A.M. GALOPIM DE CARVALHO
Texto elaborado a pensar nos professores e professoras que ensinam geologia nas nossas escolas, mas que seria bom que fosse lido por todos e que o pudessem partilhar com os amigos deles, com sinceros votos de Feliz Natal.
Qualquer pessoa, mesmo a menos letrada, dirá que as pedras:
– não são fabricadas ou feitas por gente (a ciência diz que são entidades naturais);
– que não se amolgam (a ciência diz que são rígidas);
– que geralmente não se esboroam nem se esfarela (a ciência diz que são coesas);
– que fazem mossa onde quer que batam (a ciência diz que são duras)
Para o cidadão comum, pedra (do grego “pétra”) é, pois, uma entidade natural, rígida, coesa e dura, que se apanha do chão.
Apanhamos uma pedra do chão, mas, quando estudamos, falamos quase sempre de rochas. Num modo de falar corrente, podemos dizer que as pedras são bocados de rocha.
O pior que se pode fazer no ensino das rochas ou das pedras, como toda a gente lhes chama, é apresentá-las desinseridas dos respectivos contextos prático e cultural, precisamente os que têm mais probabilidades de permanecer na formação global do cidadão, em geral, e, naturalmente também, dos estudantes.
Insistir, como tem sido uso e abuso, nas definições estereotipadas e nas listagens para “empinar” e, pior ainda, fazer de tudo isso matéria de ensino obrigatório, tendo em vista a passagem nas provas de avaliação, é um erro grave com consequências conhecidas.
Proceder assim não é ensinar, é amestrar.
Os alunos passam mas continuam a ignorar a matéria que lhes foi debitada. Matéria que lhes seria útil, em termos de bagagem cultural, como cidadãos.
Por esta via, não há formação possível, com a agravante de condenar tal aprendizagem, não só ao esquecimento, como também à sua inclusão no grupo das matérias escolares que se rejeitam ou se detestam, num sentimento que fica para a vida.
Todos falamos de rocha como sinónimo de pedra, com base num conhecimento comum, empírico, vulgar, ligado à experiência quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadãos. Dizemos rochedo quando o afloramento de rocha é grande e apelidamos de rochoso um terreno com a rocha à vista. Rocha é um galicismo que, entre nós, se sobrepôs ao termo “roca”, bem mais antigo, talvez pré-romano. Cabo da Roca, ou “Focinho da Roca” no dizer dos homens do mar, deve o seu nome a esta versão arcaica da palavra rocha.
O conceito actual de rocha e os vários conhecimentos com elas relacionados percorreram uma caminhada tão longa quanto a do “Homo sapiens”, caminhada de que temos testemunhos na Pré-história e variadíssimos relatos escritos desde a Antiguidade.
Na sua gíria própria, entendível entre pares, os profissionais falam de rochas, dizendo que são sistemas químicos, mono ou polifásicos (ou seja, com um ou mais minerais), resultantes do equilíbrio termodinâmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes. Entendendo-se por constituintes os elementos químicos incluídos nos respectivos minerais.
Por outras palavras, acessíveis ao comum das gentes, pode, então, dizer-se que as rochas são corpos naturais formados por associações mais ou menos estáveis de minerais compatíveis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que são elas, as rochas, que constituem a capa rígida da Terra que, por essa razão, recebeu o nome de litosfera.
Antes de prosseguir esclareça-se que, no jargão próprio da mineralogia e da geoquímica, os minerais são considerados fases, no sentido físico-químico da palavra. Com efeito, neste sentido, uma fase é uma porção de matéria química e estruturalmente homogénea, e, uma qualquer espécie mineral, é isso mesmo.
Por convenção na sistemática em sedimentologia, entre as rochas sedimentares cabem certos materiais não consolidados como os barros, as areias soltas, as cascalheiras e ainda outros, de natureza não mineral, como os carvões fósseis e o petróleo (óleo de pedra). Chamar rochas ou pedras a estes materiais, às vezes tão afastados da imagem vulgar de “coisa dura, rígida e coesa”, decorre do conceito geológico de rocha, no qual se inclui o modo de ocorrência e o respectivo processo de formação (petrogénese).
A mecânica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resistência ao esmagamento, à tracção, à torção, à flexão, porosidade, permeabilidade e outras) define-as como entidades sempre rígidas e coesas e duras, como também se diz, vulgarmente) com capacidade de suportar cargas e que, na eventualidade de terem de ser escavadas ou removidas, há que usar tecnologias com explosivos. Este conceito corresponde, aliás, à ideia mais divulgada de rocha, como atrás se referiu. É o “bedrock” dos autores ingleses.
Além das muitas que conhecemos na Terra, já estudámos rochas do nosso satélite natural, nomeadamente, basaltos e anortositos trazidos da sua superfície. Mercúrio, Vénus e Marte são também planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos são ainda os núcleos dos cometas e muitos dos asteróides, de que temos conhecimento pelos meteoritos caídos na Terra.
Quando se apelidam as rochas de magmáticas, sedimentares ou metamórficas não se está apenas a rotulá-las para efeitos de arrumo ou arquivo, muito menos se estão a criar novos vocábulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadão em geral. Estes adjectivos acrescentados à palavra rocha informam, de imediato, sobre a sua origem:
– magmática ou sedimentar, qualquer delas em resultado de processos naturais fáceis de entender;
– metamórfica, em consequência de um outro processo, muito menos ao alcance da vivência do vulgo, mas que se explica sem grandes dificuldades.
Apelidam-se de metamórficas as rochas que, posteriormente a uma primeira formação, como magmáticas ou sedimentares, foram submetidas a pressões e/ou a temperaturas, no interior da crosta, que lhes modificaram, a composição e/ou a textura.
Foi através do estudo das rochas que desvendámos o essencial dos acontecimentos geológicos que marcaram a história deste «Planeta Azul», no qual a vida encontrou condições para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma história.
Os conhecimentos directos, de que hoje dispomos, relativos às rochas da Terra limitam-se aos que se obtêm pelo estudo das que afloram à superfície, das recolhidas em dragagens nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade, quer em minas, quer através de sondagens. Esta profundidade, que não excede 3 km, no primeiro caso, e 11 km, no segundo (na península de Kola), pode considerar-se insuficiente, se comparada com as três a quatro dezenas de quilómetros de espessura média da crosta continental.
É já muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta, como alguns dizem e escrevem) mais superficial do nosso planeta. Temo-lo através das rochas que constantemente vemos e pisamos, muitas delas geradas em zonas profundas, trazidas à superfície pelos enrugamentos de origem tectónica, geradores das montanhas, e, subsequentemente, postas a descoberto pela erosão.
Outras rochas próprias de muito maiores profundidades, inclusive do manto inferior, como é o caso dos xenocristais e dos xenólitos, isto é, cristais e fragmentos de materiais líticos gerados nessas regiões e que ascendem à superfície, na sequência de actividade vulcânica, englobados ou encravados nos produtos magmáticos que ali se formaram ou por ali passaram. Na ilha da Madeira, por exemplo, são frequentes os xenólitos olivínicos que ascenderam até à superfície no seio das lavas envolvidas no processo vulcânico que originou esta e muitas outras ilhas.
As rochas a que temos acesso mais ou menos directo representam uma parcela importante da diferenciação da Terra e, à semelhança da água, do ar e dos seres vivos são o resultado de imensas transformações, numa vasta e complexa rede de interrelações ocorridas ao longo dos tempos neste «planeta vivo», pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que se adiciona toda a que lhe chega do exterior, isto é, a radiação solar. Como escreveu Maurice Mattauer, “as pedras nascem, vivem e morrem; como nós; elas têm uma idade e uma história”.
Petrologia e litologia são duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras. Se bem que os étimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinónimos, petrologia e litologia encerram conceitos diferentes, ainda que relacionados entre si.
– A petrologia é um ramo da geologia com dimensão de ciência, de vastos recursos nos campos da física, da química e, naturalmente, também, da matemática, em busca do conhecimento da origem, natureza, constituição e evolução da Terra no âmbito do Sistema Solar e do Universo.
– A litologia, outro ramo da geologia, é habitualmente entendida como a disciplina que estuda as rochas num campo prático. Serve a geologia de engenharia, tendo em vista a implantação de grandes edifícios e outras obras volumosas, cujas fundações exigem o conhecimento dos terrenos. A litologia dá igualmente respostas à pedologia (o estudo dos solos) e à indústria extractiva de rochas ornamentais, usadas na arquitectura, na cantaria ou na estatuária, e de rochas industriais, exploradas como importantes matérias-primas para a construção civil, a cerâmica, o vidro, o cimento, a cal e a indústria química.