Da última década de minha vida, que posso eu dizer que
não seja, milagrosamente estou vivo? Tomo este título
daquele poema com o qual Francisco Madariaga
prefaciou meus “Nuevos Asilos”. Para ele a poesia era
uma ponte de ouro estendida sobre o abismo para deixar
entrar em nós aquela infinitude do Outro, o Outro, da
Outreidade. Sua poesia era um duelo.
Mas toda luta contra e na linguagem constitui um
duelo: ele sabia muito disto e também sabia que meu
destino poético era saber tudo ou quase tudo.
E me animava a arrastar o rosto pelos areais às
margens do crime de mim mesmo. Poucos me conheceram
como ele – o irmão maior e o menor que ele jamais teve – assim nos consagramos ou assim nos consagrou o
destino.
Foi-se passando o tempo – não a amizade – e múltiplos
rostos familiares se diluíram em pálidos fotogramas:
eu mesmo me converti em um prematuro sobrevivente da
memória dos Outros. Quantos Deus meu! E que seria de
um, de cada um de nós, penso, se nos precisos momentos
nos quais necessitávamos deles não houvessem estado –
visíveis ou invisíveis – junto a nós.
As épocas douradas se foram – as alegrias, fantasias,
desejos de tornaram delgadas silhuetas que se evadiam
no crepúsculo. E a poesia não é um refúgio. É melhor
dizendo apreender a viver à intempérie sem fim. Como
assinala Oscar del Barco em sua solitária obra sobre
Juan L. Ortiz.
Quando já um ciclo de minha vida – não de minha obra –
porque assim o determinavam os atalhos no bosque que
eu havia assinalado – sem atrever-me a mirar o
passado, mas sim removendo nas cinzas que os nomes
portavam como parte delas. A carne passa, o homem
fica: sempre somos o nome de um morto: antes e depois.
E foi então – em meio a uma pequena jaula fechada ao
mundo na qual enviei um “chaski”, uma carta, um poema
quiçá primeiro a Ketty Lis – imediatamente a José
DaSilva Navia.
Em um mundo que funciona em rede – nada sabia, pouco
sei e o necessário acerca de universal-singular e
contingente Jol. Para que?
Uma vez mais o angélico se lisonjeava de mim.
Encontrei nele, não ao distante Diretor de um Portal
Venezuelano da Rede que obstinadamente se negava a
falar de sua bondade, de sua gentileza, de sua alma “machadianamente” boa: negava-se a conceder que não só
se tratava de si, senão de minha obra: mas era
fundamental sua atitude ante ela.
Nisto sabemos – existem competências, ciúmes torpes,
rivalidades pueris e aqueles que convertem a arte em
farinha para pintar o próprio rosto com ela. Os
cunhadores falsos inundam hoje os templos da
gramática. Mercadores dos cadáveres da arte. E de seu
passado. E foi o primeiro que lançou ao arco o balão,
como agora se diz. José Dasilva e não outro. O mais
fiel amigo, o lutador inato do qual todos necessitamos
ontem e hoje na Rede.
E novamente se instalou em mim a necessidade de
continuar a contar a mim mesmo minha história que é a
dos outros, a de meu tempo. E tudo iria parar no
campus de Poesite.
Depois surgiram esses grandes e estranhos amigos como
Pepinike Alborés, como Pedrito Martinez, como Patrick
Cyntas, como a Deusa da Rede Estela Guedes, Agostina
Akemi e muitos mais que agora não citarei porque estas
linhas apenas são uma pequena homenagem a meu cordial
amigo José e não uma lista telefônica.
E a partir dele e de suas feitiçarias pude seguir
tendo motivos para volver na esterilidade da gramática
a substância dos sonhos de que somos feitos como
afirma Pindaro.
São poucos, mui poucos os José Dasilva na Rede. Para
lá das diferenças ideológicas ou estéticas – muito
acima delas – a ponte de ouro da poesia: a
Confraternização na qual o amor à beleza que guia os
passos do homem sobre a terra e desafia o horror, à
desmemoria, à intempérie sem fim, à morte como negação
da vida e faz desta sua plena afirmação.
Quando meu livro “Claroscuro” estava ainda sem nome –
era o sem nome – ele começou a dar a luz suas
excrescências e quando lhe perguntei acerca da ordem
em que deviam ir os poemas me respondeu: “a ordem na
qual me enviastes”.
Assim fiz. E não me arrependo. Ele e sua Mari Carmen
estão sempre comigo e sempre estarão. Porque a poesia é apenas isso que Francisco Madariaga me mandava dizer
com aquele título: “a morte a irmandade a poesia”.
E sobre a indivisível generosidade. De todas virtudes é esta a virtude que de tudo aquilo que se escreveu
sobre mim ou sobre minha obra até o momento fico com
uma frase de meu querido Sábato com o qual passara
gratos momentos de minha vida:
“Querido Oscar, sempre recordado por sua generosidade”
Não é a poesia a virtude que doa, a que tudo bendiz? E
esse é o espírito que anima, que sopra e arrasta a
alma de José Luis Dasilva Navia. Até breve querido
amigo.
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