Os labirintos do real

CARLOS MARTINS & NICOLAU SAIÃO
Os labirintos do real – sobre a literatura policial


Introdução

 

Falar ou escrever sobre a Literatura Policial não é ainda tarefa fácil no nosso país – como em certos outros, de resto…Dizemos fácil para não dizermos insuspeita.

Com efeito, são profundas as marcas deixadas por dezenas de anos de obscurantismo e mentira erguidas em torno deste género literário em que a imaginação reina como deusa e ao qual o pensamento oficial e académico sempre anatematizou e tentou reduzir ao silêncio, considerando-o e levando assim parte do público a considerá-lo, a priori, como um género menor da literatura. Não é por isso invulgar ver ainda hoje alguns dos seus apreciadores funcionarem um pouco como “amantes ocultos”, encobrindo os policiais entre dois ou três volumes de clássicos universais da chamada literatura geral – um Balzac, por exemplo, ou um Dickens, que por sinal também escreveram estórias de mistério…

Esta atitude de ocultação, sendo obviamente provocada pela menoridade cultural da chamada inteligentsia, tem também a ver com a insuficiente ou atabalhoada difusão da LP mas, sobretudo, com a falta de textos de apoio estruturados que incentivem a sua descoberta despreconceituosa e informada, a sua leitura desinibida e, porque não, o seu estudo crítico.

Diversos escritores e poetas lusitanos – e, é verdade, também alguns críticos desempoeirados – incluindo Fernando Pessoa, se têm interessado pela literatura policial. Mas, até agora, desconhece-se a existência de qualquer obra especificamente dedicada ao seu estudo mais aprofundado. Os leitores portugueses – e noutros países afins o panorama é semelhante – continuam, aliás, impedidos de dispor das traduções de alguns estudos importantes realizados em França, Estados Unidos e Inglaterra. É o caso dos célebres ensaios de Dorothy L. Sayers, Howard Haycraft, Thomas Narcejac, Roman Gubern e outros que será redundante assinalar. O género policiário, mau grado o esforço editorial e não só de homens como Victor Palla e Roussado Pinto, que foram grandes divulgadores, para citar apenas os mais conhecidos, enfrenta pois aqui uma “estranha maldição” como o personagem de um dos mais famosos romances de Dashiel Hammett. Mais adiante procuraremos caracterizar o porquê deste facto. E, se nos é permitida a ironia, talvez tenha uma faceta positiva este desinteresse dos académicos pela LP, que doutra forma talvez não tivesse um rosto tão popular e inocente, dado que frequentemente os académicos estragam aquilo em que tocam por dever de estatuto, arredando a paixão de leitores intemeratos…

Sendo muito grande – e maior a cada dia que passa – a influência da LP em diversos níveis, do literário e artístico ao científico, é natural que certos editores a tenham colocado sob vigilância… Poética da tragédia e da violência, a literatura policial entrança em moldes muito próprios o tecido mágico da arte efabulativa, utilizando desinibidamente a imaginação, o humor negro e o suspense. Forjada a partir dum mundo feroz, competitivo, desapiedado e rude, a LP não é efectivamente um género inferior mas a fotografia a vermelho-sangue duma época contraditória, conturbada e, por desgraça, bem real. Abertamente dramática com Michael Innes, John Connoly ou Hubert Monteilhet, desconcertante com Charles Williams ou J.Townsley Rogers, jogo sinistro com D.Sayers ou A.Christie, penetrante com Simenon, Minette Walters ou Chandler, ela equaciona de forma assaz apropriada factos penosos inerentes à condição humana, introduzindo-lhes a poesia que o mistério transporta consigo. Como o grego Édipo, o detective da ficção policiária repõe no ambiente fechado em que se move o sentido perfeito da Vida, destroçando o segredo da Esfinge e desfazendo as teias que o cerceavam. Universo febril de correspondências e símbolos, floresta petrificada, o terror na novela policial é transformado em morada aberta e purificada mediante o conhecimento que extirpa a confusão. É esse aliás, no plano mais elevado, o sentido último da aposta humana: apropriação da Realidade além do erro, do dolo, do crime. Nesta medida, a LP é altamente simbólica, reflexo mas também utopia – porque, evidentemente, em geral na sociedade não há detectives como na ficção. Gideon Fell e Poirot, sendo credíveis e consistentes, diríamos possíveis, movem-se num universo que é decididamente talhado no material da Poesia.

Sendo a literatura policial o género literário que melhor representa e marca os anos que vão de 1880 a 1960, porque foi ela tão pouco cultivada em Portugal, apesar de haver uma tão grande quantidade de leitores das novelas oriundas dos países de referência? Basta assinalar que todos os géneros literários foram aqui pouco cultivados, desde sempre (por exemplo, praticamente não o foram os livros de viagens e os memorialísticos). No caso específico da LP isso aconteceu porque: 1º A LP é filha das sociedades capitalistas liberais. 2º Os regimes autoritários e fechados não consentem que se escreva sobre a polícia, os crimes e os tribunais excepto de forma apologética. 3º O detective do “polar” funciona como deus-ex-machina: logo, não seria credível um detective luso ou não seria levado a sério, porque em tal país os polícias, geralmente, não passam de serventuários da repressão política e social, não tendo portanto representatividade poética ou imaginal. 4ºEm semelhantes regimes a imagem que se pode dar da polícia é tão-só quimérica (“com a polícia não se brinca”). Além disso, a propriedade privada, que no capitalismo liberal é um dado adquirido – e dependendo das flutuações que o mercado engendra – num regime fechado torna-se extremamente difusa, imprecisa, quando não impositiva. 5º Em regimes autoritários o respeito pela vida humana e os direitos do cidadão é secundário, logo um crime é um acontecimento do foro da política e da segurança do Estado. 6º Em regimes autoritários os heróis são forjados pelos interesses da propaganda, não possuem estatuto de autonomia, logo devem ser afastados do contacto com as massas e relegados para um limbo controlado pelos dirigentes.

Assim sendo, a escassa produção policiária nacional era encenada em ambientes claramente estrangeiros, com heróis de vezo estrangeiro, utilizando mesmo os autores pseudónimos desses locais. Quando ambientada em Portugal, facilmente se lhe detectava a incredibilidade, excepto num pequeno período temporal em que o país esteve republicanizado.

A literatura policial nacional, com excepção dos contos de Victor Palla e Francisco Branco (ressalvando-se os casos de Denis MacShade, James A.Marcus, Henry Jackson, Dick Haskins, Philip Barnner, Herbert Gibbons, Marcel Damar… – lusitaníssimos mas com nome anglo-saxónico ou francês), é frequentemente epigonal e imitativa e pour cause. Contudo, nos últimos anos, acompanhando as transformações dos tempos partidocráticos em que o país tenta vazar-se num capitalismo incipiente, surgiu um punhado de autores que buscam dar à existência relatos significativos, posto que com uma efabulação que em geral não vai além do whodunit ou hardboiled ainda que sejam bons narradores.

Passemos então adiante.


  As fontes e os dados – A lupa

 

Se há um verdadeiro objecto no género policiário, ele deve encontrar-se na faculdade que o mesmo sempre teve de reflectir com raro vigor, beleza e imaginação o universo violento da existência humana e, portanto, das profundas contradições que a enleiam a nível social e psicológico. Espelho do espírito humano, logo dos seus enigmas, ele permanece igualmente como um testemunho dos tempos, serve dizer: como um registo histórico da evolução tanto da sociedade como das próprias relações entre os homens. Se é verdade que relatos de mistério sempre os houve, fosse na Bíblia ou em autores gregos e árabes, na literatura indiana ou egípcia, a Literatura Policial, nas suas subdivisões principais, crime story e detective novel, surge numa altura bem determinada e radica-se de imediato. Não é assim por acaso que a LP dá os primeiros passos no momento em que se esboçam as primeiras contradições da sociedade industrial então crescente, com o seu cortejo de injustiças e violências sobre os cidadãos mais desprotegidos. Quem leu “O mistério de Big Bow” (editado entre nós com o título de “Crime impossível”) de Israel Zangwill – aliás conhecido sociólogo – não leu apenas uma das melhores obras do seu género, mas também um consistente esboço histórico-literário que nos descreve um período de acesa luta de classes no berço da Revolução Industrial, a Inglaterra dos possidentes e dos surgentes marginais. Mais especificamente, um período em que o operariado, então ainda adolescente, começava a reconhecer que era na organização própria e autónoma que residia uma das possibilidades de resistir à exploração económica, social e cultural que os estados e as classes dominantes perpetravam em todas as latitudes. Também não é estranho que a LP tenha dado igualmente expressão a um certo sentimento de angústia e desespero que então percorria as camadas médias e da intelectualidade, sentimento que correspondia a um relativo pavor ante uma sociedade dia-a-dia mais mecanizada, automatizada e menos humana, donde a liberdade verdadeira, ou que como tal se tinha, como a verdadeira vida estava ausente. Neste ponto a LP sofre a influência de filósofos que colheram esse sentimento e o expressaram nas suas obras. Kirkegard foi um deles. Alguns dos percursores do género policiário, como Edgar Pöe, Dickens, Vítor Hugo e Dostoievsky, foram também eles expoentes duma paralela filosofia de vida e os seus textos – ainda que não sob a forma de ensaios mas de contos, novelas e romances – reflectiram igualmente esse estado de espírito turbulento e inquieto. Mas a LP assenta ainda as suas raízes, no estrito plano literário, nos géneros que imediatamente a precederam, ou seja: a novela gótica, as ghost stories, os relatos do fantástico e do maravilhoso que brotaram dos sonhos dos grandes escritores dos séculos dezoito e dezanove e no próprio romance de aventuras, hoje algo injustamente esquecido e que passou, digamos, para o cinema e para as estórias de quadradinhos (também dita como banda-desenhada). Muitos dos mais significativos autores de novelas e contos fantásticos do século dezanove viriam a escrever as primeiras estórias policiais. Foi o caso do já citado Pöe, verdadeiramente o primeiro cultor do género, conhecido sobretudo como poeta e pelas suas estórias de horror e especulação científica, quem escreveu aquela que é unanimemente considerada a primeira obra claramente inserida no género policiário – “Os crimes da rua Morgue”, datada de 1841. Possibilitada pela chegada e assunção da Razão ao universo da literatura imaginativa, desde então a LP sofreu diversas evoluções e transformações tanto ao nível formal e de construção narrativa como no dos seus temas, decorrentes das modificações sociais e conceptuais.

Antes de irmos mais além, por outras paragens, caracterizemos a corrente dedutiva iniciada com aquele livro, cujo autor criou também o primeiro detective de ficção, Auguste Dupin. Esta corrente, geralmente considerada clássica, tipifica-se pelo seguinte: dá-se um crime, que pode ser um roubo (“O diamante da Lua” de Wilkie Collins) ou um assassínio (ou uma série, como em certos relatos de Christie, van Dine ou Anthony Berkeley). O detective, frequentemente exterior às corporações policiais (Conan Doyle, Carter Dickson, Ellery Queen…) mas agindo em paralelo (ou em cordial despique) com estas, através de interrogatórios subtis, observação de factos, deduções, chega pouco a pouco à descoberta do culpado, que por norma é desmascarado num cenário de grande tensão. Segue-se usualmente a explicação/clarificação de todo o caso pelo detective (“um verdadeiro farejador humano”, sic Sherlock Holmes), o que por assim dizer representa uma incursão pela economia e a simbologia narrativa – uma vez que os romances dedutivos em geral começam a escrever-se ou a articular-se pela parte final na sua arquitectura imaginativa. Serve dizer: o escritor, partindo de uma ideia luminosa, elabora o seu discurso literário de acordo com dados certeiramente congeminados. A mecânica de uma novela policial dedutiva, que a uma primeira leitura não é evidente, aparece-nos com toda a clareza numa releitura. E é interessantíssimo verificar a, por vezes, quase diabólica habilidade com que o autor joga com as nossas emoções, os nossos medos, os nossos preconceitos mentais, as nossas superstições incógnitas ou que supomos destroçadas pela nossa condição de “modernos” (em John Dickson Carr isso é patente). A LP é um género, com efeito, mas é um género limite. No já citado livro de Israel Zangwill, por exemplo, a estória empolga-nos e intriga-nos até ao fim retumbante por uma razão que se radica no crédito que atribuimos ao Além (ainda que o não confessemos…) e que fica demonstrado pelo próprio acto de efectuar a leitura. Apesar de o negar, praticamente toda a gente acredita em fantasmas (ou não tem certezas de imenso porte): uma pessoa absolutamente racionalista teria deslindado, nas primeiras páginas, a forma como o crime foi cometido (quem já leu sabe do que falo…)!

A esta corrente – onde as estórias de Sherlock Holmes brilham, digamos, heterodoxamente, pois na verdade as suas aventuras participam (ainda que isto não tenha sido suficientemente assinalado) do sub-género “detective-opera”, visto que o senhor de Baker Street e o seu valete Watson se deslocam, lutam, excursionam por diversos cenários deslocalizados, ao contrário por exemplo de Poirot, que só uma vez (em “As quatro potências do mal”) age fora de um huis-clos – sucederam-se outras expressões ou correntes com um acento diverso. Assim, da própria corrente dedutiva mas constituindo uma das suas variantes mais ricas, surgiu uma outra cuja principal diferença (se nos reportarmos ao clássico romance de enigma) residia no desenvolvimento do processo narrativo e no tratamento das personagens, em particular do investigador, muito menos “aristocrático” – na verdade, nada aristocrático – do que naquela; e do criminoso, também muito mais “humano” e real. Esta espécie foi denominada mais tarde psicológica ou humanista e os seus autores, identificados quase sempre com as suas personagens, já não se preocupavam simplesmente em entregar o criminoso à justiça, nem sempre justa como sabemos, mas sobretudo em buscar o verdadeiro sentido e objectivo dos seus actos, ou em determinar o porquê das suas motivações sociais e psicológicas. O mais destacado representante desta corrente é o belga Georges Simenon, com o célebre comissário Jules Maigret. A LP abandonava os salões ou mesmo os gabinetes fechados de uma certa intelectualidade elitista (como o culto e educadíssimo Philo Vance de S.S. van Dine ou o singularmente fino Lord Peter Wimsey de Dorothy Sayers) e vinha para a rua evoluindo numa temática mais comprometida com a realidade social, por vezes sórdida, dos ambientes populares. Em França, onde a pequena e média burguesia tinha evidente protagonismo, aparecem novelas e romances com um perfume típico, da autoria de Jacques Decrest, Saint-Giles e Fred Kassak, que já participam também do crime-story. É também o período do aparecimento, embora marcado por características vincadamente anglo-saxónicas, do chamado “romance negro” ou hardboiled, cujos autores mais notáveis – numa primeira e numa segunda fase – seriam escritores do gabarito de um Hammett, um Chandler, Charles Williams, James Cain, Wade Miller, Ross Mac Donald, Chester Himes, Elmore Leonard… O “romance negro”, que criaria alguns dos mais belos e vigorosos livros policiais, veio contudo tornar a LP mais permeável ao aparecimento de uma certa literatura sensacionalista, relativamente espúria, feita principalmente para satisfazer de forma rentável um público em grande parte preparado desde a infância para aceitar a violência gratuita e, por isso, predisposto psicologicamente para a adquirir a qualquer preço, mesmo o da sua alienação. Tal não acontecera com o romance de enigma, para cuja elaboração era exigido muito “ofício” e uma grande dose de conhecimentos variados. Neste aspecto, as famosas “Vinte regras para escrever um romance policial” tiveram evidente pertinência.

A LP sofria o seu primeiro rude golpe, que a alguns menos informados pareceu mortal. De facto, o que estava a morrer era uma determinada sociedade: morrendo de brutalidade política, mercantilismo, repressão, algum isolacionismo. Tal reflectia-se na LP e, assim, pensou-se que esta fôra ultrapassada pelos sub-produtos que a sua evolução permitira. Surgiu a fase dos super-heróis e dos super-polícias. A imagem desgastada e frequentemente irregular das instituições policiais, posta a nu nas novelas de Hammett, Chandler, Bart Spicer ou Bill Ballinger, aparecia agora retocada para descanso dos estrategas da informação ocidental. Os diversos Shell Scotts surgidos, mistos de violência e de sexualidade mal assimilada, aquiescentes autómatos ao serviço dos líderes dos monopólios e, portanto, da sua maneira de ser “ideológica”, apropriavam-se pouco a pouco do lugar antes ocupado pelos émulos de Sam Spade, detective duro mas impermeável à corrupção de teor político e, ainda que leve e subtilmente, denunciador dos ardilosos abusos do Poder.

Estava-se então no período mais aceso da “guerra-fria” e do sistema de blocos e esta modificação era, entre outras, consequência dos choques que a política dali decorrente estava, por seu turno, a sofrer e a causar. Perspicaz à sua maneira, a estratégia oficial arregimentava os literatos mais passíveis de enquadramento. Tal como a banda-desenhada, como o cinema, a LP também era solicitada a participar na contenda.


  As fontes e os dados – O cachimbo     

 

Durante certo tempo, junto de determinados sectores de público menos esclarecido, a LP era encarada com alguns preconceitos, porque se supunha que ela fosse uma espécie de discurso policiesco elaborado – uma espécie de apologia das maravilhas policiais – arrastando dessa forma com ela o odioso que as corporações fardadas têm granjeado nos países onde o seu diminuto respeito pela dignidade humana não está à altura, obviamente, das suas pretensões.

Entretanto, hoje em dia o caso está aclarado: a LP tem sim a ver com as realidades de um mundo onde se vive – e cada vez melhor isso se nota – rodeado de criminosos forjados pelos desvigamentos sociais e, notadamente, urbanos; e, consequentemente, de corporações policiais, que certos protagonistas sociais dominantes pretendem que funcionem como diques ao serviço não da sociedade mas de sectores privilegiados, um mundo em suma onde o respeito pela lei é a cada passo quebrado por particulares e onde a própria lei é frequentemente emanação dos quereres da classe possidente e burocrática e dos seus ramos intermédios.

Vejamos agora a outra principal divisão da literatura policial que, a exemplo da detective novel é geralmente conhecida pela sua denominação anglo-saxónica de crime story. Nesta, mais dramática e nobre se assim nos podemos exprimir, que a parenta atrás analisada, é que diversos grandes escritores têm oficiado os deuses negros da angústia e da tragédia. Caso de Dostoievsky com o seu “Crime e castigo”, de Lionel White com “Obsessão”, de Fred Kassak com “Um domingo esquecido”, de Francis Beeding com “Lotaria trágica”, de Rufus King com “A mulher que matou”, de Ed Lacy com “Um milhão de dólares”, de Mário Lacruz com “O inocente”…Na crime story a investigação é relegada para um plano relativamente secundário, estando presente apenas como aguilhão da intriga ou espada de Damocles suspensa sobre as diferentes peripécias. Como o seu nome faz adivinhar trata-se de um tipo de relato em que o acento tónico recai sobre o crime em si, quer nos seus preparativos quer no seu desenvolvimento ou, ainda, na sua execução com todas as consequências possíveis. Neste tipo de novela atinge-se um clima abertamente trágico. A tragédia da condição humana aparece-nos aqui em toda a sua crueza. No entanto, deve notar-se que as vias pelas quais o autor a ela faz chegar o leitor são frequentemente dadas com extrema subtileza, envoltas num tom displicente de dureza e até de calão literário – o que aliás confere ao relato um alto poder de choque, um discreto perfume de nostalgia e lamentação. A crime story, ao contrário da detective novel, pode ter como relator o criminoso, a vítima como tal ou em estado latente e/ou um elemento de início exterior à maquinação mas que, interessado ou não, se vê arrastado para o torvelinho. Estão no primeiro caso as novelas “Espero-te no inferno” de James Brussel e “Pagamento adiado” de C.S.Forrester, no segundo “O hóspede fantasma” de Hillary Waugh e “Diário de uma mulher abatida” de Monteilhet, no último as obras “A mão decepada” de Joel Townsley Rogers e “Atropelamento e fuga” de Richard Deming.

A partir da crime story, mas mantendo um cariz específico, aparecem os relatos de suspense, por um lado; e de espionagem, ou intriga internacional. O primeiro, que do romance de enigma viria a conservar o ambiente de mistério característico da novela dedutiva, eliminou no entanto na quase totalidade o processo clássico de investigação. O detective assume por vezes o papel de vítima, de perseguido (caso de “A mulher que viveu duas vezes”, de Pierre Boileu e Thomas Narcejac), tomando o criminoso o lugar, ameaçador em extremo, de razão perseguidora num mundo donde o equilíbrio e a tranquilidade foram provisoriamente banidos. E quando o detective assume o papel de simples comparsa que no último momento resolve o problema perturbador, há sempre uma personagem que funciona como alvo de algo que a transcende: e aqui é que o suspense, embora ao de leve, toca o fantástico. Tanto num como noutro género há os chamados “heróis-vítimas”; o que os afasta, contudo, é que no suspense a ameaça é sempre do foro do real (ainda que em certos trechos se simule por vezes uma interrogação filha da perplexidade), enquanto no fantástico se está com estupefacção a contas com factos que não podem deixar de ser atribuídos ao sobrenatural. No relato de suspense o herói é por vezes sacrificado frente aos olhos do leitor, para que este sinta nos ossos o arrepio acre do sangue. Neste género tocam-se também as fronteiras do humor negro, o que é bem exemplificado pelos filmes de Alfred Hitchcock, feitos a partir de novelas conhecidas. A inflexão característica do suspense é a tensão contínua e enervante. Como pormenor curioso, veja-se o sucedido com a película de William Castle “Sinfonia macabra”, extraída do belo livro de Theo Durrant “A floresta de mármore”: a companhia produtora do filme estabeleceu um seguro de vida de três mil dólares a conceder aos herdeiros do espectador que porventura viesse a falecer de colapso cardíaco durante a projecção…Golpe publicitário, evidentemente. Mas, publicidade à parte, a verdade é que a novela de Durrant, superiormente concebida, (e presumivelmente a película de Castle) faz com que a angústia nos agarre nas primeiras vinte páginas e não mais nos abandone.

Repare-se que as novelas de suspense têm de ter uma qualidade literária e de intriga convincentes. De contrário, possuidor da chave que caracteriza o género, o leitor diria de si para si: “Ora! No fim tudo se compõe… Para que estou eu a perder tempo com isto?”. Tem de haver, e há, sempre um clou adicional, que lança o relato na órbita metafísica e existencial mesmas, porque doutra forma seria apenas (como nos maus filmes) uma questão de ir passando folhas até ao golpe de rins final que safasse eventualmente o herói-vítima.

Em suma: no suspense, como é bem exemplificado nas obras do escritor que sob os nomes de William Irish e Cornell Woolrich nos deixou textos surpreendentes, a ameaça latente e oculta está sempre prestes a destruir o precário equilíbrio do mundo entre o místico e o sardónico que se convencionou existir no relato.

O romance de espionagem – geralmente virado para a acção em que se degladiam membros dos serviços de informação de potências rivais – donde o mistério não está ausente embora tenha, digamos, um tom mais operacional, viria a produzir diversas obras igualmente de grande recorte: caso dos clássicos “A máscara de Dimitrios” de Eric Ambler, “O enigma da areia” de Erskine Childers, “Os trinta e nove degraus” de John Buchan. Modernamente, os excelentes tours de force de John Le Carré (“O espião saído do frio, “Chamada para o morto”), “Memorando de Berlim” de Adam Hall, “A ficha Odessa” de Frederick Forsyth, “A areia beber-lhe-á o sangue” de Yves Fougères, “O caso Ipcress” de Len Deighton, “Testamento de um espião” de Henry Maxfield, “A caçada sem fim” de Bryan Forbes, entre outros.

Vejamos agora outra subdivisão – que participa do policial, se mete pelo romance de aventuras, não anda longe do género intriga internacional e chega a ser um parente do suspense: o que por sua vez se subdivide nas espécies “ladrão de casaca” e “génio do crime”. Da primeira são exemplos os famosos textos sobre as peripécias de Arsène Lupin, de Maurice Leblanc, o “Raffles” de E.W.Hornung e o “Santo” de Leslie Charteris; da segunda os não menos famosos “Fântomas” de Pierre Souvestre & Marcel Alain (que fez as delícias dos surrealistas franceses) e o “Dr. Fu-Manchu” de Sax Rohmer. Esta última espécie tem eventualmente ligações com um ramo da ficção-científica que põe em equação poções milagrosas e engenhocas bélicas.

Quanto ao “ladrão de casaca”, é por norma uma personagem plena de recursos imaginativos e físicos, desembaraço pessoal e espírito de iniciativa que em geral utiliza contra os membros da classe francamente abastada. Esta espécie é uma das mais deliberadamente subversivas da LP (tanto Leblanc como Souvestre/Alain vogaram nas correntes libertárias). É o que nos apresenta com maior soma de pormenores a avidez, a falta de humanidade e a decadência das classes altas, com o seu acervo de preconceitos, vilezas e tiques. À maneira do Hermes grego, deus dos rapinantes, ou do Robin dos Bosques saxónico, o ladrão de casaca alivia esses afortunados das suas bolsas confortavelmente recheadas, já que não é possível nem tal se pretende serem aliviados da sua consciência demasiado pesada… A talhe de foice, refira-se que Lupin constava do Índex vaticanista e foi durante certo tempo interdito pelo regime salazarista, não falando da Alemanha nazi, da Itália mussoliniana e da Rússia fascista vermelha. A literatura policial é, com efeito, filha das sociedades onde o capitalismo liberal teve de consentir as liberdades básicas (para disfrutar de um mais aberto quotidiano mercantil), onde estas são relativamente respeitadas e garantidas – é por assim dizer um dado literário a partir das sociais democracias, com o seu cortejo de leis dissuassoras e protectoras da propriedade privada. O que fica entre umas e outras é que constitui pois o campo onde a LP se exerce. Não é por isso de estranhar que aqui se cite uma espécie que goza de muita popularidade: a novela que em parte decorre nos tribunais e tem a ver com o Direito, de que são exemplos consistentes e mais conhecidos o “Perry Mason” de Erle Stanley Gardner (ele mesmo causídico de renome) e o “Senhor Tutt” do canónico Arthur Train. Nesse tipo de relato o advogado-detective demonstra que as formalidades da lei podem falhar, mas ao deslindar a meada que enleava o seu constituinte, desmascarando ao mesmo tempo o vero culpado, demonstra também que afinal em regime aberto as leis contam positivamente, porque nunca num regime autoritário o advogado poderia subtrair um sujeito dado antecipadamente como prevaricador ao cutelo do juiz: em ditadura (ou partidocracia cripto-autoritária, como a lusitana), o destino individual não conta ou está sujeito aos interesses do Estado ou da clique dominante (isso verifica-se entre nós), tanto faz ter-se um como outro preso no calabouço, ou não ter mesmo nenhum se o díscolo fôr da classe dominante. O que nesses regimes conta é que o aparato social (de que os magistrados são, como eles mesmos sabem e sentem, um dos elementos orientados) não seja posto em causa – e, além disso, em regimes autoritários os procuradores públicos nunca se enganam…

Não devemos esquecer-nos, quando encaramos a literatura policial, da reflexão epigrafada por Louis Vax a propósito das coordenadas que configuram o fantástico, comuns à estrutura da LP: para que haja escândalo racional é necessário que a regra seja sensível. Deste modo, só numa sociedade onde a vida humana – ou o seu apagamento – conte é que é possível achar-se horrendo que um sujeito ou sujeita tenha a goela impunemente cortada…

A existência de uma LP consistente é, assim, um índice seguro de democracia – ainda que imperfeita ou maculada por inanidades.


A idade dos Velhos Mestres

 

Que escritores viria a LP a revelar, em cada uma das suas divisões ou espécies? Quais os seus melhores representantes? Os que mais longe levaram, com originalidade e vigor raros, os diferentes matizes dessas criações? Temos vindo a citar alguns, mas insistamos neste voo gastronómico.

O relato de enigma puro acharia a sua mais rica expressão em autores como Conan Doyle, Émile Gaboriau, R. Austin Freeman, E.C. Bentley, os contistas Jacques Futrelle (morto prematuramente no naufrágio do Titanic), Ernst Bramah (criador do detective cego Max Carrados), Melville Davisson Post com o seu Tio Abner; os já citados Dorothy Sayers, inventora de Lord Peter Wimsey; S.S. van Dine com o seu Philo Vance, coleccionador de arte; John Dickson Carr/Carter Dickson que deu vida a, entre outros, Dr. Gideon Fell (traçado a partir da figura de G.K.Chesterton), Sir Henry Merrivale e Inspector Bencolin; Agatha Christie, mãe de Hercule Poirot, miss Jane Marple, Harley Quin e mr. Satterthwaite e a fogosa dupla Tommy & Tuppence; Ellery Queen, ianque magro e psicólogo criminalista (afinal a condensação dos primos Frederic Danay e Manfred Lee); Anthony Berkeley, que desdobrou a sua excepcional inventiva nas abracadabrantes novelas estreladas por Roger Sheringham; Michael Innes, com a sua especificidade britânica; Freeman Wills Croft, Stanislas-André Steeman, John Rode, Francis Beeding…

Repare-se que os nomes epigrafados são apenas alguns de entre dezenas possíveis. E de primeiríssima água…Desde logo, seria talvez fastidioso referir aqui mais autores, tanto mais que não se trata de ostentar erudição mas de ser – assumidamente – reconhecido a nomes que tanto nos deram e a quem nunca deixaremos de prestar a melhor homenagem, que é a de os reler e os divulgar. E não fazemos nada de mais, uma vez que muitas destas narrativas podem figurar e nalguns casos figuram honradamente ao lado de textos destacados da chamada “literatura geral”. É o caso de “Convite para a morte” de Christie que já tem sido analisado, dum ponto de vista estrutural e da construção literária, ao lado de escritos de Tolstoi, Balzac, Gogol ou Baudelaire – no sentido de se perceber como é que um texto progride no seu espaço próprio. O interesse peculiar desta novela reside na notável construção narrativa, na riqueza caracteriológica e no permanente clima de mistério e tensão (uma pesada ambiência lírico-dramática) em que a estória decorre. Tal facto ilustra por si só o relevo que a LP acabou por granjear junto de públicos cultos e desataviados (mesmo que populares), de críticos lúcidos e não-anquilosados e de ensaístas competentes (e sem fantasmas de cátedra – não como sucedeu no tristemente célebre artigo de Edmund Wilson, que arteiramente pretendeu julgar a LP mediante a frugal análise dum fraco livro de Rex Stout, além de lançar amenidades inteiramente despropositadas, injustas e pequeno-burguesas, sobre o grande e maravilhoso livro de Hammett “O falcão maltês”. Hoje Wilson é encarado na sua real dimensão: um pseudo-aristocrata das letras cujo horizonte não conseguia ir além do razoavelmente rotundo ventrezinho académico que lhe servia de máquina de raciocinar. Enquanto Hammett continuará brilhando através do encantamento de gerações).

A corrente humanista viria a revelar-se em autores como H.C.Bayley, Edmund Crispin ou o poeta e pensador G.K.Chesterton, porventura o mais conhecido representante desta espécie, fascinante em contos como “O martelo divino”, “A maldição do livro” e “O homem invisível” (que nada tem a ver com o romance de H.G.Welles), entre outros. Esta corrente, como já referimos atrás, acompanhou e inspirou mesmo certas preocupações no campo da criminologia, particularmente quanto ao estudo e compreensão das motivações sociais do que usa denominar-se crime. É necessário não esquecer que muitas dessas preocupações não existiam naquele tempo ou eram consideradas muito avançadas ou revolucionárias para a época, sendo o crime encarado independentemente do meio social, isto é, como uma fatalidade terrena a partir duma concepção maniquísta do Bem e do Mal de raiz caracteristicamente judaico-cristã. A corrente humanista, praticamente desaparecida após esse período, teve um papel decisivo na evolução do romance policial para uma temática mais entrosada na realidade quotidiana, que tentava influenciar para melhor. Ponto intermédio entre o clássico romance de enigma, whodunit, e o hardboiled, ela exerceu certamente influência neste último, mesmo que de forma indirecta, porque é com o Padre Brown de Chesterton e o Trent de Bentley que a LP afixa a rotura com os gabinetes fechados, os solares e as mansões no nevoeiro e os processos tradicionais de investigação. As pegadas e os fios de cabelo cessam de constituir elementos essenciais na descoberta do criminoso e consequentemente na economia da estrutura narrativa, uma vez que não podemos esquecer que se voga em plena ficção. No conto de Chesterton primeiramente citado o criminoso nem é expressamente referido como tendo sido entregue aos próceres da justiça, aquela que muitas vezes em determinados lugares encobre de maneira sinistra os poderosos e se vinga nos fracos. Descoberto pela perspicácia do Padre Brown (alter ego do humanismo chestertoniano), o “homem invisível” em causa passeia longamente pelas colinas cobertas de neve com o sacerdote-detective, “á luz das estrelas”, buscando a comunicação humana com o seu captor – que é um seu semelhante. Mesmo sendo num mundo de ficção (e não podemos esquecer que Chesterton era um católico sui-generis, por sensibilidade de coração embora tentasse convencer-se que o era por razões racionais e um poeta benignamente anarquista) convenhamos que isto tem o seu peso. Os representantes da corrente humanista, antes de quaisquer outros, puseram em causa as teias duma sociedade desinteressada dos outros, sem que todavia nos seus relatos se perdesse o alto perfume de imaginação, mistério e poesia efectiva.

Herdeiro destes autores, mas num registo já decididamente contemporâneo e permeabilizado pelo quotidiano em que já apareciam quadrilheiros e assassinos psicopatas imersos num cenário parisiense com as típicas incidências dum ambiente latino, é o belga tornado francês Georges Simenon com o seu pacífico e perspicaz, batido no conhecimento dos vícios e paixões humanas, comissário Maigret. Prolífico, libertário, algo desordenado por vezes nos seus livros dos últimos anos, Simenon foi justamente considerado um dos melhores narradores de língua francesa, literatura geral incluída (lembram-se de “Os sinos de Bicêtre” e de “O homem que via passar os combóios”?). Nos seus polars “Pietr, o letão”, “A paciência de Maigret” ou “Maigret em Paris”, entre tantos outros da primeira fase, sentimos uma emoção nova enquanto leitores. Toda a sua obra está repleta de referências estilísticas que, de maneira muito própria, o aproximam do hardboiled e do melhor realismo americano de autores como Irwin Shaw e o Faulkner de “Gambito de cavalo”. Claude Roy, num saboroso texto que lhe dedicou, inserido no bloco de ensaios intitulado “O homem em questão”, chama-lhe “tranquilizante e humano como um médico de família, que assim que chega, com a sua presença cálida, começa só por isso logo a curar”.

Há um outro veio de escritores que com dificuldade se incluem nas espécies citadas, estando distantes do hardboiled. Está neste número Patrícia Highsmith, com várias obras-primas de que citamos “Um homem de talento” (pondo em cena um assassino e ladrão, mr. Ripley, que inquietantemente nos capta para os seus talentosos motivos) e “O desconhecido do norte-expresso” rasando a vertigem, autora que o cinema já visitou várias vezes com suculentos resultados – veja-se como Hitchcock e Wim Wenders a souberam compreender. Outros autores, anglo-saxões e latinos – como Gavin Lyall, Sebastian Japrisot, Piero Chiara, Frédéric Dard, Pierre Signac, Charles Exbrayat, tal como Highsmith representantes dum tipo moderno de crime story, fazem jus ao crédito com que os apreciadores continuam a distingui-los.

No que concerne ao romance negro (hardboiled), os já citados Hammett e Chandler foram como que a testa de ponte de um pelotão que contava com soldados exímios como Bart Spicer, Henry Slesar, Wade Miller (autor, sob pseudónimo, de “A sede do mal” de onde Orson Welles extraiu o script da sua memorável película).

Verdadeiros expoentes do género, a influência destes autores na literatura americana moderna – tal como a de Damon Runyon – foi imensa e ainda hoje se sente. Patenteia-se claramente, mesmo num registo revivalista, extravasando do seu âmbito para se projectar nos domínios da banda-desenhada, da pintura, do cinema e do design. Lembremos, a talhe de foice, as películas que deram fama a Humphrey Bogart e os seus avatares, a iconologia pop de grande parte de desenhadores estadunidenses e as estórias em quadradinhos do “Agente X-9” de Lee Falk, além de troncos modernos que vão até ao enfoque sociológico.

A descrição desapaixonada e dura que nos deixaram da realidade societária do seu tempo, coincidente com o crescimento económico que se sucedeu com grande energia e talvez excessiva fogosidade aos momentos penosos da Grande Depressão, mereceu a atenção, as inimizades e até os incómodos perpetrados pelos mordomos da classe dominante. Hammett chegou a ser interrogado pelos asseclas de McCarthy, onde se encontrou durante algum tempo o nosso conhecido Richard Nixon.

Além destes, outros autores vieram assegurar uma descendência de qualidade, como Charles Williams, autor de relatos duros e bem estruturados pondo em cena um meio social típico da média burguesia das little towns visto pelos olhos desencantados de heróis solitários; Ross Mac Donald (criador do másculo e amargo Lew Archer); Chester Himes, descrevendo a existência dos negros dos bairros pobres; Brett Hallyday, William Mac Givern, Ed McBain, Richard Stark. Na sequência, outros autores se destacaram, como o italiano Giorgio Scerbanenco, os franceses Albert Simonin, Auguste le Breton, Didier Daeninckx… Não deve esquecer-se também a acção de um autor como Horace McCoy, que ajudou a tornar familiares ambientes característicos onde os duros arriscavam a pele e a sorte; e, ainda, James Hadley Chase com uma dupla de obras-primas (“Não ofereçam flores a miss Blandish” e “A carne da orquídea”). Consideremos, ainda, um autor que mais tarde se afastaria do policial para trabalhar como argumentista na televisão, Bill Ballinger, autor dum dos melhores romances policiais de sempre, o apaixonante “Versão original”, além de dois outros interessantes crime-stories, “Caminhos cruzados” e “O dente e a garra”.

Hemingway afirmou um dia modestamente: “Daria tudo para escrever uma estória como as que escreve Dashiell Hammett…”. Tinha razão o autor de “Contos de Nick Adams”…pelo menos em parte. Recorde-se, o que dá o nível da qualidade deste homem, que ele escreveu um conto, “Os assassinos”, que ainda continua a ser um dos melhores do género e inspirou um famoso filme protagonizado pelo mítico Burt Lancaster.

Alguns dos representantes do hardboiled enfileiram naturalmente ao lado de Faulkner, “o introdutor – como alguém lhe chamou – da tragédia grega no romance policial”, de Erskine Caldwell, de Dos Passos, de Steinbeck, de Norman Mailer, na galeria dos grandes realistas americanos. As suas novelas, contidas e densas, continuam a ser justamente reeditadas e seguem sendo relidas pelos entusiastas, para além de lidas por novas gerações de apreciadores.

Raymond Chandler, talvez não por acaso – certamente não por acaso – foi quem um dia disse: “Tudo começou talvez pela poesia. E por aí tudo continuará”. Afirmação justa e lúcida. E significativa, não acham?


  Um tiro adiante

 

A contestação da literatura policial por parte de adversários que, mercê das suas limitações de imaginação e sensibilidade, não lhe souberam perceber as virtualidades e a beleza, teve entretanto algo a ver com o aparecimento de sucedâneos espúrios das novelas hardboiled, como atrás se aflorou. Mas já este também fora contestado: alguns críticos e até alguns adeptos da LP esgrimiram vivamente contra ele, porque a seus olhos a pureza do romance de enigma estava a ser posta em causa por esses relatos de cigarro ao canto da boca, repassados de bofetões quando calhava, com cheiro a uísque e, mais grave, com algumas descrições (e como isso hoje nos parece ingénuo!) de uma que outra beldade em trajes menores tentando caçar o herói.

Através de livros como “A dama do lago” (Chandler), “A chave de vidro” (Hammet), “Luz sombria” (Spicer), a LP tinha corrosivamente ajustado contas, ajudada por películas de realizadores como Hawks, Houston, Heisler ou Dassin, com o ambiente de repressão e hipocrisia então reinante. Foi uma consequência da contra-informação virem sub-literatos estipendiados ou oportunistas tentar reconstruir, por reflexo sublimado, o universo policiesco sonhado pelas camadas médias, pequeno burguesas e ligas moralistas apertadas entre o duplo receio dos monopólios e da proletarização. Um universo de ordem e autoridade no velho estilo, em que o protagonista loiro e musculado aparece a colaborar dissimuladamente com a repressão explícita. Havia diferença evidente entre um Philip Marlowe, que mantinha sempre a lucidez e a verticalidade, perfumadas com uns highballs, e esses ginasticados cavernículas, amantes inesgotáveis que juntavam a sensualidade primária e a brutalidade num coquetel insuportável.

Devido a essas banalidades mistificadoras, contudo, a LP ficou aos olhos de gente decente mas pouco lida associada a algo que lhe é perfeitamente distante.

Saliente-se que toda a literatura, como produto humano que é, tende a ser devorada pelos donos do status quo ou, pelo menos, a ser encoberta por uma cortina de fumo. É natural que o mesmo se tenha passado, pelo menos durante algum tempo, com este género específico. Mas tal não significa que o dito status quo consiga sempre os seus intentos na perfeição. A arte é um facto de homens para homens e a LP, felizmente, está de novo a atravessar um período em que os subprodutos se vêem progressivamente afastados. Já se percebeu que determinadas modas, que a princípio consistem em movimentos lógicos porque articulados pela progressão do jogo imaginativo, mas a breve trecho são controladas por editores inescrupulosos ou ávidos, não poderão jamais manchar a LP, também porque os hábitos de ler assim o vão facultando. Se é verdade que se foram para sempre, como a nossa adolescência, os tempos da maravilhosa ingenuidade, esses lugares da doce aventura dos dias e se afastou o perfume de magia que lhe conferiram autores como Carr, Chesterton, Wallace, Innes, Beeding, Dennis Wheatley, Robert Barr ou Gaston Leroux e dezenas de outros, ainda existe um vasto campo de futura afirmação. Aí estão os Jean-Patrick Manchette, as Donna Léon, os Michael Connely, as Elisabeth George, as P.D.James, as Fred Vargas, os Bill Pronzini, os Tonino Benacquista, os Jacques Sadoul, as Anne Perry, os Hank Searls, os John Connolly e muitos mais, transportando o lume sagrado.

Como disse em tempos Dinis Machado, escritor português de valor (o nobre autor de “O que diz Molero”) e também ele grande entusiasta do género, “Os mistérios da alma humana, a ambição, o egoísmo, tudo isso vai ser atravessado por um novo tipo de tecido textual e vão fazer-se coisas novas, refazendo noutro percurso aquilo que foi o romance negro americano. O romance policial não morre…”. Para nós, tal percurso poderá vir a ser encontrado – está a ser encontrado! – na fusão entre os elementos característicos da ficção dedutiva e o élan conceptual das novas formas de expressão e narração literária que passa por autores tão excitantes, mas tão diferentes, como Le Clézio, Kingsley Amis, Philipe Claudel, Suskind ou Frédéric Richaud. A LP continuará, cremos, a reflectir com vigor e sensibilidade a luta pelo lugar ao sol, o negrume das novas selvas urbanas, as modificações a ocidente e as consequências da implosão a leste, a emergência do islamofascismo e do racismo paralelo e a sedimentação dos blocos regionais, tal como as respostas de cariz individual que atravessarão, mais uma vez, a vida particular e íntima de cidadãos num século permeabilizado pelas presuntivas conquistas das ciências de ponta.

Será, em suma, o que tiver de ser a literatura geral, pois hoje entende-se melhor que o seu futuro está intimamente ligado. No fundo, não há hoje romance que aqui e ali não transpire elementos típicos da LP. O que é sociologicamente compreensível (os novos tempos estão mais tocados pelos ritmos muito impositivos da globalização, que se tem algumas consequências positivas cria também novas dependências não apenas formais), mas não deixa de reflectir um certo fascínio a que esses autores são permeáveis, já que dão por si mergulhados na criação de textos filiados na vizinhança da crime story que deve a maior parte da sua existência às virtudes do sonho, do desejo de independência pessoal e do maravilhoso imaginal: o desejo humano de mais luz.

A LP continuará pois a extrair da realidade circundante quer as suas aparências quer os seus enigmas, já que é uma literatura de imaginação e não um relatório policiesco quer de fideístas quer de comunidades civis.


Cai o pano

 

Sendo a LP uma consequência de dados sócio-históricos bem determinados, como a presença de organismos de controle ou informação, angústia existencial e o aparecimento de franjas marginais, na sociedade moderna e num quadro democrático, de novos ricos e novos pobres, nela estarão sempre menorizados se acaso existem tendo alguma expressão, os autores que apenas foram propagandistas mais ou menos estipendiados e aproveitadores. Embora nunca o estejam os autores consistentes, como um Arthur Morrison, uma Mary Roberts Rinehart, um O.Henry e todos os outros cujo nome espalhámos pelo corpo deste artigo, pois o coração do leitor está destinado às obras de qualidade tenham a idade que tiverem. Haverá sempre algures um adolescente que, escapado às águas muitas vezes pantanosas dos audiovisuais, abrindo um livro de Maurice Leblanc sentirá como uma revelação o arrepio legítimo que as peripécias de Lupin souberam despertar nele. Ou a nostalgia singular que numa tarde mais escura, no espírito de uma jovem senhora ou de um cavalheiro, se soltará de certos trechos de “Um toque de morte” (Williams), ou de “O imenso adeus” (Chandler), quando Marlowe se desloca sob a chuva na noite citadina, perseguido pelo som insistente e melancólico de um saxofone como havia naquela rua quando ainda não lutava sozinho…

E se a LP fascina mais, sobretudo, devido aos velhos mestres, isso é a mostra palpável de que se trata de um género lídimo, que conservou no tempo a poesia difusa que doutra forma, desse tempo, se teria perdido. As relíquias do período dourado, aconchegadas hoje nas prateleiras de um apreciador ou, com mais pó e mais patina, soterradas nas estantes de alfarrabistas (esses maravilhosos labirintos do conhecimento possível que se vasculham nas cidades que consentem o espaço do sonho) não cessam de ser recuperados para a luz pelos seus eternos amantes, os que não perderam a faculdade de se emocionar e entre os quais se encontra uma certa juventude prenhe de sensibilidade e atenta imaginação.

John Steinbeck disse algures: “Gosto de ler livros policiais. Mais que um repto à minha imaginação e inteligência, eles exercem sobre mim esse fascínio que vem do pêndulo que oscila entre a vida e a morte”. Sem dúvida. Além de que, quer queiramos quer não, a vida e a morte continuam a ser um tema a que ninguém pode escapar…


“Dedico a publicação deste pequeno estudo a Fernando Savater, filósofo e leitor intemerato que sabe viajar pelos continentes recônditos da escrita” – ns


Apêndice

 

Incontornáveis (detective novel, crime story, thriller & suspense)

 

Nota prévia

 

  Neste rol, onde apenas é referido um livro de cada autor, a ordem cronológica não é exaustiva mas simplesmente indicativa.

  Foram respeitados os pseudónimos com que certas obras originalmente se editaram. Obras não editadas em língua lusa intitulei-as de acordo com o original.

 

A carta roubada e outros contos de mistério – Edgar Allan Pöe

O caso Lerouge – Emile Gaboriau

O mistério de Edwin Drood – Charles Dickens

O velho no canto – Baronesa de Orczy

A mulher de branco – Wilkie Collins

Noites da nova Arábia – Robert Louis Stevenson

O cão dos Baskervilles – Arthur Conan Doyle

O mistério do quarto amarelo – Gaston Leroux

O inquilino – Belloc Lowndes

O mistério de Big Bow – Israel Zangwill

Raffles – E.W.Hornung

O crime da 5ª avenida – Anna Katharine Green

A pista na neve – Godfrey R. Benson

O mistério do fiacre – Fergus Hume

Os triunfos de Eugène Valmont – Robert Barr

A máquina pensante – Jacques Futrelle

O oitocentos e treze – Maurice Leblanc

A mansão que escuta – Mabel Seeley

O enigma da areia – Erskine Childers

Cinco minutos fatais – R.A.J.Walling

O assassinato de Abel Webb – R.Austin Freeman

O mistério da escada de caracol – Mary Roberts Rinehart

O quarto cinzento – Eden Philpots

O ladrão delicado – O.Henry

A inocência do padre Brown – G.K.Chesterton

O misterioso Dr. Fu-Manchu – Sax Rohmer

Knock-Out – Sapper

A casa da Flecha – A.E.W.Mason

Silêncio por obséquio – Manning Coles

Noites de Limehouse – Thomas Burke

Os crimes de Praed Street – John Rode

O detective cego – Ernst Bramah

O último caso de Trent – E.C.Bentley

O lobo solitário – Louis-Joseph Vance

Os trinta e nove degraus – John Buchan

O castelo vermelho – H.C.Bayley

Crime no templo – J.S.Fletcher

Homem ao mar – Freeman Wills Croft

Sangue sobre a neve – Hilda Lawrence

Um crime a bordo – Dennis Wheatley

A máscara de Dimitrios – Eric Ambler

Os contos do tio Abner – Melville Davisson Post

O assassino e a vítima – Hugh Walpole

Convite para a morte – Agatha Christie

O clube dos cachorros sujos – P.C.Wren

Revisão de processo – Dorothy L.Sayers

A torre e a morte – Michael Innes

O círculo vermelho – Edgar Wallace

Um caso de isenção – Josephine Tey

A lima – Philip McDonald

A mão decepada – Joel Townsley Rogers

Ladrões como nós – Edward Anderson

Tutt e o Senhor Tutt – Arthur Train

O livro do assassinato – Frederic Irving Anderson

A comovente loja de brinquedos – Edmund Crispin

O mistério da casa vermelha – A.A.Milne

Noites de Sing-Sing – Harry Stephen Keeler

Fantomas – Pierre Souvestre e Marcel Allain

Atrás da cortina – Earl Derr Biggers

Os doze jurados decidem – Raymond Postgate

Laura – Vera Caspary

O julgamento Bellamy – Frances Noyes Hart

Rito mortal – Anita Blackmon

Sombras na noite – Adèle Seifert

Verde, sinal de perigo – Christianna Brand

Matulões e bonecas – Damon Runyon

Três igual a um – Stanislas-André Steeman

A morte passeia em Eastrepps – Francis Beeding

O insuspeito – Charlotte Armstrong

Versão Original – Bill S.Ballinger

Um homem de talento – Patricia Highsmith

Morto à chegada – Russel Rouse e Clarence Green

A sua vida por um cadáver – Eleazar Lipsky

Um caso a resolver – Edgar Lustgarten

Num lugar solitário – Dorothy B.Hughes

Os crimes do bispo – S.S. van Dine

Pagamento adiado – C.S.Forrester

O agente britânico – W.Somerset Maugham

O assinante da linha U (trilogia) – Claude Aveline

Homicídio no campo – Margery Allingham

Rapto na morgue – Jonatham Latimer

A areia beber-lhes-á o sangue – Yves Fougères

O mistério dos bombons envenenados – Anthony Berkeley

Suspeita – Francis Iles

O mistério da cruz egípcia – Ellery Queen

A tragédia de Y – Barnaby Ross

O falcão de Malta – Dashiell Hammett

O enigma da virgem de ferro – John Dickson Carr

À beira do abismo – Raymond Chandler

Os crimes da viúva vermelha – Carter Dickson

Um toque de morte – Charles Williams

O alvo móvel – Ross McDonald

Seguro de morte – Hubert Montheillet

Piotr, o letão – Georges Simenon

A carne da orquídea – James Hadley Chase

Obsessão – Lionel White

Espero-te no inferno – James Brussel

A parede vazia – Elisabeth Sanxay Holding

Departamento de casos perdidos – Roy Vickers

Terra de angústia – Pierre Nord

Jogo duplo – Lucien Prioly

Acidente ou crime? – James Hilton

Ritual da morte – Ngaio Marsh

O caso das garras de veludo – Erle Stanley Gardner

Um número à escolha – Anders Bodelsen

Os vigaristas – Jim Thompson

Um milhão de dólares – Ed Lacy

Diz adeus ao dia de amanhã – Horace McCoy

Nas asas do terror – Mignon G. Eberhart

Este homem é perigoso – Peter Cheyney

O mistério do quarto fechado – Frank Gruber

Chantagem mortal – Elmore Leonard

Sem amanhã – William P. McGivern

O carteiro toca sempre duas vezes – James Cain

A floresta de mármore – Theo Durrant

A noiva vestia de negro – Cornel Woolrich

A mulher fantasma – William Irish

Crime no tribunal – Craig Rice

A fera tem de morrer – Nicholas Blake

Seis crimes sem assassino – Pierre Boileau

A mulher que viveu duas vezes – P.Boileau/Thomas Narcejac

Armadilha para gata borralheira – Sebastien Japrisot

A morte paira pelos campos – Maurice-Bernard Endrebe

A condessa caridosa e outros contos – Leslie Charteris

Divórcio sangrento – A.A.Fair

O hóspede fantasma – Hillary Waugh

Sílvia – E.W.Cunnigham

O homem oculto – Donald Westlake

O preço do engano – Elisabeth George

O inocente – Mário Lacruz

O prazer de matar – Frederic Brown

Rififi – Auguste le Breton

Não toquem na massa – Albert Simonin

Um caso de espíritos – Peter Lovesey

Fumo sem fogo – Jacques Decrest

O assassinato de minha tia – Richard Hull

Ódio mortal – Ed McBain

Jennifer 8 – Bruce Robinson

O espião que saiu do frio – John Le Carré

Memorando de Berlim – Adam Hall

Jogo fatal – David Mamet

Quem me matou? – Oliver Séchan e Igor B.Maslovski

Atropelamento e fuga – Richard Deming

Gambito de cavalo – William Faulkner

A sombra do outro – E.Philips Oppenheim

Voltaremos no Natal e outros contos – John Collier

Oito milhões de maneiras de morrer – Lawrence Block

Um domingo esquecido – Fred Kassak

Luz negra – Bart Spicer

Week-end trágico – Yves Dartois

És tu o veneno – Frederic Dard

Bom dia pesadelo – Pierre Signac

O mar, o amor e a morte – Saint Gilles

O estranho poder do Prof. Lorrain – Simone d’Érigny

O crime de Ludovic – Charles Exbrayat

A morte acompanha-nos na viagem – Thomas Narcejac

Inquérito policial na 4ª dimensão – Ralph Corbedane

A viúva negra – Patrick Quentin

Bullit – Robert L.Pike

O caso Ipcress – Len Deighton

A gata persa – Alessandro Varaldo

O quarto do bispo – Piero Chiara

Os incendiários da floresta – Hank Searls

As doze figuras do mundo – Bustos Domecq

Psico – Robert Bloch

Memórias do crime – Ray Bradbury

O homem da meia-noite – David Anthony

Inquérito privado – William Worley

O perfume do dinheiro – Chester Himes

Tratamento de choque – Winfred van Atta

Crimes sombrios – Roderick Thorp

Tatuagem – Manuel Vasquez Montalban

A derrapagem – Gilles Perrault

Meia noite e Um – Gavin Lyall

Crimes para arquivar – Didier Daeninckx

A selva do asfalto – W.R.Burnett

Entre o crime e a lei – Walter Hill

A golpada – Robert Weverka

Ao cair da noite – David Goodis

Zly, o mau – Leopold Tyrmand

O mistério de Gorky Park – Martin Cruz Smith

O anjo da vingança – Giorgio Scerbanenco

A casa do gelo – Minette Walters

Os rios de púrpura – Jean-Christophe Grangé

Pátria – Robert Harris

Mistérios – Isaac Asimov

O homem demolido – Alfred Bester

A caçada sem fim – Bryan Forbes

Perto do anoitecer – Eric Red

O dossier pelicano – John Grisham

O mestre de esgrima – Arturo Pérez-Reverte

Cidade de ossos – Michael Connely

Um tiro – Lee Child

Messias – Boris Starling                                                                        

O cão de barro – Andrea Camilleri

A maldição do corvo negro – Ann Cleeves

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