LUÍS DE BARREIROS TAVARES (Org.)
14 poemas inéditos de Manoel Tavares Rodrigues-Leal
Poemas de 1967 evocando a vida do poeta nos cafés de Lisboa
“Faço do café escritório” M. T. R.-Leal
Do caderno Ensaio de Ausência I
I
referência
de mesa a mesa
limites requeridos
ausência de olhos corpos retidos
leitura sinonímia
dedos sem água
audácia mínima
Lx. 5/9/67 – caderno Ensaio de Ausência I. Há um outro caderno intitulado Ensaio de Ausência (1975).
II
Autobiografia
biograficamente pela chávena
imersão da tarde
biograficamente nos dedos morosos
e haste de ideias
biograficamente nas arestas
ou nas mesas como varas niveladas
biograficamente como antecedência
como gente
biograficamente como no café
fixado em frente
Lx. 9/9/67 – caderno Ensaio de Ausência I
III
Analogia
o domicílio
mais ausente
geografia de actos
eco inevitável de gente
xadrez de passos
mesa no âmbito
da qual
um olhar
intersecção dos dias
ampliando
a analogia metal ou gesto
simultâneo
Lx. 10/9/67 – caderno Ensaio de Ausência I
IV
Sexta-feira
regulando o braço
no café no canto mais coacto
máscara até quando
véspera de sábado
prelúdio de cansaço
por fora aquela sexta-feira
assente num carro
metáfora de frase
aquele nível ou derme de desejo
conversa sorriso alegre
método de horas e dum beijo
Lx. 15/9/67 – caderno Ensaio de Ausência I
V
à M. S. P. [à Maria de São Pedro]
Pequeno-almoço a dois
na manhã de domingo
no ingresso limpo
de azul antigo
pelo vidro
“Ne sachons plus qu’un mot – le mot ‘amour’” M. T. R.-Leal [inscrição seguindo-se ao poema]
Lx. 15/10/67
Do caderno Significado de Ausência
VI
pela rua acontece
no café ou no meu quarto
resvalar a noite suavemente
encenação de movimento
Lx. 27/6/67 – Souto de Lafões 21/8/67
VII
pela rua evento
no café ou no quarto
resvalar de noite suavemente
verso de movimento
Lx. 27/6/67 – Souto de Lafões 21/8/67. Segunda versão de VI.
VIII
Cidade II
no descobrir da rua
no café interiormente
interrogação de nós mesmo no texto referido
das coisas
flexão de dias economia de sábados
no silêncio ponte
com suavidade
no ângulo evidência
morando longe
Lx. 23/6/67 – Souto de Lafões 18/8/67
IX
Café Roma
lume de luz
por síntese actuando
linhas longas
sintaxe de seios insinuantes nuamente
diagonais curvas em rectângulos
vírgulas aos olhos donde
duas colunas uma por uma
evidência nenhuma
dias em que atento
gesto ou maiúscula
luta
de unhas
das palavras a novidade dum plano
quadrado de mesa
Lx. 8/9/67 – Este poema encontra-se no caderno Ensaio de Ausência I. No entanto, o título do poema indica “Café Roma – Significado de Ausência”. Assim, optou-se por inseri-lo no presente caderno.
De um caderno sem título
X
À margem do café
ousar de presença
limiar e dentro
e inexistência de tempo
hábito de ousar
suspeita
e momento de ideia
no café desfeita
Lx. 27/6/67 – Souto de Lafões 22/8/67
XI
fixada como a tarde
a criança semi-nua
semi-silêncio
semi-rua
à beira dum café
na cidade
Lx. 28/6/67
XII
é já a unidade quebrada
pelo meio da cidade
a negativa ou exausta liberdade
o tempo todo disfarçado
os ângulos rectos das ruas
e o asfalto concreto
a impossibilidade dos gestos
a rapidez do sol a quebrar-se
nos vidros do café
é só a tarde sem trânsito pela cidade
Lx. 3/7/967
Do caderno Quatro Tempos ou A Noite
XIII
recto o dia se anula em tempo
em verão instalado de praia inscrita
neste café insólito as tintas morrem de tarde
sem grito
toda a minha aventura é centro
rigoroso e abraço e validade
Lx. 25/7/967
De uma folha solta
XIV
na atmosfera
aterrando a tarde
(no café)
a fome da antiguidade dos dias
nos dedos
um frasco de bílis
Lx. 14/11/67