O meu amigo Júlio Conrado

 

MARIA ESTELA GUEDES


Júlio Conrado. Foto de Valter Vinagre

Júlio Conrado (1936-2022). Nasceu em Olhão, vivia em S. João do Estoril, onde morreu, hoje, dia 30 de Janeiro de 2022, dia eleições legislativas. Poeta, ficcionista, crítico literário, publicou o seu primeiro livro (contos) em 1963 e o primeiro ensaio literário na imprensa de âmbito nacional em 1965 (Diário de Lisboa). Esteve ligado à direção de diversas associações literárias, entre elas APE – Associação Portuguesa de Escritores e Pen Clube Português. Vasta obra no âmbito do jornalismo cultural. Publicou umas centenas de títulos, entre livros e artigos, no Diário de Lisboa, Diário Popular e outros, bem como em grande parte das revistas literárias. Ultimamente, escrevia no jornal portuense As Artes entre as Letras.

O Júlio Conrado era um bom amigo, leal, e também um leitor, se bem que às vezes se queixasse de não conhecer alguns autores e áreas em que eu “me movia bem”, segundo palavras suas, em email recente, referindo-se ao conjunto de ensaios Númeras Letras. Não obstante a nossa tão diferente formação, comentou livros meus, tal como eu comentei alguns dele, o último dos quais foi mesmo o seu último livro, segundo creio, apesar de datado de 2020, Aquele agreste mês de Julho ( https://triplov.com/julio-conrado-em-cascais/) .

Conhecemo-nos como colaboradores do Diário Popular, mais tarde na direção da Associação Portuguesa de Escritores. Pela vida fora, sempre me convidou para iniciativas dele na Câmara de Cascais, caso de conferências sobre Herberto Helder, tal como ele esteve presente nas minhas: colóquios, edições na Apenas Livros, e no Triplov. O Júlio Conrado foi a única pessoa capaz de me repreender frontalmente por passadas crises de loucura, e é claro que eu lhe agradeço o ter ficado sempre por perto apesar disso. Quanto a ele, gostava e ficava mesmo grato pelos meus convites. A verdade é que eu o tinha em grande estima pessoal, ele era um homem generoso, de coração quente de bondade, por muito que se sentisse irritado às vezes com as injustiças e delírios deste nosso mundo de escritores e de edição de livros.

Nos últimos anos a idade já lhe pesava, estava muito surdo e por duas vezes se perdeu em Lisboa, ao dirigir-se para o Convento das Monjas do Lumiar, onde decorriam as sessões dos Colóquios Triplov. Não gostava do local, que já não existe como tal, desaparecida metade das freiras, então reduzidas a quatro. Para cúmulo, num dos últimos, o habitual auditório não pôde ser utilizado, pelo que as freiras nos mandaram para a capela. Para cúmulo dos cúmulos, atrás do local onde os conferencistas se dirigiam ao auditório, estava um crucifixo, dos raros ícones da capela, pois os dominicanos não gostam de imagens, de maneira que nas fotografias os autores ficaram acompanhados pelo grande símbolo cristão. Bom, alguns acreditavam que era por motivos religiosos que eu tinha escolhido o local, mas não. Era por ser membro do Instituto São Tomás de Aquino, instituição cultural dominicana.

Envelhecemos, porém os afetos permanecem fortes e saudáveis. Pelo menos duas vezes o Júlio Conrado passou pelo hospital, para cirurgia. Hoje não resistiu. Se algo lhe posso desejar, é que continue a escrever e a ler belos livros, seja onde for que se encontre.