Frei BENTO DOMINGUES, O.P.
- No passado dia 13 de Março, o Papa Francisco fez 12 anos de um Pontificado verdadeiramente original. Os católicos, e não só, puderam celebrar esta data numa fase em que foram anunciadas melhorias na sua saúde, embora precárias. Em todo o mundo, foi acompanhado pela oração insistente.
Verificou-se, por outro lado, que antes de ser internado, não só já tinha inaugurado o Ano Jubilar, em Roma, como tinha sido intensificado em todas as dioceses católicas do mundo, de modo verdadeiramente inculturado. As expressões serão necessariamente diferentes, mas todas unidas como o exprime o Logotipo, para indicar a solidariedade e a fraternidade que deve unir todos os povos.
Ao celebrar o Ano Jubilar, confessamos que precisamos de mudar, precisamos de nos converter. Não podemos continuar agarrados às nossas rotinas sociais, económicas e religiosas. Os clássicos gestos que propõe – jejum, esmola e oração – só são verdadeiros se nos fizerem olhar para aqueles que não têm como sustentar a vida. A oração autêntica dá a capacidade de ver, interpretar e agir com misericórdia em tudo o que se passa no mundo. É uma forma de socorro.
O que o profeta Isaías ouviu da parte de Deus reza assim: O jejum que me agrada é este: libertar os que foram presos injustamente, livrá-los do jugo que levam às costas, pôr em liberdade os oprimidos, romper com toda a espécie de opressão, repartir o teu pão com os esfomeados, dar abrigo aos infelizes sem casa, atender e vestir os nus e não desprezar o teu irmão. Então, a tua luz surgirá como a aurora e as tuas feridas não tardarão a cicatrizar-se. A tua justiça irá à tua frente e a glória do Senhor seguir-te-á[1].
Este foi o apelo que suscitou o Jubileu do Antigo Testamento até aos nossos dias.
A oração é a alma de todo este movimento de peregrinos, mas também ela precisa de ser evangelizada. S. Mateus luta contra a hipocrisia que se infiltra nos próprios actos religiosos: Nas vossas orações, não sejais como os gentios, que usam de vãs repetições, porque pensam que, por muito falarem, serão atendidos. Não façais como eles, porque o vosso Pai celeste sabe do que necessitais antes de vós lho pedirdes[2].
- Lucas, como bom narrador, construiu uma longa parábola sobre a insistência no pedido, que não posso reproduzir aqui na íntegra. Parece contrariar S. Mateus, mas de facto não, pois termina assim:se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo àqueles que lho pedem![3].
A oração não é uma técnica para informar e convencer a Deus, mas para nós acreditarmos que Deus está sempre connosco, somos nós que nos temos de abrir a esse amor.
- Paulo já tinha escrito que é de acordo com Deus que oEspírito vem em auxílio da nossa fraqueza, pois nem sequer sabemos o que havemos de pedir, mas é Ele que intercede por nós.Esse mesmo Espírito dá testemunho ao nosso espírito de que somos filhos de Deus e podemos dizer, com toda a ternura, Abbá (papá)[4].
Na Bula de proclamação deste Ano Jubilar, o Papa retoma S. Paulo: A esperança não engana[5], ajuda-nos a resistir à loucura bélica dos nossos dias. É ela que faz de nós peregrinos da esperança. Se Deus é por nós quem será contra nós? Ao dizer isto, estamos em pleno mistério: o que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram, o coração humano não pressentiu, foi isso que Deus preparou para aqueles que o amam, por meio do Espírito, pois o Espírito tudo penetra, até as profundidades de Deus[6].
- O Papa Francisco, apesar das dificuldades de saúde, convocou uma Assembleia eclesial de toda a Igreja Católica no Vaticano, a realizar em Outubro de 2028, para avaliar o estado da concretização da sinodalidade nas igrejas locais e em todas as comunidades religiosas.
Quando se pergunta se a Igreja ainda tem futuro, devemos reler a decisão pontifícia que já foi comunicada a todos os bispos e presidentes de conferências episcopais nacionais e internacionais, num comunicado assinado pelo cardeal Mario Grech, secretário-geral do Sínodo dos Bispos.
Esta decisão significa que, pela primeira vez na história, será realizada uma Assembleia deste género, congregando representantes de todo o mundo, e de todos os sectores eclesiais do catolicismo – clero, consagrados/as e leigos/as.
O comunicado da Secretaria Geral do Sínodo informa que, por ora, não há a intenção de convocar um novo sínodo dos bispos, optando-se, em vez disso, por um pormenorizado processo de consolidação do caminho já percorrido, em torno da construção de uma Igreja sinodal.
A mobilização de toda a Igreja inicia-se com a presente convocatória e desenvolve-se através das seguintes etapas: em Maio 2025 será publicado o Documento de apoio, com orientações para esta fase de implementação; de Junho 2025 até Dezembro 2026 serão apresentados os percursos de implementação nas Igrejas locais e nos seus agrupamentos; de 24 a 26 de Outubro 2025, acontecerá o Jubileu das equipas sinodais e dos órgãos de participação; no primeiro semestre de 2027 realizar-se-ão assembleias de avaliação nas dioceses e eparquias (equivalente das dioceses nas Igrejas orientais); no segundo semestre 2027, serão as Assembleias de avaliação nas conferências episcopais nacionais e internacionais, nas estruturas hierárquicas orientais e em outros agrupamentos de Igrejas; no primeiro semestre 2028, realizar-se-ão as assembleias continentais de avaliação; em Junho 2028, será publicado o Instrumentum laboris para o trabalho da Assembleia Eclesial de Outubro de 2028, no Vaticano.
Alegra-me saber que o Sínodo não foi abandonado ou amortecido. Continua a ser a grande tarefa da Igreja, seja qual for o Bispo de Roma.
- Segundo o documento apresentado, o caminho a percorrer até à Assembleia Eclesial de 2028 permitirá o intercâmbio de experiências e percursos entre as diferentes Igrejas e a avaliação conjunta das escolhas feitas ao nível local, reconhecendo os progressos realizados em termos de sinodalidade.
O objetivo é tornar concreta a perspectiva do intercâmbio de dons entre as Igrejas e em toda a Igreja. Ao longo do caminho, todos poderão beneficiar da riqueza e da criatividade dos percursos realizados pelas Igrejas locais, colhendo os frutos nos seus agrupamentos territoriais.
Esse percurso será também uma oportunidade para avaliar, conjuntamente, as escolhas feitas a nível local e reconhecer os progressos realizados em termos de sinodalidade. Graças a tal percurso, o Papa poderá escutar e confirmar as orientações consideradas válidas para toda a Igreja em diálogo.
Por fim, esse processo constitui o quadro no qual se situam as diversas iniciativas para a realização das orientações sinodais, em particular os resultados do trabalho dos Grupos de Estudo, que deverão ser apresentados daqui a três meses[7].
A Igreja nunca se pode dar por terminada. Como peregrina da esperança, exige uma incansável imaginação.
Público, 23 Março 2025
[1] Is 58, 6-8; cf. Is 1, 16-20
[2] Cf. Mt 6, 5-15
[3] Cf. Lc 11, 5-15
[4] Cf. Rom 8, 26-30
[5] Rm 5, 5
[6] Cf. 1Cor 2, 6-10
[7] Cf. https:/www.vatian.va
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