Pequena entrevista exclusiva com o Doutor José Jagodes

NICOLAU SAIÃO


“ESTAMOS AQUI PARA AS CURVAS, Ó COVID 19!” –
declarou varonilmente o grande pensador à nossa repórter
Marisuela Ortega

Dado o momento, momentoso e singular, não pudemos deixar de – aproveitando a estadia entre nós da repórter free lancer Marisuela Ortega, que se deslocara ao Alentejo para uma reportagem sobre o surpreendente desenvolvimento que se tem estado a verificar na região após a realização do Dia de Portugal – (não estamos a brincar!) – deixar de, dizíamos, enviar a conhecida publicista espanhola (que como é geralmente sabido está imunizada contra o Coronavirus, por razões que a ciência constatou) a Linda-a-Velha, localidade de residência habitual, quando não está por fora, do grande pensador e actual docente da cadeira de Metafísica Histórica Subliminar na Faculdade de Oeiras.

O autor de “A Lenda de Belém”, onde analisa o sistema filosófico posto a correr pelo Prof. Marcelo Reboredo da Silva, acolheu Marisuela com a habitual cordialidade, só não tendo acedido ao costumado par de beijinhos por, e citamos, “natural precaução estático-híbrida”, o que aliás foi prontamente aceite. O diálogo, embora restingido por uma questão de prudência táctico-salutar, foi o que segue:

Marisuela Ortega (MO) – Doutor Jagodes, antes de começarmos propriamente, deixe que o felicite por…

Doutor Jagodes (DJ) – Não ponhas mais na carta, moça. Referes-te decerto ao êxito do meu último artigo no Diário da Tarde, onde demonstro que os portugueses são os mais asseados habitantes da Europa, o que ficou provado mesmo agora neste período conturbado, em que o papel higiénico praticamente desapareceu das lojas e supermercados, pois até em alturas de pandemia os lusitanos não podem conceber que, a terem o azar de falecer, se apresentem ante o dito Criador de rabo sujo.

MO – Não, Doutor. Eu queria felicitá-lo era por ser cidadão dum país em que a coragem nos períodos difíceis vem sempre ao de cima! Veja que no meu pais os cidadãos, assim que o surto surgiu, debandaram logo para casa e, a seguir, os bares, discotecas e outros centros culturais onde se pratica a sã convivencia entre jovens, foram todos encerrados com um mdo que me parece excessivo, o que levou cidades inteiras a ficarem desertas que até mete dó. Pelo contrário, cá…

DJ – Sim, os jovens principalmente, o que nos deixa adivinhar que a coragem tradicional da juventude lusitana não se perde mesmo ante ameaças, continuam a confiar na providência e, muito principalmente, nos nossos líderes. Não sei se sabes, mas o nosso grande líder determinou e o virus vai ter que obedecer, que só pode actuar nos bares depois das 21 horas, altura a que os estabelecimentos desse ramo fecham então. Até essa hora está-lhes vedado, mesmo com os amplos ajuntamentos, que a infecção se propague legalmente!

MO – Ah! E quanto a hospitais…

DJ – Nos hospitais vive-se um pouco também um ambiente de calma e de coragem ante o perigo eventual. Por exemplo no SNS, que as más línguas dos subversivos de sempre davam como mal preparado, há um ar sereno que dá bem a qualidade de quem nos rege. Tive mesmo agora notícia de que no Santa Maria, no departamento de Puerpério (o que trata de parturientes e recém-nascidos), o pessoal não tem máscaras, nem luvas, nem batas esterilizadas, não por teimosia e temeridade ante o perigo mas, simplesmente, por não haver esse material já há dias, o que previsivelmente causa uma certa alegria nos enfermeiros e médicos. E nas praias, moça, também se nota que tudo corre bem: em vez de encerrarem liminarmente esses suaves lugares de convívio, o que denotaria alarmismo escusado ante os turistas que nos visitam, mantiveram-nas salutarmente abertas. E as pessoas que eventualmente ficarem infectadas ficá-lo-ão em perfeitas condições de higiene lúdica, digamos.

MO – E o que pensa o Doutor das conversações existentes neste momento entre o vosso e o nosso vice-rei para se encerrarem as fronteiras?

DJ – Acho que é, fundamentalmente, uma boa ocasião de traçarem planos, aproveitando o pretexto da pandemia, para artilharem mais algumas tácticas bilaterais para combinarem governar de forma altamente progressista os nossos dois países. O seu é um grande admirador do nosso comandante, pena é, agora que estava tudo a correr tão bem, que viesse isto do surto impedir que a Ibéria, vivendo um rumo de grande estabilidade que a demais Europa nos inveja, continue no caminho dos amanhãs que cantam!

MO – Mas não há nada que lhe cause alguma preocupação, Doutor?

DJ – Claro que há, moça. Uma delas e não pequena, é o facto de as igrejas terem ficado desertas, o que pode dar ensejo a alguns mal intencionados dizerem que a eventual protecção divina está a descurar os seus efeitos protectores, o que já seria mau. Mas o realmente mau é os cidadãos vulgares poderem inferir que as orações in loco pouco adiantam, e como se sabe a Nação é profundamente crente, mesmo os extremos-esquerdistas têm receio de criticar o status quo eclesial, provavelmente porque lá no fundo são ultramontanos que não se assumem…

MO – Bom, Doutor Jagodes, obrigado por estas breves dissertações neste momentoso assunto. Resta-me desejar, a si e à sua querida pátria, que tudo corra bem e não seja como na minha, em que até futebolistas foram infectados!

DJ – Obrigado moça. Eu creio que tudo irá, no final, correr bem, tanto mais que isso já está a suceder por exemplo no Alentejo, onde não se notam infecções. Alguns mais optimistas até sustentam a opinião de que é por ser a região mais salubremente deserta e atrasada de contactos, mas eu acho que é apenas por ser a região onde faz mais calor provocado pelo sol e, segundo parece, a vitamina E e D propiciadas pelos raios solares atrasa ou quase elimina a eficácia do vírus. Mas isso a Ciência irá demonstrar nos próximos tempos…se lhe dermos possibilidade existencial!


NICOLAU SAIÃO