NICOLAU SAIÃO
CALVÁRIO
Lorca, pudim-flan
Comido às cinco da manhã
Lorca, o mau
Puta infamada
Negro e vermelho
Como o sol de Granada
O touro na cabeça
À ilharga o cão
A caneta na mão, no chão em frente
As flores da malva
Foram o adeus
Ao sol nascente
Na fonte de Aynadamar
Onde morreste
Nunca bebeste
Nem água nem fel nem vinho
Como nas tascas de Madrid
Não te foi dado
Morrer sozinho
Nem o outro morto
Junto de ti
Pôde gritar
O cravo de sangue sobre a boca
Sobre todas as bocas
Depois sujas de terra
Foram vinte e seis sob o rodado
Dum camião
Tirados à sorte
Antes dos tiros em leque
A confirmar
A morte
E não há rima para isto
Nem olhos abertos ainda que vazios
De sombras de ramos de oliveira
E demais flores rosas magnólias
E de penumbra viva nessa hora
Súbita sangrenta demorada breve
E tua para sempre.
ARMAZÉM CELESTE
Um Lorca? Temos!
Mande buscar
Chegou-nos ontem
De Aynadamar…
Prefere que cor?!
Ah! Queria azul…
Este é vermelho
Ou antes, negro.
– Mas é um amor:
Forrado a tule
Ao estilo velho!
Não quer um Byron?
Um Holderlin?
Que tal um Schulz?
Temos aqui
– bala na nuca
Por um nazi.
E um Bergerac?
Temos de luxo
– um belo espada!
Temos e quase
Não custa nada
(foi a cacete
Numa emboscada).
Não quer um Sócrates?
Fora de mão
Anda a cicuta
E é sem travão
(Filho da puta!)
Zola? Sim, temos.
Modelo a gás,
Muito poupado.
(Em certa noite
Distraiu-se…
Ele acusava
– e viu-se
O resultado…)
Prefere o Lorca?
Vai bem servido!
É um modelo
Bom e moderno
(mas cheio de manha…)
Agradecido.
Pague com cheque.
Saúde o Eterno
E arriba Espanha!
ns