Paisagens

 

 

 

 

 

 

JOSÉ RIBEIRO MARTO


Ninguém

Ninguém te espera à franquia do muro

Onde as laranjas dão o inverno ao frio

E só os pardais recolhidos nas asas

Deixam passar o sol pelos dias

 

Ninguém te espera à franquia do muro

Onde a pirâmide de betão é a usura

As gruas são a ganância de relógios

E o silêncio do tempo é a medida das coisas


Paisagem

Foi canto metálico de voo aberto nos ares

Agora é gaivota quieta no muro

 

Por entre andaimes e gruas colados ao ferro

Passa gente a murmurar vida trémula

 

A gaivota é pobre de asa e grão de sal

Roubada ao frio e ao calor da água

É relógio incerto ou rede inteira

No ruído metralhado da cidade

 

Vejo o amarelo das tipuanas dado ao lancil

As patas da gaivota no cinzento da casa

Não há o branco das penas e asa picada

Que dão o azul ao mar e selo à tempestade

 

Sem parentesco com o vento alto e o pulsar do rio

Não procura o coração e a raiz do dia

No caleidoscópio raso da cidade


Arrábida   

Não há cor de arméria de praia

Nem flor de ameixieira de jardim

Que não me tragam março

Uma luz distante na memória

A flor de pessegueiro num endereço


Notícia

Voa um pássaro de chão

nos ares

Conheço-lhe o chilreio

da tarde

 

Voado

Passageiro de nada

É a notícia mais humilde da cidade

Que num instante guardo


À passagem

Cheia é a bola na ronda dos pés

A criança leva no chuto a luz

Os desafios de glória vão no ar

Soam ventríloquos de aplauso

Passo


Esperas

Está de canto na mesa do café

O tempo é tão escuro fora

Vejo -a de chapéu de inverno

Amachucado

Preto

Triste

 

Os olhos fitos na montra

Hão de atravessar o vidro

Por entre gente e sombras

Hão de correr voados

 

Toma o chá quente que dura

As mãos unem chávena e anéis

Tilintam dúvidas íntegras

Inteiras

 

Há de chover

Ouve-se trovejar

Ela há de escurecer mais

Com os consumos quase exóticos

no saco de rede preta:

cebolas roxas e endívias


José Ribeiro Marto