..COLÓQUIO INTERNACIONAL "A CRIAÇÃO". CONVENTO DE S. DOMINGOS. LISBOA. 2003


  • A COMUNICAÇÃO DE COLÓQUIO COMO EXEMPLO DE
    COMUNICAÇÂO E DE CRIATIVIDADE ARTÍSTICAS

    Pedro de Andrade

    Fac. de Economia da Univ. de Coimbra e
    Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Univ. de Lisboa

0. A comunicação da comunicação.


O termo ‘Comunicação’ significa, como sabemos, pôr em comum, na sua conotação latina original, communicare. Aquilo que pretendo colocar em comum convosco, hoje, são duas coisas: por um lado, uma temática, mas também, por outro lado, uma forma de comunicar.

Em outras palavras: se o assunto que aqui me traz é o fenómeno da comunicação em geral, também pretendo analisar, muito brevemente, a comunicação de Colóquio ou de Congresso como figura de comunicação singularizada, e em particular enquanto expressão artística, para além da sua faceta científica mais habitual. Embora esta temática não seja propriamente nova, nada nos impede de a repensar e, quiçá, de contribuir, por pouco que seja, para a sua desconstrução.

Nesta perspectiva, parece-nos que a comunicação de Colóquio ou de Congresso encerra certos traços peculiares, que a distinguem de outros modos de comunicação, dos quais alguns são os seguintes.

1. A substantividade do paper.

Vejamos, antes de mais, o que se passa quanto aos conteúdos científicos que o paper propõe.

Em primeiro lugar, consideremos o plano abrangente, exterior e circundante ao Colóquio. Mesmo antes da apresentação de um texto neste evento cultural, o paper instila e destila - de acordo com o perfil sócio-estrutural e contextual do seu autor, bem como na sua produção escrita co-textual - ora uma dada representação da sociedade e do real, ora uma sua desconstrução. O conteúdo de um tal texto insere-se num processo de entendimento do mundo, que pode aproximá-lo ou distanciá-lo de outras comunicações científicas previstas para outros eventos científicos. Em termos mais específicos, o tema da comunicação de Colóquio pode incluir-se, menos ou mais profundamente, nestas cinco ordens processuais do conhecimento: o saber epocal ou epistémè; o saber de classe ou ideologia; o saber institucional ou discurso; o saber profissional ou qualificação/especialização; e o saber quotidiano ou senso comum.

Em segundo lugar, numa óptica microssocial e concreta, o conteúdo dos textos de Colóquio distingue-se, para alguns deles, pela sua sintonia e pela sua inclusão no seio da problemática geral do Colóquio e das respectivas sessões plenárias. Ou, de um modo mais circunscrito, outros desses textos trairiam a sua identidade, isto é, o facto de serem comunicações de Colóquio - se não se incluíssem, alternativamente, nos contornos temáticos de um qualquer grupo de trabalho.

Em terceiro lugar, numa perspectiva diacrónica, o conteúdo da comunicação de Colóquio ou de Congresso deverá encerrar alguma eventualidade, ou seja, o conjunto dos traços diferenciais da natureza do evento. Com efeito, tipicamente, este tipo de ensaios constitui aquilo que se chama uma fonte primária de informação / conhecimento. Uma fonte primária de informação / conhecimento possui três propriedades distintivas essenciais: 1ª particularidade: é actual; 2º atributo: é original, ou seja, contém informação recolhida em primeira mão; 3ª característica: o tratamento dos dados brutos é ainda relativamente incipiente, isto é, o texto foi escrito, pelo menos em parte, ‘a quente’, num estilo algo jornalístico, sem uma reflexão assaz profunda.

2. A figura sócio-semiótica da comunicação de Congresso.

Passemos em seguida à dimensão sígnica da comunicação de Colóquio. Começarei por enunciar, rapidamente, três atributos sócio-semiológicos centrais, da mesma maneira que se procedeu para a vertente de conteúdo da comunicação, atrás esboçada.

Por um lado, no plano macrossocial, a figura comunicativa de Colóquio obedece a modelos legitimados de publicitação do saber, desde logo o discurso científico, que contém pelo menos cinco códigos ou sistemas de regras de organização dos significantes científicos em vista à produção do significados da Ciência: a racionalidade; a reflexividade; o carácter sistemático; o controlo dos procedimentos de recolha, análise e interpretação dos dados; e a crítica dos resultados.

Por outro lado, no nível microssocial, a exposição de um paper no Colóquio assenta numa relação social intersubjectiva, onde a oralidade prevalece, no interior da deixis configurada pelo espaço / tempo da sala de apresentação e pelos respectivos sujeitos intervenientes no evento (os elementos da mesa e o público). Em termos mais sociológicos, trata-se de uma interacção manifesta ou explícita, segundo Erving Goffman, ou seja, aquela que utiliza, prioritariamente, a linguagem verbal, e não apenas as linguagens gestual, proxémica, etc., que pontificam na interacção implícita.

Finalmente, no prisma de uma semiótica das temporalidades, uma tal comunicação oral desenvolve-se em três momentos típicos, cada um deles igualmente submetido a códigos diacrónico-comunicativos precisos: (a) a apresentação do orador pelo moderador; (b) a exposição pelo orador, e (c) o debate susbsquente entre os membros da mesa e o público.

3. A comunicação enquanto cria-actividade.

Dito isto, não seria desinteressante reintroduzir, nesta ordem de coisas, um pouco mais expressivamente, a acção de criar, ou criação, e a actividade de criação, ou cria-actividade.

Por isso, a maneira de comunicar que aqui vos proponho para reflexão é uma espécie de diálogo, ou mesmo um dialogismo, entre, de um lado, a prosa sociológica que esbocei até aqui e, de outro lado, um modo poético de exposição das temáticas de Colóquio, que divulgarei a seguir. Desta feita, a anterior reflexão racional e reflexiva sobre a comunicação de Colóquio, de cariz mais científico, poderá obter uma maior impacto comunicativo, se a complementarmos, na dimensões formal, fática, conativa, etc., pela poesia. O conjunto das duas figuras de comunicação assim fusionadas produz uma escrita híbrida, a que chamei proesia. O resultado da escrita proética constitui o proema.

Nesta perspectiva, repare-se que a própria natureza da prática e do discurso sociológicos podem transformar-se, de uma maneira algo alquímica, em Sociologia Poética, isto é, a interpretação do social através de um conjunto de poemas sociológicos. Ou, de um modo ainda mais intenso, a escrita do societal transmuta-se em Sociologia Proética, ou seja, o sócio-real captado, simultaneamente, por meio de prosa e de poesia sociológicas. Esta última denominação sugere ainda um sentido pró-ético, que pertende superar um défice que, por vezes, perpassa na Ciência, ou seja, alguma omissão do sentido ético da prática científica. Uma tal consciência ética deveria aliar-se, mais do que se fez até hoje, à dimensão estética da Ciência, por exemplo, mas não só, através da poesia, como Rómulo de Carvalho defendia para as Ciências da Natureza.

Assim sendo, ofereço-vos, para vossa consideração, algumas ilustrações de Sociologia Poética, isto é, uns quantos poemas sociológicos, ainda inéditos, sobre (escritos) a comunicação, a informação e a interpretação, e sob (inscritos) nesses três processos sócio-sémicos. Uma tal Sociologia Poética funciona, desta feita, como uma espécie de sobreescrito que encerra, no seu seio, cartas (lettres), subscritas por letras (lettres) não tanto invisíveis, mas revisíveis pelo trabalho interpretativo do modo de escrita híbrida. Essa poesia do social, ou o social pela poesia, e acerca da sociedade de informação em particular, deverá comunicar, como referi, com a parte anterior da minha comunicação, aquela porção sobrescrita e subscrita em prosa. Sem isso, não poderemos falar, em pleno direito, nem de Socologia Proética, nem de proemas sobre a realidade e a irrealidade do social.

4. A Sociologia Poética, via para a proesia.

ACÇÃO DE IMAGINA-ACÇÃO

SENTIR O SENTIDO


  • Imagina uma acção
    Plena de imagina-acção

    Depois pensa em alguém
    Que só sabe as coisas bem

    Que conhece e sabe tudo
    E por isso... fica mudo

    Que sabe o saber de cór
    Mas não lhe sabe o sabor

    No entanto, e também
    Contudo, todavia e porém

    Quanto mais imaginamos
    Mais imagens recusamos

    Mais sentidos ressentimos
    E muito mais coisas vimos

    8/11/2000
  • O sentido encontra-se hoje em sentido!
    Quando o que acontece tece com um ruído
    Quando tudo o que se re-pede já é repe-tido
    Se todo o problema já foi resolvido

    Eu sinto o sentido não enquanto santo ido
    O espaço não como paço-ex, mas passo que és
    O lugar do morto, mas visto de revés

    Sim, não sinto o sentido sentado no chão
    Não signo ficado mas conotação
    Significando só significação

    Na hora recta se fundou a retórica
    E recusando uma denotação dórica
    A linguagem se tornou, enfim, eufórica

    As notas sem notas conotam a detonação
    Da rota rota da retórica, em argumentação
    E tornam mais rica a interpretação

    15/11/2000
COMPUTADOR

CORREIO ELECTRÓNICO


  • Antes de a máquina querer o homem imitar
    Já o homem se tentava maquinizar

    Porém, ao prolongar-se no computador
    Olhou-se, pelo écran-espelho, com temor

    Descobriu o que o cobria, eram dados
    Nunca dados, mas tomados, mas temidos

    O saber-dados, é moeda de eleição
    Tudo a ele se refere, na eterna tradução

    As tecnologias da informação e do conhecimento
    Firmaram a razão em novo firmamento

    Por isso, antes que o homem se automatize
    Esperemos que primeiro, a máquina, se humanize.

    15/11/2000





  • Não é nada o som dodecafónico
    Diante do correio electrónico

    Com o e-mail, chego a todo o lado
    Sem selos, em mil solos superados

    Electroniza-se o correio, e a mensagem
    Ultrapassa a rapidez da sua viagem

    O e-mail tem a força do momento
    E chega mesmo antes do evento

    Ele encerra a teoria do instante
    O espaço é tempo, o tempo espaço, incessante

    A epístola fulanizou-se, e faleceu
    E a carta, já não é fonte do texto meu

    Apenas vejo o e-mail, mole e mal
    A frisson da fricção em ficção habitual

    Cada contacto é um contrato sem elo
    E ele, o e-mail, ao sê-lo, funde e funda o selo belo
INTERNET
TELEMOBILIDADE

  • Internamente, interno a Internet
    Sou aranha que se tornou homem, jet net

    Externamente, decoro o decoro da rede
    E navego, cego, sem fome ou sede

    Chego à sede, à home page de um site
    E embriago-me mais que com teoria light

    Daí, passo às outras páginas de informação
    E, ao chegar ao fim, nada acaba, nada em vão

    No vão da página, veto o voto do final
    Afinal, o que é derradeiro é primeiro

    O início da nova link, é relação
    Leva à terra da infindável mutação

    Teço a teia, na tela da rede em moda
    A invenção da rede, envergonha a da roda

    Mas se a teia intermedeia, e transforma
    Transmite também a multiplicação da norma

    Por isso, só navego com uma bússola virtual
    Para, se algo ocorrer, nada me faça mal.


  • 15/11/2000



  • Antes do futuro, e depois da roda
    Só o telemóvel consegue estar na moda
    Se usas telemóvel, tens 2 públicos a escutar
    Com quem conversas, e quem te vê a falar
    Levas o emprego para todo o lado
    Fazendo o trabalho mais despreocupado
    P’ra cada telemóvel, uma música a distinguir
    Até de repente a bateria se extinguir
    No cinema, ou em qualquer outra sala
    Soa o telemóvel, no fundo da mala
    Se vens no Alfa, recebes a 10a chamada
    Só para dizer: ‘A viagem ? Atrasada !‘
    Não importa, se o telemóvel seduziu
    A sedução jaz na ponta do teu fio
    Nem um Todo-o-Terreno consegue tal charme
    O prestígio é isto: todos querem falar-me
    A telemobilidade confunde-se com liberdade
    E o telemobilizador é quem mobiliza a verdade
    Não na primeira, mas à terceira geração
    É o telemóvel que comanda a revolução
    As TIC, tecnologias da informação e conhecimento
    Encontram no telemóvel o seu fundamento
    Para contrariar a recessão do consumismo
    Basta o telemóvel e o seu fundamentalismo
    Em vez de ir ao longe, ele aqui chegou
    O automóvel, telemóvel virou
    Argumenta a publicidade que o computador
    Veio, viu-se e foi vencido, entrou em torpor
    Mas se ele fez o cérebro coser a nova cena
    O telemóvel coze este último, com a antena
    Se queres ser actual, e ser pós-moderno
    Deixa o paraíso virtual, e entra no tele-inferno...