ABEL DE LACERDA BOTELHO
E quanto mais o Augusto crescia e envelhecia, mais a Saudade de encontrar a casa do Sol aumentava.
Até que um dia em terras africanas parou, no hemisfério sul, quase nos antípodas do MARÃO.
Em terras de homens Macuas, Macas e Macondes estava. E todos se entendiam em Língua Lusa, e ela praticavam.
Quando numa tarde quente, um pretinho de tenra idade, e usando um boné bem igualzinho ao que o Augusto já tivera, dele se acerca e lhe pergunta:
“Tio-dôtor, que fazes tu quando no pássaro-grande voas”?
Ele respondeu-lhe:
Procuro ver mais Terra,
Procuro ver mais Mar.
E retorqui-lhe o garoto:
“Alguma vez lá de dentro do pássaro-grande quando voas, viste DEUS”?
O Augusto, que nunca tinha mentido a ninguém, nem a ele próprio, não ia mentir ao garoto, e então disse-lhe a verdade:
“Não, lá em cima nunca O vi”.
Então o menino pretinho concluiu:
“Se nunca nos ares viste DEUS, não te vale a pena mais voares, vem mas é, comigo brincar”.
E o Augusto compreendeu, caiu em si, aceitou, e com o negrinho foi brincar.
O pretinho «desenterrou» ao pé de um embondeiro uma bola feira de trapos, e lá começaram eles a jogar à bola, dando pontapés nela, ora um ora outro.
Até que de repente, o pretinho pára, tira o seu boné, e diz:
“Tio-dôtor, vai cair a noite, tenho de ir buscar a gaiola” e correu à cubata a buscá-la.
O Sol estava realmente, atrás de uma serra, atrás do MARÃO lá do sítio. E como o crepúsculo no hemisfério sul é muito mais curto e rápido do que no hemisfério norte, a noite cai mais depressa.
Então o pretinho vem com a sua gaiola, que não era mais que uma caixa de arame feira, e ainda por cima sem tampa. O Augusto como nada nela visse, disse:
“Deixaste sair o pássaro?”
Ao que o pretinho retorquiu:
“NÃO,
É nesta gaiola, que eu todos os dias ao anoitecer, meto o SOL, antes que ele desapareça, e para que ele posso dormir” e tapo-a com o meu boné.
O Augusto, ficou como paralisado, por se sentir estúpido, e quão cego ele tinha sido, todos os anos da sua existência, apesar de ter tido sempre os olhos bem abertos.
E despediu-se do menino pretinho, que tinha já na gaiola o Sol bem fechado, guardado e tapado com aquele boné velho.
O Augusto baixou-se, deu um beijo na testa do menino-pretinho, e ia-se embora, quando o pretinho lhe disse: “Tio-dôtor! Não te esqueças de acordar cedo, e abrires logo bem os olhos, e vires ter comigo de manhãzinha, para abrirmos a gaiola ao Sol, porque senão amanhã não haverá LUZ.”
E o Augusto voltou para sua casa, e nessa noite, pela primeira vez na vida, deixou de fazer a prece a Deus, que durante anos e anos sempre fizera, pois ele queria mesmo, nessa noite, nem que fosse a última, acordar cedo e abrir bem os olhos, pois tinha que antes da Aurora raiar, ir à procura do menino-pretinho, para ambos abrirem a gaiola ao Sol, porque senão no outro dia não haveria Luz na Terra.
E o Augusto, em terras transmontanas nascido, que durante os seus primeiros dias de existência terrestre tinha “cerrado suas pálpebras”, tinha fechado seus olhos, para não ver o Sol, pois à casa do Pai-Luz queria voltar, tinha finalmente encontrado a casa-do-Sol, onde o Sol todas as noites se escondia, descansava e retomava forças.
Não era na Terra-seca,
Não era no Marão,
Não era no Mar,
Nem no Ar.
Mas era no coração daquele menino-pretinho.
Era no coração de Todos NÓS,
Que o Sol à noite, ia descansar.
É lá no Coração, que o Sol se esconde todos os fins de tarde.
E ainda por cima, se cobre com um chapéu ou boné, como os humanos fazem para não deixar “derreter o cérebro, ou perder a razão”!!!
E é no Coração que todos os jovens Lusos de manhã no raiar da Aurora têm de abrir, se não o Sol não sai, e nesse dia não haveria Luz para eles nem para os outros.
AH! que grande “mestre” era aquele menino-pretinho.
AH! que grande lição o menino-pretinho dera ao Augusto.
Teria encarnado naquele menino, o Menino Jesus?
Augusto perguntou “isso” ao Santo António, e o santo disse-lhe que sim, que o Menino Jesus é a Verdade em pessoa, e que por ele António amar tanto a Verdade, é que António O, trazia sempre o menino ao seu colo, amparando-o com o seu braço direito.
A alegria do Augusto foi tanta que até o coração lhe começou a doer.
E Augusto, lembrou-se então que Luíz de Camões quando sentiu algo parecido disse e escreveu:
“Que dias há que na alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como, e dói não sei porquê”.
▪ August’ Alvão
(pseudónimo de Abel de Lacerda Botelho)
Capítulo V de “Um conto para todos os Jovens Lusos no Início do III Milénio”.
Edição -Fundação Lusíada, Lisboa, 2011
Fundação Lusíada ((www.fundacao-lusiada.org)
Ordem de Ourique (https://portugalidade.pt/ordem-de-ourique)