O tom do dito

 

 

 

 

 

 

 

 

 

LUÍSA COSTA MACEDO


Luísa Costa Macedo (Lisboa, 1972). Formada em Comunicação Empresarial e Gestão de Marketing, estreia-se em 2018 como autora e editora com o livro infantil Para Onde Vai? Em 2021 o seu conto Mar Largo vence o Prémio Literário Luís Vilaça. Tem textos de ficção e poesia publicados em jornais, revistas e diferentes plataformas digitais. Coordena desde 2022 o clube de leitura Espaço para a leitura, lugar para todas as vozes na Livraria Espaço. Solo à Luz é o seu primeiro livro de poesia.


LÍNGUA ROXA

A palavra rolava

como pedra, seixo,

eixo entre o ar e a água

 

entre milénios a púrpura das asas

afagava as possibilidades

dizer era a única forma de liberdade

o movimento no tempo

a criação e o desmantelamento

 

mandar o castelo abaixo

ou simplesmente repousar

na língua roxa do dragão

 

O HOMEM SEM COR

O homem sem cor engole o pó químico

não conhece a força natural

alimento

O homem sem conteúdo

invertebrado lesma-se

desconhecendo todos os tempos da pedra onde repousa

 

TEÚDA

Tens-me

na tua mão a tonalidade longilínea

amor

destino

fortuna

interrompida a leitura é impossível definir a extensão da palavra

 

BANANAS AO SOL

Compro palavras ao sol.

A chuva não tem preço e as bananas da Madeira parecem doentes aos olhos dos filhos. Ah, se eles soubessem que é a única maneira de as escrever!

As palavras, maduras, tão amargas, única forma de as comer.

 

PRIMÁRIAS

Eu dizia o verde

o azul

o azerde

o verdul

Tu dizias o laranja

o amarelo

o larelo

o amanja

Nenhum de nós falava

a cor errada da língua

 

AZUL VENENIANO

Abriste a veia azul

Barcos venezianos no caudal dispersavam pelo lençol

Peixes dragões de línguas roxas e riso deboche vinham à tona olhar o céu

O milho envenenado da broa rebentou-lhes a aquática fidalguia

Só as negras tainhas sabiam nadar além das comportas vermelhas

 

CIRANDA

O carrossel das águas

Carpa

Cavalo

Carocha

Cisterna

Cavaleiro

Condutor

 

SABOR

A tua prova

Mel em vinho

Barreiras em vidro

Velocidade inebriante

Ossos moídos na pedra

Teias da aranha mais poética

A recusa a morrer

 

Conta palavras com a forma das cores