RICARDO CARRANZA
Da pedra insone,
janelas, como pétalas, se abrem ao lamento da noite:
azul celeste,
violeta,
amarelo sódio,
rosa bebe,
rosa encarnado,
branco marfim.
Janelas
em busca de coragem,
esperança,
eternidade.
Janelas,
pétalas de luz
no azul da noite
adormecem.
A janela que habito apaga,
também adormeço.
Ao meu nada,
lavado de chuva,
a dor concede
um grão de encantamento.
Da minha janela
vejo a pedra
leve
de véus de luz
entre
os ramos da noite.
– Boa noite, dizem os habitantes da pedra.
– Dorme bem, respondem outros virando de lado na cama.
Eu medito:
incessante
forma do passado:
tantos passos
e dança por um dia.
Quantos passos
dança e guerra
por um único dia
escuro de sol?
Ó noite,
de centelha e frio,
dai-nos
o hábito da paz.
Janelas me observam
dos ramos da madrugada.
Ao meu quarto,
polvilhado de cinzas,
vem um trinado,
um grão esplêndido de sol,
que dissipa o véu
dos meus olhos,
e o chiado
dos meus ouvidos.
Eu medito:
luas de vapor de sódio,
janelas de pétalas de luz,
ao canto
um ramo é o bastante.
Nada vence a folha nova,
a semente de luz.
Ao canto
um grão de sol é o bastante.
Pacificado
ergo minha lanterna
que ilumina o céu
como um mar deserto
seco de estrelas.
Pacificado adormeço
na doce chama do vazio.
A quem chegarão destas folhas
o lacrimejar do extrato
do incerto grão?
Dedicado
ao ofício do momento,
mãos densas do sol da noite,
sexo ébrio de mosto,
jogo lúdico
à espreita
da incompletude inseparável
minha e sua –
a quem
o ofício da palavra?
Respostas como chuva
das folhas à raiz da árvore:
uma figueira benjamim
que me acolhe da janela.
Depois de recontar os segundos
de um minuto
de silêncio,
luz de primavera é o paraíso.
Chuva de primavera frutifica
a seca enraizada de inverno.
Cada artéria prima
na geração da flor.
Pássaros,
sóis da noite,
renovam
brotos e botões.
De SÓIS, O livro da Insônia
RICARDO CARRANZA