A.M. GALOPIM DE CARVALHO
Prof. Fac. Ciências Univ. Lisboa. Geólogo, escritor.
Desde 1968, ano em que, concluído o doutoramento, passei a estar incumbido da orientação da componente científica dos estágios dos alunos finalistas, candidatos a professores do básico e do secundário, – há 50 anos, portanto! – que mantenho contacto frequente com as nossas escolas e uma parte significativa dos seus professores. Mesmo depois de jubilado, por hábito ou, talvez, por vício, mantive e continuo a manter frequente contacto, alargado de há uns anos para cá, ao ensino pré primário e aos respectivos educadores (na realidade, quase só educadoras), uma classe profissional da maior importância, sobre a qual, assim como dos muitos jardins-escola que conheço, tenho a melhor das impressões.
Devo começar por dizer que as considerações que, com toda a humildade, objectividade e vontade de servir, penso ser meu dever fazer, se reportam ao ensino das ciências naturais, no básico, e da geologia, no secundário, um panorama que me dizem abranger o ensino de outras disciplinas.
A vivência a que me refiro no início do texto permitiu-me constatar realidades que insisto em destacar, reflexões que me parece dever partilhar e propostas que tomo a liberdade de apresentar.
Há professores, eles e elas, excelentes, quer em termos de competência científica e pedagógica, quer na dedicação ao ensino que encaram como uma missão, a par de uma mediania que cumpre razoavelmente a sua obrigação e de um conjunto cuja extensão desconheço de homens e mulheres, sem preparação suficiente, que fazem do ensino um emprego, não uma profissão e, muito menos, uma missão.
Os vergonhosos resultados escolares, em Portugal, dão que pensar.
Percebe-se, aqui, a sistemática recusa de muitos professores (os jornais têm falado em milhares) face às diversas propostas de avaliação feitas pelos governos, ao longo de mais de uma dezena de anos.
Nesta luta dos professores contra o ministério da tutela, os sindicatos, porque estão mais interessados nos problemas laborais, importantes, sem dúvida, e como correias de transmissão que são dos partidos, têm descurado o problema da qualificação científica e pedagógica da classe, nivelando, por igual, os bons, os menos bons e os maus.
Sempre disse e insisto em afirmar que o professor deve saber muito, mas “muito mais” do que o estipulado no programa da disciplina que deve ter por missão ensinar. Não pode, de maneira nenhuma, ser um mero transmissor das noções, tantas vezes, insisto em dizer, estereotipadas e acríticas dos manuais de ensino.
Esse “muito mais” está na abrangência dos seus conhecimentos, não necessariamente especializados ou de ponta (indispensáveis no ensino superior), mas ao nível de uma sólida cultura científica e humanística. E isso vem de trás, da formação cívica que adquiriu em família e na escola, do modo como passou pela universidade e do proveito que tirou desse privilégio, numa sociedade plena de desigualdades como tem sido a nossa. Mas esses conhecimentos, todos sabemos, estão ao seu alcance em muito boas bibliotecas, nalguns casos das próprias escolas e, agora mais do que nunca, na inesgotável, imediata e acessível via “on line”.
Para tal, os professores necessitam de tempo, e tempo é coisa que os professores não têm. Há, pois, que libertá-los de, praticamente, todas as tarefas que não sejam as de ensinar. Necessitam de uma conveniente dignificação e de respeito, duas condições que lhes foram retiradas com o advento da liberdade e da democracia. Necessitam de uma remuneração compatível com a importância que têm na sociedade. Um professor universitário (que é avaliado, pelo menos três vezes ao longo da carreira) não é nem mais nem menos importante do que um do ensino secundário ou do ensino básico. Necessitam de ver resolvido o problema das suas colocações, com vidas insuportáveis material e emocionalmente, a dezenas de quilómetros de casa, separados das famílias.
É urgente olhar para a realidade do nosso ensino e é preciso vontade política para promover uma profunda avaliação e consequente reformulação (despida de constrangimentos partidários) desta máquina ministerial.
É preciso e urgente que o Ministério da Educação se torne numa das principais preocupações dos governos, não só na escolha dos respectivos titulares, como nas dotações orçamentais que permitam dar às escolas as necessárias condições de trabalho e de relativa autonomia e, aos professores, a dignidade compatível com o importantíssimo papel que representam na sociedade, a começar pelos respectivos vencimentos, colocações e estabilidade.
É preciso e urgente que o Ministério da Educação chame a si um conjunto de reconhecidamente bons professores e outros profissionais capazes de proceder à necessária e profunda revisão de tudo o que se relacione com o ensino básico e secundário, a começar na conveniente e eficaz formação e avaliação de professores, reformulação de programas, passando pelos livros e outros manuais adoptados (que envolvem interesses instalados) com discursos estereotipados que se repetem acriticamente em obediência a esses programas, levando ou, melhor, obrigando os professores, não a ensinar e formar cidadãos, mas a “amestrar” alunos a acertar nos questionários de exames, por vezes, autênticas charadas.