo sol que a ilumina, as mesmas pedras, as outras mesmas mulheres em segundo plano, tudo se repetindo e tudo sendo diferente como só os grandes mestres logram alcançar. E como não associar a bela mulher terna, de olhar melancólico*,ao rosto de A LEITEIRA, e um velho homem lendo a O GEÓGRAFO, ambos captados num momento de reflexão? Repetindo Proust, em A PRISIONEIRA, podemos dizer que na obra de PINHEIRO DA ROCHA, há nas pessoas e nas paisagens a “criação de uma certa alma” que só quem está profundamente ligado à terra consegue captar e transmitir.
E MANUEL PINHEIRO DA ROCHA (1893-1973) foi um homem que, tendo fugido, com dezoito anos, das limitações da sua aldeia, a vetusta Britiande, em Lamego, vem para a cidade trabalhar como alfaiate, e nela consegue não só alcançar êxito profissional, mas também cultivar-se e estabelecer relações com o pioneiro da fotografia portuguesa, Domingos Alvão, e ainda com a vanguarda artística portuense do seu tempo, nomeadamente o grande escultor Teixeira Lopes, e o mestre da pintura Jaime Isidoro. Mas nada da cidade o faz esquecer a sua aldeia, e é com a amorosa ternura de camponês que vê a própria cidade. Entre as obras de PINHEIRO DA ROCHA, em exibição no Centro Português de Fotografia, há uma que nos remete para o célebre carrinho de bebé que Eisenstein filmou caindo pelas escadas de Odessa, em O COURAÇADO POTEMKIN, num momento de violência inaudita. Mas, ao contrário do carrinho de Eisenstein, há no carro de bebé de PINHEIRO DA ROCHA uma quietude, uma simplicidade e uma hino á vida que, muito para além da amena conversa entre duas jovens mulheres, as próprias sombras estão a exaltar.
Como estamos gratos ao CENTRO PORTUGUÊS DE FOTOGRAFIA e, em particular, à ilustre britiandense MARIA ESTELA GUEDES, o ter-nos dado a conhecer a obra fotográfica de PINHEIRO DA ROCHA, um grande, grande fotógrafo injustamente quase esquecido.