O uso do cio

 

 

 

 

 

LUÍS DE BARREIROS TAVARES (Org.)


O Uso do Cio – Dez poemas inéditos de Manoel T. R.-Leal

Do caderno O Uso do Cio

“Le poème est l’amour réalisé du désir demeuré désir.”
René Char [Fureur et mystère — inscrição na abertura do caderno O Uso do Cio]

 

I

 

“Ad semper”

À Maria João, em despedida

 

Abençoado o dia

em que te possuí para sempre

Lx. – Fev. 92

II

Noite exemplar e rigorosa

que se recorta na nudez do teu corpo…

Lx. 14/3/92

Manuscrito do poema II

 

III

À Ana Maria

 

Do teu rosto,

que resta senão a fímbria de uma ternura fugidia…

Lx. 9/6/92

 

IV

Sorvi teu corpo com sílabas de sal:

eis o exemplo e a interrogação… as aves,

bebiam o teu silêncio e a tua violência…

Lx. 28/3/92 – 1ª versão.

Manuscrito do poema V

 

V

Beijei teu corpo com sílabas de sal:

eis o exemplo e a interrogação… as aves

bebiam o teu silêncio e a tua violência…

Lx. 15/12/93 – 2ª versão.

 

VI

É a música insone do corpo

que inaugura o dia e o transfigura em fogo

Lx. 14/6/92

 

VII

Oh casa habitada precariamente

como um útero veloz       o pénis

do pensamento passa não repousa

 

carne do instante é só voz, côncava

Lx. 8/5/92

Manoel T. R..-Leal – desenho a esferográfica – 1988 – por Luís de Barreiros Tavares.

 

VII

Não sei saborear a solidão

e o dia é uma visão antiquíssima

Lx. 23/7/92

 

VIII

À Maria João

 

Desenho a tua roupa

e renasço na tua boca

Lx. 11/2/92

 

IX

Algarve – 1965, à Isabel, “A vista de Isabel [título de um caderno]”

 

Sob o rumor antigo do Verão. Sob

o amor antigo. De Isabel. Caminho isento para o Sul.

Para o azul antigo. No Verão navego.

Ó deus eterno. E intacto. Das coisas. O sol, revisitado nas veias, o nego.

Lx. 29/8/92 – poema para incluir, provavelmente, no caderno A visita de Isabel.

 

X

Não sei se é lindo ou linda…

sei que o amor não finda

e a vida esquece…

Lx. – 21/12/92


Vídeo: “Rapariga Seduzida” – poema de Hedylos – Grécia  

https://youtu.be/X5gRre9DjG8

 


Manoel Tavares Rodrigues-Leal – c 1980

Manoel Tavares Rodrigues-Leal (Lisboa, 1941-2016) foi aluno das Faculdades de Direito de Lisboa e de Coimbra, frequentando até aos 5.º e último ano, mas não concluindo. Em jovem conviveu com Herberto Helder no café Monte Carlo frequentando com ele “as festas meio clandestinas, as parties de Lisboa dos anos 60 e princípios de 70”. Nesses anos conviveu também com Gastão Cruz, Maria Velho da Costa, José Sebag, entre outros. O seu último emprego foi na Biblioteca Nacional, onde trabalhou durante longos anos (“a minha chefe deixava-me sair mais cedo para acabar o meu primeiro livro, A Duração da Eternidade”). Publicou, a partir de 2007, cinco livros de poesia de edição de autor. As suas últimas semanas de vida foram muito trágicas, morrendo absolutamente só.