Palavra de Deus, Evangelho e palavras humanas

 

AIRES GAMEIRO


Nas atividades do Caminho Sinodal todos são convidados a falar, a dizer as suas palavras, para discernir, em comunhão, a maneira de ser Igreja hoje. Antes de cada um pensar na sua palavra, convém recordar que no dia 23.01.2022 é o Dia da Palavra. Mas qual palavra? A Palavra de Deus. Vamos então dar a palavra a cada um e ouvir também a Palavra de Deus. Surgem logo questões a pedir reflexão. Uma dela é a relação entre a escrita, a história e os sinais polissémicos, prenhes de sentido, que podem ser modos de Deus passar sentidos de vida ao homem. Todos os sinais que falam, que transmitem sentido, são equivalentes a palavras, apesar de serem anteriores às palavras escritas e às das línguas faladas. Causou impressão que os estudiosos dissessem que um tsumani começou em Tonga e chegasse aos Açores em maré de mais 40cm e à Madeira de 20, se assim me posso exprimir. Já parecesse a confirmação do dito de que o bater de asas de um passarinho numa extremidade provoca um ciclone no outro extremo da Terra. Bem, o coronavírus deu sinal invisível e meses depois deu-se um vendaval na cultura do mundo inteiro que alguns pensam que serve para reiniciar a cultura cristã/católica. Como será? Ou será para descobrir que, para bem e paramal, tudo se relaciona com tudo, pessoas, animais e árvores, etc.?

Estas reflexões coincidem com o oitavário de oração pela unidade dos cristãos, ou seja, dos batizados na água e no Espírito, e no desejo. Um sentido muito significativo. Surpreende que, ao contrário do que se ouve, com frequência, não é a unidade das Igrejas, o alvo, mas a dos cristãos. Dos cristãos com fé em Cristo ou sem fé? Na sua oração Jesus rezou: «Não rogo só por eles, mas também por aqueles que hão de crer em mim, por meio da palavra deles, para que todos sejam Um, como Tu, Pai, estás em mim e Eu em ti; para que assim eles estejam em Nós e o mundo creia que Tu me enviaste» (Jo 17, 20-26). Parece claro que uns ouviram e acreditaram na palavra de Jesus; e outros vão acreditando no testemunho de sucessivas gerações de cristãos; acreditam por meio da palavra e do testemunho (martírio) a outros, ou seja, a palavra é vivida, praticada e frutifica. E se dizem que são católicos, mas não praticantes, dá que interrogar-se se levarão a outros o testemunho de crerem em Jesus.

Como a Igreja está em caminho sinodal, ponhamos as coisas em cena: está aberta a sessão de caminho sinodal; cada um dirá a palavra em que se compromete com a própria vida sobre o Bem Comum de todos os filhos de Deus e irmãos; se compromete com Deus criador, com Jesus Cristo Filho do Pai e divino como Ele, com a Igreja que Ele fundou  sobre Pedro, a Pedra, e também barro humano, e por quem Jesus  orou para que todos sejam UM como Ele e o Pai são Um. Fica mais claro o sentido para o discernimento de como caminhar em participação e comunhão; embora com incertezas e desacordos, como acontece frequentemente. Nas incertezas e dúvidas, convirá continuar o diálogo e ouvir outras palavras.

Torna-se indispensável recorrer à oração de unidade ao Pai, como fez Jesus. Importa, ainda, recorrer às palavras de Jesus conservadas no evangelho, sem cair na erudição de alguns cristãos citarem dezenas de palavras de peritos disto e professores daquilo, e esquecerem as palavras de Jesus. Será para mais lucro? As palavras sábias de muitos podem ser importantes para abrir caminhos, mas é imperdoável pôr de lado as que Jesus disse, e lançar o cepticismo sobre elas e manter a fé humana em quem as contradiz. Há ainda outra armadilha: eruditos cristãos citam as opiniões de dezenas de autores sobre Cristo, mas nunca dão a sua opinião nem testemunham a sua vida e fé no mesmo Jesus Cristo, Filho de Deus. Fazem o contrário de Lucas no início do seu Evangelho.

Outro paradoxo é o dos que não praticam nem creem e professam a sua descrença, ao passo que crentes e praticantes não aceitam dar testemunho nem as razões da própria esperança como pedia o Primeiro Papa, o de Pedra e barro (cf. 1Pd 3, 15). Jesus Cristo já se referiu a esse silêncio nos que tivessem vergonha d’Ele ou das suas palavras (cf. Lc 9,26). Este tempo de infiltração de erros, incertezas e cepticismos grita que não será possível reiniciar (reset) o Computador do Catolicismo sem inserir as palavras-passe de Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida; e sem  orar e recorrer às instruções do Manual do Evangelho.


Funchal, Domingo da Palavra de Deus, 23de Janeiro de 2022/Aires Gameiro