O lendário cosmonauta Freche Gordo

 

ZUCA SARDAN & FLORIANO MARTINS


Freche Gordo me disse certa vez ter tomado todas

as precauções para que a última viagem se desse

sem conflitos, pregando no leme um piloto automático

que encontrou perambulando pela Sucataria Pajeú.

Agora sim, poderia tomar todas as cervejas do boteco.

De tão sábio, Freche Gordo é o melhor piloto do mundo,

conversando e bebendo no barzinho da cabine.

Nesse giramundo florido de espumas douradas

Nosso ébrio cosmonauta chegou a pilotar quatro naus

ao mesmo tempo, confirmando a teoria

de Plasmo Alencart da irrefutável existência

de vidas paralelas, além do mar Caribe…

Freche decerto tem vidas paralelas dele mesmo.

Uma mulher em cada continente, e um apetite

voraz para o drama conjugal com cada uma.

E tais cenas se desdobram por afinidades em outras

tantas ocorridas em cada porto, em especial quando

essas vidas paralelas se encontram pelas tavernas.

Para cada uma das esposas Fercho confessa:

És tu, minha rainha, meu presunto, meu pé de manacá,

a única mulher que desencarde a razão de minha vida…

E em uma nuvem sorrateira se dissipam as ilusões

da coitada, quando pelos corredores de seu castelo

de sonhos vê passar outras tantas que embora

com ela se pareçam são mais do que suas sombras vãs.

E o que diz então Freche Gordo para a desditosa?

Só tu, querida, existes para mim, pois essas

outras tantas… são meras sombras que passam…

E tantas outras passam que por mais que a jovem

plebeia queira entregar-se à crença de um amor sem fim

algo em seu espírito titubeia e o desencanto brada:

Oh Freche, não me enganes, não suporto mais esta vida!

E logo rebate o amante contumaz: Não te tortures, Manon,

por umas borboletas efêmeras que se esvaem na brisa

da tarde e no dia seguinte são apenas pó ao vento…

E Beltrana Farnica, agora sabemos seu nome, insiste:

Oh Freche, a tua borboleta azul já não sabe o que fazer

com tantas espigas falseando o meu desejo, tantos ventos

levando o cardume de meus ardores por escuras lagoas.

E de seus lábios salpicados de encantos Fercho desfere:

Mi mosca azul… ¡Eres tú, mi amor, de alas de oro y granada!

E assim tão desfeita em aflições nossa bailarina conjugal

pela manhã cedo arruma a cama desfeita por outras damas.

CODA AUTOMÁTICA

FLOYD

Sugestão: O Zuca apronta um desenho, eu aqui lhe inspiro um fundo e uns badulaques…

ZUCA

Muy bien, Floyd, Grazzzzie pelo convite!… Vou já comezzar a aprontar. Abbrazzzzzi / zzzzzzzuca

FLOYD

Magnífico. Aí eu mando tudo para a Meg Triplóvica.

ZUCA

Wunderbar… Já apontei o lápis e afiei o bico da pena de gralha… agora só falta achar o pincenez… E que mais ?… plek-plek-plek !… Ah !, sim !… … o papel .

FLOYD

Experimenta sem papel, ah ah ah…

ZUCA

Sem papel é mais fácil de fazer, caso você aceite um desenho falado. Talvez uma novidade, um livro com ilustrações faladas. Apenas, não poderíamos deixar o Doutor Xarkor saber, senão, o prox. n° da Pharol… será inteiramente zpholado… mais difícil de despachar pelo apparat.

FLOYD

Do retrato falhado ao desenho falado, que belo percurso… E deixamos Doutor Xarkot no Mvseo. Ele jamais ousaria mexer conosco, sempre foi um grande barbaças solene e trapalhão.

ZUCA

Hoje espero sem falta te passar o desenho desenmoldurado. Para mim é mais difícil tirar a moldura do que fazer o desenho. A moldura para sair, arranca metade do desenho. Entâo o desenho desmoldurado tem de ser falado, um curto texto explicando o que ficou faltando. Ou seja, um novo tipo de recensão: a… RECENSÂO RECOSTITUINTE

FLOYD

Por vezes acontece, se tiras a moldura do desenho, tudo o mais cai por terra, e a terra não costuma ser breve nem leve. Dizem que a história tem um peso insustentável, e que o passado se agarra a cada um de nós como certos alimentos no céu da boca. Dito isto, que venha também a moldura, pois aqui eu posso sempre fazer uma bela festa.

ZUCA

Poizé… Tive um trabalho danado pra tirar a moldura, e agora dizes que posso mandar com a moldura… Já não sei se vou ou se fico, já não si se fico ou se vou…

FLOYD

Ao final da louça, o importante é o desenho e não o atelier. A obra recomeça sempre do ponto em que a deixamos.

ZUCA

Agora… é troppo tarde. Entrei numa fúria louca contra a moldura, passei-lhe o serrote, mesmo que o desenho tenha sido serrado junto. Passo-te a seguir uma primeira metade, se não conseguir recolar as outras duas metades, terei de me contentar com dois desenhos rasgados sem moldura. Talvez aí, uma nova fórmula, para a arte: o desenho reconstituído. Já comecei a tentar fazer, mas não me lembro bem, qual a parte de cima, ou qual a de baixo. Talvez então te mande em peda3os e tu os reconstituirás o melhor que possas, porque não me lembro mais exatamente o que fosse, mas sei que havia dois desenhos ocupando verso e reverso do papel. Há um naco da Queda da Bastilha, e outro da Jangada da Medusa. Mas num naquinho extra, aparece o Napoleão discretamente se co3ando com a mão por dentro da camisa.

FLOYD

A esta altura o papel acabou revelando um diálogo secreto seu com a pluma, quando ele lhe pediu que levantasse a perninha e o deixasse fazer o melhor desenho. A moldura de olho na cena, comprimiu o peito e disse que por ali a imagem só se estabelecia se ela o permitisse.