PAULO MENDES PINTO
Diretor-Geral Académico – Grupo Lusófona Brasil
Universidade Lusófona Portugal – Brasil. In: https://www.ulusofona.pt/cronicas/portugal-brasil
São eles que anunciam o verão. Não sei doutra glória, doutro paraíso:
à sua entrada os jacarandás estão em flor, um de cada lado. Eugénio de Andrade
Desde há poucos dias que estou em S. Paulo. Assumi funções nas Faculdades Lusófonas no Brasil. Viajei de Lisboa até essa cidade de nome encontrado no meu homónimo fundador do Cristianismo, com o desejo de dar um contributo para um projeto universitário que seja significativo nas regiões onde está implantado (S. Paulo, Rio de Janeiro e Bahia).
A unir esta viagem, tenho os Jacarandás, árvore da chamada Mata Atlântica brasileira, com nome cunhado no tupi-guarani. De um lado do oceano, em Lisboa, esta árvore, trazida do continente americano por Félix de Avelar Brotero (1744-1828), floresce essencialmente em maio, mas tem agora, em outubro, um leve florescimento, resultado de uma “memória” ancestral mantida no seu ADN que, em Lisboa, no outono, faz florir estas árvores quando no seu originário Brasil a primavera surge. Guilherme d’Oliveira Martins recordava-nos há alguns meses, num artigo de 25 de maio no Diário de Notícias, este fenómeno ímpar do duplo florescimento dos jacarandás de Lisboa: um, acompanhando o ciclo vegetativo do local onde estão, e outro, indo ao encontro da origem assim não esquecida.
Cruzando o oceano, do florescimento ténue que ocorria em Lisboa, desaguei no rico e vistoso florescimento primaveril de S. Paulo, com a exuberância destas árvores levada ao limite. É curiosa a forma como tudo nos coloca questões e como podemos construir símbolos e hermenêuticas com alguma facilidade quando parece que nos sussurram algo a que devemos dar alguma atenção. Tal como uma flor é de “estação”, também uma leitura é de um momento, tendo sentido nesse contexto. Mas pode ganhar sementes, extravasar, tal como uma flor ou a mancha azul dos jacarandás.
Possível metáfora da Lusofonia, o Jacarandá é pleno de sentidos neste seu florir nas duas costas do Atlântico. Vivificando a primaveril Lisboa, estas árvores não esqueceram a flor que davam nas américas, relembrando-nos, também a nós, que o fechamento no pequeno retângulo europeu nada mais é que esquecimento de nós mesmos. Tal como o jacarandá que floresce no outono, dizendo-nos que a vários milhares de quilómetros é primavera, também a nós é merecida essa vontade de fazer mais, de fazer sempre primavera.
É um ciclo interessante o dos Jacarandás, que das florestas frondosas do Brasil vieram para a Europa, transformando-se em árvores de jardim, em alindamento de praças e alinhamento de ruas, dando um tom forte ao espaço urbano, um pouco de floresta, regrada e domesticada, no meio da selva de betão e tijolo.
Não apenas a metáfora se enriquece com a passagem desta árvore da floresta para a cidade, do estar integrada num ecossistema para o viver fora de qualquer relação com outro grupo de árvores, como, essa violenta transição, na sua radical mudança para a urbe, ficou marcada por essa memória que, ano após ano, religa o exilado e domesticado jacarandá de Lisboa aos naturais, livres do Brasil. A mudança, afinal, permite o espaço mental da memória, mesmo quando o que muda é tudo: continente, clima, estações do ano, integração em ecossistema e paisagem. E, contudo, elas florescem em outubro, seja na primaveril S. Paulo, seja na outonal Lisboa.
Não é de migrações que estou a falar nas entrelinhas desta imagem. É de cooperação, de ajuda e de crescimento mútuo. Nem, sequer, me refiro aos hibridismos culturais pós-modernos que tanto incomodam quem julga que uma identidade é estática.
O jacarandá será, porventura, a imagem de uma Lusofonia sem traumas, que atravessa mares, hoje, já muito navegados, e que se coloca acima das especificidades e dos ecossistemas locais, mostrando-nos que há mais primaveras, mesmo quando parece ser outono.