O falhanço do nosso sistema educativo

A.M.G ALOPIM DE CARVALHO


“Promover a reflexão sobre os acontecimentos actuais, fomentar o pensamento crítico, criativo e independente, contribuindo assim para a promoção da tolerância e da paz”. São palavras de UNESCO, atiradas ao vento que, infelizmente, muitíssimo pouco ou nada no têm tocado.

Tudo o que nelas se pretende promover está contemplado no teórico e ilusório propósito oficial da nossa escolaridade obrigatória, agora de 12 anos. Basta ler os textos programáticos de alguns dos responsáveis pelo nosso ensino para verificar que assim é. Mas a verdade é que continuamos a ser um povo maioritariamente desinteressado pelos valores da ciência e da cultura, alienados pelo “jogo da bola” e em que a maioria dos simpatizantes dos partidos políticos desconhecem os fundamentos das respectivas ideologias.

O Primeiro Ministro António Costa tem perfeita consciência desta  “vergonha nacional” (palavras minhas) quando diz: “De uma vez por todas, o país tem de compreender que o maior défice que temos não é o das finanças. O maior défice que temos é o défice que acumulámos de ignorância, de desconhecimento, de ausência de educação, de ausência de formação e de ausência de preparação”.

A Revolução de Abril escancarou, não só as portas, como os portões e as janelas, ao conhecimento nos mais variados temas das culturas científica, humanística e artística. Mas vivemos 45 anos, praticamente, de costas voltadas para estes valores, entretidos com futebol, lutas entre os aparelhos partidários, e três televisões, duas delas, privadas, essencialmente vocacionadas no lucro (o que não choca, como empresas que são e garantem trabalho a muita gente) e uma, pública, paga por todos nós, que “dá ao povo aquilo de que o povo gosta” e que, assim, não sai da incultura em que cresceu, vive e vai despedir-se deste mundo, sem ter aproveitado o prazer de saber e com isso ter participado numa sociedade melhor.

Não obstante os belos propósitos, que eu diria falhos de convicção, de responsáveis pelo ensino como, por exemplo o que diz que a escolaridade obrigatória estabelece que um aluno, no final dos respectivos 12 anos, esteja “munido de múltiplas literacias que lhe permitam analisar e questionar criticamente a realidade, avaliar e selecionar a informação, formular hipóteses e tomar decisões fundamentadas no seu dia a dia”, a verdade é que (só falo da experiência que tive) são muitos os rapazes e as raparigas, que pouco ou nada leram, que chegam à universidade falhos de todas as culturas, sem saberem escrever português.

Os teóricos que aconselham os governos pretendem (ilusoriamente e estou em crer que sem convicção) que o jovem, cumprida a escolaridade obrigatória, “seja livre, autónomo, responsável e consciente de si próprio e do mundo que o rodeia”, mas basta ver a elevada percentagem de abstenções nos actos eleitorais, para constatar a falência deste nobre propósito.

Os programas oficiais estabelecem que, nas diferentes áreas de competências, os alunos aprendam a “colaborar em diferentes contextos comunicativos, de forma adequada e segura, utilizando diferentes tipos de ferramentas (analógicas e digitais), com base nas regras de conduta próprias de cada ambiente”. Um belo e elevado propósito que não teve e continua a não ter realidade visível na média dos nossos cidadãos e cidadãs. O que salta à vista nos dias que correm e nesta geração de adolescentes, que teve e tem o privilégio de fruir da condição de estudante e se manifesta como se vê nas lamentáveis e degradantes “Queima das Fitas”, é o uso obsessivo dos telemóveis, onde quer que estejam e seja a que horas forem.

É, pois, preciso e urgente olhar para esta realidade do nosso ensino.

Os professores devem saber muito mais do que o estipulado no programa da disciplina que devem ter por missão ensinar, não se podendo limitar a meros transmissores dos tantas vezes estereotipados, deficientes e acríticos manuais de ensino. Para tal, necessitam de tempo, e tempo é coisa que, no presente, não têm. Há, pois, que libertá-los das tarefas que não sejam as de ensinar e rever toda a política dos ditos manuais, em especial no que diz respeito à creditação científica e pedagógica dos autores e à correspondente supervisão;

É necessário e urgente fomentar, como inerência de cargo, a dignificação e o respeito pelo professor, duas condições que lhes foram retiradas com o advento da liberdade que os militares de Abril nos ofereceram e que a democracia não soube aproveitar, e que a Escola recupere todas as competências fundamentais à disciplina, aqui entendida como observância às regras democraticamente estabelecidas.

A remuneração dos professores tem de ser compatível com a sua real importância na sociedade. Um professor universitário (que é avaliado, pelo menos três vezes ao longo da carreira) não é nem mais nem menos importante do que uma educadora de infância ou de um professor ou professora do ensino básico ou do secundário. Por outro lado há que resolver o grave problema da colocação de professores, com vidas insuportáveis material e emocionalmente, a dezenas de quilómetros de casa, separados das famílias

É, pois, preciso e urgente que a pasta da Educação se torne numa das principais preocupações dos governos, não só na escolha dos respectivos titulares, como nas dotações orçamentais que permitam dar às escolas as necessárias condições de trabalho.

Em suma, é preciso e urgente olhar para a realidade do nosso ensino e haver vontade política (despida de constrangimentos partidários) para promover uma profunda avaliação e consequente reformulação desta nossa “máquina ministerial” poderosa e nebulosa, de há muito, instalada.