ZUCA SARDAN & FLORIANO MARTINS
BANDA DE PRAÇA
Roca-Roca
Zaca-Traca
Firifim
Fon-Fon
DO OUTRO LADO DA PRAÇA
O trombone
se agiganta
no ouvido
da formiga.
Toca o fole
Marrequinha santa
O negro pastor
quer tirar da cartola
uma orquestra de rãs
ZÉ ALUVIÃO
Porque não pererecas
negro pastor da cartola
tirar porque não pererecas
da cartola tirar pastor
pererecas pererecas
JOÃOZINHO DISPOSTO
A perereca da vizinha
anda solta no telhado
Basta o sol bater no quengo
ela pula pra todo lado
As perninhas dela
não conhecem fado
São do frevo mais puro
e saltam como pecados
ZÉ ALUVIÃO
A perereca da vizinha
sempre pula mais alto
JOÃOZINHO DISPOSTO
É porque ela sabe onde se esconde o céu.
ZÉ ALUVIÃO
O céu se esconde atrás da porta.
Não adianta procurar porque ele sempre se esconde… do outro lado.
JOÃOZINHO DISPOSTO
Mas as pererecas não procurar o céu. Sabem onde ele se esconde e evita desvirar as portas, cientes do fundo falso desses espelhos tão fortuitos…
ZÉ ALUVIÃO
E o que é o Mundo, e o Céu do Mundo, senão essa recorrente repetição de espelhos conjugados?… O Inferno é a barra que serve de eixo de rotação dos espelhos do Céu e da Terra, que, se colados um diante do outro, não refletem mais nada.
JOÃOZINHO DISPOSTO
No baile das noviças as pererecas entoavam cantos ocultos que evocavam o talento do Inferno por fazer com que os espelhos recuperassem a visão. Em um jogo astuto de palavras-valises, os cantos conduziam as noviças por estreitos labirintos, onde uma estranha e altíssima figura lhes abria os olhos para o mundo e o céu do mundo.
ZÉ ALUVIÃO
Mas Madre Marilda, experiente, lhes deu óculos de cego, com vidro preto, pra que não vissem as falsidades maldosas que aprontava a altíssima maléfica figura.
JOÃOZINHO DISPOSTO
O que Madre Marilda não previu é que óculos de cego permitem olhar apenas para dentro bem dentro, o que levou as noviças a inventarem um mundo próprio alheio à realidade.
ZÉ ALUVIÃO
Mas enfim, observou, Madre Marilda, se este mundo próprio é muito melhor que o mundo exterior, melhor mesmo que as noviças fiquem por lá.
JOÃOZINHO DISPOSTO
Com o que o Condor não contava é que os mineiros que deram guarida às noviças há muito há eram subornados por outra legendária figura, o Leão da Metro que, com um rugido único, desarvorou os cílios postiços e a peruca da Madre Marilda.
ZÉ ALUVIÃO
“Assim também não é possível”, reclama Madre Marilda, “mineiros subornados por um Leão de chanchadas…”
“Pior seria se fosse leão do Dalí”
“Do Dalí? Dalí só tem lagostas e rinocerontes”…
JOÃOZINHO DISPOSTO
Leões Dalí não tem, porém seus elefantes repovoam a terra, ora tocando tubas, ora levitando ou em caminhadas sedutoras em suas longas e finas patas. Há quem diga que Marilda posou nua ante a sedução implacável de seus tigres. Arte, Ciência e Religião afinaram em tais cenas seus rugidos.
ZÉ ALUVIÃO
Nessas afinações, ninguém melhor que o Dalí… Papa Benito encomendou-lhe uma última ceia, Dalí, em lembrança ao milagre da multiplicação dos peixes, empanturrou a mesa de lagostas vivas… O quadro se encontra guardado em algum armário do porão da Capela Sistina.
JOÃOZINHO DISPOSTO
Nosso correspondente no Vaticano me garantiu que, por uma falha na manutenção, as lagostas famintas se devoraram entre si. Sobrou apenas uma, empanturrada pela gula, que acabou por ejetar um telefone, de imediato ligando para Benito, lhe dizendo: – As cicatrizes da fé a todo instante rebentam porque vocês negam a ficção de sua realidade. Benito deixou cair o telefone no chão e, antes de ser petrificado, escutamos ainda sua voz: Deus nos proteja da versão demoníaca de todo o reino da criação. Estátua!
ZÉ ALUVIÃO
O chefe do protocolo, vendo o Papa Benito transformado em estátua, telefonou pro genial escultor Michelanjo, no momento ocupado na criação de uma coleção de colossais escravos gigantes que se contorcem aprisionados em camisolões. Michel disse ao Cardeal, “Deixai comigo…” e minutos após irrompe na sala papal, e encontra Sua Santidade transformada em estátua. Rosna o Michel: “Comigo não!!! Já te dou um jeito… e avança enfurecido de martelo alçado e brada “PARLAAAAAA!!!” E antes que viesse a martelada, ouve-se a voz do Papa desencantado: “Grazzie Michelino!… Dominus Vobiscum.”
JOÃOZINHO DISPOSTO
Na outra margem do Atlântico, o poeta das gamelas vazias estala os dedos e deixa escapar com voz roufenha: Ah esses mistérios papais, diante do martelo toda a coragem se esvai e o cativeiro mais gentil não se arrisca em nome da verdade.
ZÉ ALUVIÃO
O dito blasfematório do poeta das gamelas foi transmitido via e-mail por Frei Feijão ao Vaticano, onde o serviço de segurança, leva ao conhecimento do Papa o texto desaforado. Don Benito lê a desfeita, e lágrimas marejam-lhe os olhos… “Aí está… essas pobres ovelhas desgarradas não sabem o que dizem… Se soubessem… iriam melhorar pelo menos a ortografia…
BANDA DE PRAÇA
Roca-Roca
Zaca-Traca
Firifim
Fon-Fon
POSTAGEM GRAVADA PELO PAPA PARA TODOS OS CELULARES
O verbo por ser verbo não sabe fazer nada
Precisa da fé substantiva que dá sentido a tudo
Tudo ou nada, tudo ou nada, quem vira santo ou demônio
Sabe que um dia terá que recolher as fronteiras do mito
Para poder escrever uma nova oração que refaça o mundo
O MISTÉRIO DO CACHIMBO
Não creio que Papa Benito lerá o cachimbo que não era pássaro; mas a não responder os graves
dilemas metafísicos do Século 21, presentes nos textos que queimam na fornalha do cachimbo…
Frei Feijão entrará em implacável dilema existencial.
FIM