Para Lorca

 

NICOLAU SAIÃO


CALVÁRIO

Lorca, pudim-flan
Comido às cinco da manhã

Lorca, o mau
Puta infamada
Negro e vermelho
Como o sol de Granada

O touro na cabeça
À ilharga o cão
A caneta na mão, no chão em frente
As flores da malva
Foram o adeus
Ao sol nascente

Na fonte de Aynadamar
Onde morreste
Nunca bebeste
Nem água nem fel nem vinho
Como nas tascas de Madrid
Não te foi dado
Morrer sozinho
Nem o outro morto
Junto de ti
Pôde gritar
O cravo de sangue sobre a boca
Sobre todas as bocas
Depois sujas de terra

Foram vinte e seis sob o rodado
Dum camião
Tirados à sorte
Antes dos tiros em leque
A confirmar
A morte
E não há rima para isto
Nem olhos abertos ainda que vazios
De sombras de ramos de oliveira
E demais flores rosas magnólias
E de penumbra viva nessa hora

Súbita sangrenta demorada breve
E tua para sempre.