Odes campestres

JOSÉ PASCOAL


José Pascoal (Portugal, Torres Vedras, 1953). Poeta, publicou:  Sob Este Título, Editorial Minerva, Março de 2017. Antídotos, Editorial Minerva, Março de 2018. Excertos Incertos, Editorial Minerva, Maio de 2018, Ponto Infinito, Editorial Minerva, Setembro de 2018. Dirige o blog Gazeta de Poesia Inédita, em: https://gazetadepoesiainedita.blogs.sapo.pt/


MARGAÇA

 

Em busca do trevo de quatro folhas,

Só vejo margaça,

Beleza selvagem dos campos baldios,

O grato silêncio depois da canção

Do vento rasteiro,

O mesmo caminho,

O mesmo propósito,

Vontade de ser ainda mais breve,

Os olhos fechados pelas tuas mãos,

A calma suave da serenidade,

E tudo parece desaparecer,

Angústia grave,

Densa ansiedade,

A melancolia da rua sem árvores.

Aqui me convenço,

Aqui te pertenço.


COLINA

 

Erva mansa da colina,

Onde pousam helicópteros

Com falta de combustível,

Onde pastam os bois

Com paciência infinita,

Onde me deito

Na infância da inocência,

Onde te acaricio

Com a voz grave dos meus dedos,

Onde se ouve a fonte

Esquecida dos milagres,

Onde se estende a toalha

Bordada pela mãe,

Onde se espalha a sombra

Dos livros como um espelho

Em que se vê o rosto do que não foi dito.


CELEIRO

 

No celeiro, a luz é fresca,

O trigo, louro,

O alqueire, bem medido,

A foice, relíquia,

A arca, forrada a notícias

Do século passado,

A balança, equilibrada,

A lenha espera o inferno,

A gata dorme enrolada numa saca

Com o ferro ML,

Um homem separa o feijão encarnado,

Uma mulher entra com um sorriso,

O sorriso espalha-se no ar

Como o azeite na água,

Não é sinal de mau-olhado,

É a doçura da vindima que chega.


PÃO

 

A minha avó materna cozia pão de trigo,

A minha avó paterna cozia pão de centeio,

Também gosto de pão de milho,

Pão de mistura,

Pão de Deus,

Pão por Deus,

Pão nosso de cada dia,

Pão com uma cruz na crosta,

Pão sem limites de sal

E fumo,

Pão de multiplicar

À beira-mar

Para matar a fome

Dos cães vadios

Que aparecem à porta dos casais

Onde as avós tiram o quebranto aos animais.

 

José Pascoal