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MISS PIMB
O LAGO DAS BARRACAS
 

A sotôra Malvácea hoje portou-se bem, só pediu que comentasse o relato que está em linha (1) sobre o descobrimento do lago Loreto, em Fernando Pó. Eu sempre ouvi dizer que a distribuição dos seres vivos no Planeta obedece a certas leis. E uma delas garante que animais de água doce, ou que não nadam nem voam, não conseguem atravessar mares para povoar ilhas, a menos que alguém os leve. Toda aquela zona do Golfo da Guiné, à sombra do Monte Camarões, é de origem vulcânica. E então podemos perguntar: as serpentes todas de que já falei (2), mais a carradinha de espécies de macacos, não teriam nascido na ilha? Estavam lá desde sempre, e assim não precisavam de ter voado nem nadado para a povoar. Pois, isso não é assim, porque essas ilhas nasceram depois de já existir o Atlântico, depois de África e América se terem divorciado, se alguma vez esses continentes estiveram casados. E as ilhas vulcânicas nascem sem animais nem plantas, aquilo é só montes de lava e enxofre. Então, se as ilhas vulcânicas nascem assim de repente, e também desaparecem, há muitas ilhas perdidas dos mapas, e até nos Açores... Lembrei-me de uma história mas não sei datas nem nomes, paciência, conto-a à mesma. Deve ser uma história do século XIX. Uma vez, um vulcão dos Açores entrou em erupção e criou uma ilha nova com a lava. Por acaso passava nos arredores um navio inglês e o comandante tratou logo de a registar numa carta, deu-lhe nome e tudo, e determinou que a nova ilha açoriana pertencia à Coroa britânica. Mal os ânimos da diplomacia tinham começado a entrar em erupção, não é que a ilha desapareceu? Viveu um ano e depois apagou-se. Mas a sotôra Malvácea não quer que eu fale das ilhas perdidas, sim daquele texto que está em linha sobre o descobrimento do Lago Loreto, em Fernando Pó. Eu já li, e aquilo está tudo errado, o texto vem num livro do Reverendíssimo Padre Armengol Coll, mas não é dele, quem conta a história é o Reverendíssimo Padre Juanola, muito amigo do Francisco Newton, e por isso o autor é o Padre Juanola, não é nada o Padre Coll, nem percebo como estas barracas acontecem no TriploV, um sítio onde nunca há gralhas nenhumas! Bem, o Padre Juanola esteve na ilha de Ano Bom, que também já foi portuguesa, e deu abrigo ao Francisco, quando este lá foi fazer uma exploração e uma quantidade de introduções. A casa da missão era pobre, não havia quarto para ele, de maneira que o bom do Francisco teve de se contentar com uma barraca improvisada. Então os dois semearam montes de ervas e plantaram 3.333 pés de cacaueiro, e disseram-me que essa plantação ainda hoje existe. O bom Padre Juanola é que morreu mal acabaram a jardinagem, o que quer dizer que descobriu o Lago Loreto muito antes de ter morrido, como é natural. Eu acho muito importantes os hipopótamos que ele viu no lago, e para prova imortalizou em prancha, é só ir ver, o Padre Juanola de braços erguidos ao céu e o hipopótamo a rezar ao fundo daquele terrível precipício de 300 metros. Só me pergunto como é possível o Padre Juanola ter descoberto um lago que já todos conheciam, só se o descobriu do lado em que não tinha embarcadouro, porque até sabiam a que distância ficava de Santa Isabel, de Concepción e tal, como o próprio Armengol Coll revela no livro, muitas páginas antes de se chegar a esse maravilhoso episódio do hipopótamo, que não voa nem tem barbatanas para nadar assim oceano fora, e então se estava no lago Loreto é porque alguém o levou em pequenino, e se alguém o levou, é como digo: o lago estava farto de ser descoberto, e desde o tempo dos portugueses, para não falar dos bubis, habitantes da ilha, que se haviam de fartar de rir com tanto descobrimento do descoberto. Mas que grande barraca! Fernando Pó é uma ilha, não é um continente, e as ilhas conhecem-se de cima a baixo logo que os marinheiros desembarcam nelas. E não era preciso passar por ali para subir ao Pico de Clarence? Essa é outra barraca, até parece que era uma façanha incrível subir ao cume, e de cada vez que alguém subia era a primeira vez, mas toda a gente subiu ao Pico de Clarence, até o explorador Rogozinski, que de uma das vezes em que fez aquele piquenique ia acompanhado pela mulher e por um bubi mais as suas duas mulheres. Mas aquilo de que gostei mais no texto foi daquela prancha que diz na legenda que a imagem mostra o Promontório e a Missão do Cabo S. Juan e até me lembrou uma missão anti-tzé-tzé em São Tomé e Príncipe, em que o Cabo S. Juan se transmuta em Cabo de S. Jorge (3). Essa prancha não faz parte da história do descobrimento do Lago Descoberto, mas alguém a enfiou ali certamente pela mesma razão que atribuiu a descoberta do Lago Descoberto ao Padre Armengol Coll, que, sabe-se lá!, pode nem nunca ter saído de Espanha. É uma prancha muito engraçada, tem um barco a navegar de noite, à luz da Lua, e na vela improvisada com alguma camisa de dormir está escrito um 3. Que barraca, não faço a mais pálida ideia do motivo por que alguém escreve um 3 numa vela de barco, mas isso lembra-me outro pormenor literário muito digno de referência, na história da descoberta do lago que todos estavam fartos de conhecer: o Padre Juanola diz que na comitiva de exploração iam TRÊS missionários, e eu fartei-me de procurar o terceiro e só vi dois. Mas que grande barraca!

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(2) A Ilha das Serpentes
(3) Ciência e subversão: brincando com a tzé-tzé