PAULO MENDES PINTO

PECCATRIX, MERETRIX ET REDENTORA
Os significados de Maria Madalena

Se há santo no cristianismo com um lugar claramente ambíguo, esse santo é Maria de Magdala, festejada em pleno mês de Agosto (dia 22).

Os evangelistas referem-na (com a normal confusão de não se saber se as referências são apenas a uma mulher ou a duas homónimas) 11 vezes.

Apesar de termos tão poucos dados sobre a sua vida, a sua forma de estar, estamos perante um dos personagens que mais imaginação despoletou na cultura ocidental. Longe do que viria a ser o canon do lugar da mulher na igreja, Maria Madalena ocupa, ao lado de Maria, um lugar de grande proximidade a Jesus. Se uma era a mãe de Jesus, a outra ... participava da mais velha profissão ao cimo da terra.

Pior curriculo não poderia ser apresentado para almejar um lugar no seio do grupo do messias. E, todavia, tinha-o.

Não foi banida da história, foi usada em fases muito específicas em que a sua duplicidade trazia francas vantagens.

O desprezo medieval pela sexualidade feminina é compensado pela crescente valoração de Maria Madalena, a prostituta arrependida, aquela a quem Cristo primeiro aparecera depois de ressuscitado, aquela que de meretrix passara a co-redentora.

A piedade medieval, do fim da Idade Média, fez de Maria Madalena a Santa mais popular da história; Maria de Magdala é o resultado da síncrese de várias divindades: Maria Madalena, Maria de Betânea e ainda Maria Egipcíaca. Em todas, a tónica é a da mulher que, pelo seu esforço e piedade, expiou os seus pecados, ou lhe foram perdoados directamente por Cristo. A Maria Madalena elaborada na Idade Média é a filha pródiga reencontrada, a virtude, a imagem perfeita de uma cristianização total Europa.

Em Portugal são 67 as paróquias com esta santa como orago. A origem do culto em Portugal deve ter origem em dois santuários franceses muito em voga nos séculos XI e XII. Fora lá que a Santa, pela tradição, evangelizara, e se tornara eremita.

Pois é também de França que vem, e não só para Portugal, uma das principais armas do novo papado empenhado na reforma Gregoriana, a profunda e definitiva evangelização da cristandade: Bernardo de Claraval. Mais, das nascentes Ordens Mendicantes, em pleno século XIII, uma escolherá Maria Madalena para seu patrono: os Dominicanos.

Se tomarmos atenção à distribuição dessas 67 paróquias, vemos que o culto se localiza quase exclusivamente acima da linha do Tejo, mesmo as excepções não estão abaixo da linha da foz desse rio (Monforte e Portalegre). Verificando as várias levas, fases, de forais atribuídos durante a chamada Reconquista Cristã, há uma clara coincidência entre a estratégia de organização do espaço de D. Afonso Henriques, e de D. Sancho I, e a implementação do culto a Maria Madalena; ou melhor, até à descida para a linha do Tejo, a implementação do culto de Maria Madalena pode ter acompanhado a geral organização do território conquistado.

Há uma coincidência cronológica e de implantação no terreno com os dois primeiros reinados portugueses; há ainda a notar que, apesar de ser um culto apenas localizado no centro e Norte do pais, a sua implantação tem, decerto, a ver com uma adaptação a meios não muito isolados, e com algum dinamismo comercial.

O apoio que o papado dá ao nascente reino coincide com o crescimento do culto desta santa em França, com o nascimento das ordens mendicantes e com o nascimento do seu culto em Portugal.

Tão útil para cristianizar em tempo de reconquista, de evangelização, Maria Madalena sempre ocupou um outro fascínio na nossa cultura: o pecado e não a redenção.

Em 1768 era lançado um edital que proibia o livro Madalena, pecadora, amante e penitente. O campo da pecadora, da amante era a que dava mais frutos no mundo moderno e contemporâneo.

Uma breve pesquisa num motor de busca da internet revela-nos um dos campos onde o nome Maria Madalena mais é usado: a prostituição e a pornografia.

Paulo Mendes Pinto
Especialista em História e Fenomenologia das Religiões (Universidade Lusófona, Lisboa)
paulopinto@mail.vis.fl.ul.pt