O texto das imagens em José Emílio-Nelson

 

 

 

 

 

 

MARIA ESTELA GUEDES
Dir. Triplov


Tomemos a estátua de David, de Miguel Ângelo, frente à porta do Palazzo Vecchio, em Florença, que figura neste artigo em fotografia do bem conhecido poeta José Emílio-Nelson. Não debateremos os seus mais de cinco metros de altura nem a sua juventude esplendorosa, susceptíveis de nos mover à admiração. Vamos ler outro texto. Entretando, uma nota factual, devida a Miguel Ângelo. O que o poeta fotografou é uma cópia. Frente ao Palazzo Vecchio, na Piazza della Signoria, erguia-se antigamente o original. Porém, em 1873 foi transferido para a Galeria da Academia de Belas Artes de Florença, onde pode ser admirada actualmente – cito, da Internet.

Não, José Emílio-Nelson não fotografou a obra por ser belíssima, aliás, se o tivesse feito, não lhe teria cortado a cabeça e parte do tronco. Terá sido pela musculatura das pernas? Ou pela questão genital? O autor de Penis Penis ou de Então assim falo facilmente cairia nessa tentação, mas vejamos: ele há tanta estátua igualmente exposta, nas partes chamadas pudibundas, por esses museus fora… Basta entrar no Louvre… Basta entrar nas igrejas e fotografar as pilinhas dos anjos, enfim, mudemos de assunto. A arte antiga e clássica não moraliza o sexo, pelo contrário, pode até exagerá-lo, ultrapassando os limites do natural para alcançar o grotesco, ou o sagrado.

Precisamente, da última vez que entrei na secção de estatuária clássica do Louvre, fiquei irritadíssima, ao ver que muitos havia a fotografarem avidamente a genitalia masculina. É obscena essa captação de imagens, o exibicionismo da fotografia denuncia a pornografia que ocupa a mente, em vez da singela admiração pela beleza da arte, ou pela arte, sem beleza, pois nada obriga a que uma estátua seja bela, tal como nada obriga a que os poemas de um José Emílio-Nelson, que na sua vizinhança escolhe para esculpir aquilo que os demais rejeitam, nada obriga a que os poemas sejam belos. Além de existir uma estética do feio, os parâmetros por que se rege a turba a propósito da beleza tendem para uma ideologia do bonitinho no melhor dos casos, vamos chamar-lhe kitsch, o que é errado, mas resolve de momento a conversa.