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Depois de algumas semanas de certa acalmia, a questão do Serviço Público de Televisão voltou a estar no centro dos noticiários. Muito se tem dito e escrito sobre este «serviço público», mas faltam instrumentos que nos permitam, de forma relativamente clara, aferir e definir o que por ele entender. Aplicada esta noção de Serviço Público de Televisão ao campo das religiões a situação é ainda mais problemática que noutros campos mais falados e debatidos. E a situação apresenta-se-nos mais complexa porquê? Porque ao abrigo da legislação ainda em vigor, o Estado está obrigado a fornecer, enquanto necessidade e obrigatoriedade desse dito Serviço Público de Televisão, espaços televisivos aos grupos e confissões religiosas. Ora, até aqui poderia parecer que tudo estava bem, dentro do que se deseja para a sociedade: um espaço em que as religiões pudessem transmitir as suas tradições, o seu património, a sua mensagem que, no fundo, é imagem, reflexo, do seu lugar na nossa sociedade. Mas o essencial da questão não se esgota aqui, como se pode esmiuçar nas últimas Jornadas de Ciência das Religiões, «As Religiões e os Media», organizadas pelo Centro de Estudos em Ciência das Religiões da Universidade Lusófona. Antes pelo contrário: a concessão de um espaço específico para as confissões escamoteia, esquece, o fulcro da questão: a religião não é (só) coisa das confissões. Como paralelo para a compreensão desta disfunção posso falar no caso do tabaco (sempre tão falado quando se fala em direitos dos cidadãos): há quem fume, que escolha, que tenha por opção fumar, e há aqueles que, nunca tendo tocado num cigarro, são obrigados a conviver, a ingerir, a fumar, o fumo dos outros. Na nossa sociedade acontece exactamente o mesmo com o fenómeno religioso. Há uma parte do grupo humano português que é praticante de uma qualquer confissão religiosa, e há a grande maioria que o não é. Esta maioria que não vai a templo algum, que não tem no centro do seu dia a dia qualquer culto ou qualquer crença religiosa, vê televisão, ouve rádio e lê jornais e revistas. No limite, ela é diariamente bombardeada, essencialmente via televisão, com notícias sobre as mais bárbaras violências feitas em nome ou no contexto de um qualquer credo não sendo religiosos, como normalmente se diz, praticantes, eles são consumidores da notícia religiosa. Onde deveria estar a ser aplicada a noção de Serviço Público de Televisão? No facto suportado por lei de as confissões terem um espaço televisivo para a transmissão da sua mensagem? Ou no dever de as cadeias de televisão tratarem com conhecimento, rigor e ética, as notícias que todos os dias colocam em nossas casas? A verdade é que todos nós temos uma cultura essencialmente televisiva sobre os fenómenos religiosos. Se não forem as redacções das cadeias de televisão a terem uma atitude séria perante o fenómeno religioso, toda a sociedade sofrerá com esse facto. Neste momento, é a SIC, a TVI e a RTP que fazem a formação religiosa de toda a enorme mole de cidadãos que não se enquadram em crença alguma. Toda a nossa cultura religiosas vem da «caixa que mudou o mundo». Que mais interessa? Uns minutos diários dedicados a cada confissão, em horário não nobre, ou o tratamento sério, rigoroso e com conhecimento do fenómeno religioso em muitas das notícias que são veiculadas diariamente em horário nobre? A televisão está a fazer, queira-se ou não, bem ou mal, aquilo que em muitos países já é feito pela escola: o ensino da religião numa perspectiva cívica, de conhecimento dos fenómenos e da história das religiões presentes em cada país aplicado ao momento presente. Se não for a televisão a dar-nos uma visão séria da religião, quem será? |
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