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Dinis Ramos e Machado
nasceu em Março de 1930 em Lisboa, onde viveu no
Bairro Alto até ao fim da sua juventude. Foi
jornalista desportivo no Record, no
Norte Desportivo, no Diário Ilustrado
e no Diário de Lisboa. No início da
década de 1960, organizou os primeiros ciclos de
cinema da Casa da Imprensa e começou a escrever
crítica para a revista Filme. Praticou de tudo
um pouco, do poema à entrevista, e escreveu três
livros policiais, com o pseudónimo Dennis
McShade, para a coleção «Rififi», que então
dirigia na editora Íbis.
O Que Diz Molero,
publicado agora pela Quetzal na 22ª edição, e
pela primeira vez em 1977, constituiu um êxito
estrondoso junto da critica e do público e
vendeu mais de 100 mil exemplares. Foi ainda
traduzido para espanhol, búlgaro, romeno e
alemão, estando atualmente em preparação as
edições em Itália e na república Checa. Morreu
em Outubro de 2008. In: Wook |
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NICOLAU SAIÃO
Relembrando Dinis Machado |
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Palavras
prévias
Uma das
consequências – e não pequena – que o 25 de
Abril permitiu, foi o aparecimento das rádios
regionais.
Passados
os meses, ora estranhos ora vacilantes do
denominado PREC, com todos os seus ressaibos que
se certificaram, frequentemente, em exaltações
partidárias e angústias cidadãs, os tempos
pós-abrilinos entraram em velocidade de
cruzeiro, que o mesmo é dizer estabilizando uma
democracia e um regime que, passadas décadas,
entrou definitivamente, agora, num circuito
partidocrático pouco acolhedor dos mais belos
sonhos duma Nação de Direito que se tem visto
coroada, ad
contrarii, por
desvigamentos e caquexias as mais diversas.
As rádios
regionais, a princípio de maneira incipiente –
muitas vezes de forma ingénua e seguramente
apaixonada – surgiram tendo a si estreitamente
colada a novidade de um meio que até então
parecia estar reservada a elites na órbita da
governação, mas também, e a breve trecho isso
foi notório, o cariz de servir muito bem a
propagandas e a inflexões onde não assentava a
melhor ética democrática.
Mas,
a pouco e pouco, a poeira foi assentando, os
percursos cimentaram-se e a aceitação popular
foi crescendo.
Em
Portalegre, uma das duas rádios pioneiras (Rádio
Portalegre) resistiu à erosão dos tempos e segue
emitindo regularmente com boa audiência, posto
que o seu impacto qualitativo – e o contrário é
que seria de estranhar – tenha perdido em boa
parte o fulgor dos iniciais
tempos heróicos.
Naquele tempo – falamos nos anos que vão de 80 a
95 – vários programas ganharam estatuto
significativo. Um deles chamou-se “Mapa de
viagens” e teve 36 emissões, divididas em duas
séries de dezoito com 4 meses de intervalo.
Multifacetado, seguindo um modelo apelativo e
apoiado em confrades que o ladeavam (o delegado
para contactos em Lisboa, José do Carmo
Francisco, foi uma peça muito importante na sua
efectivação) ele atingiu números fortes no
ranking
nacional das rádios
regionais (o terceiro mais ouvido no país).
Participaram nele nomes significativos da
cultura lusa por extenso, nos ramos da
literatura, da pintura, da canção, da ciência,
do cinema e do teatro, do mundo jurídico e
desportivo, etc. De Rui Mário Gonçalves a
Francisco Fanhais, de José Manuel Anes a Armando
Leandro, de Fernando Vandrell a Matilde Rosa
Araújo, de Carlos Pinhão a José Moura Semedo, de
Takis Panayotis a Joana Ruas, António Luís
Moita, José Bento, Adel Sidarus, António
Ventura, Amorim Afonso, Juan Pedro Moro,
Fernando Grade etc – trinta e seis convidados
ali estiveram comunicando com os ouvintes nos
seus ramos de acção.
Dinis
Machado foi um deles. O material que a seguir se
dá a lume recolhe dos prolegómenos até ao
escopro do programa, que teve a sua efectivação
numa bela noite de Junho que muitos não
esqueceram durante tempos.
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Carta de DM a
NS (manuscrita)
Lx.boa, 16/4/90
Meu caro Nicolau:
Muito obrigado pela sua carta e o seu interesse.
Também o José do Carmo Francisco me telefonou
por causa do seu trabalho. Em princípio estarei
sempre à sua disposição, mas estou com vários
assuntos em mãos, a minha mulher bastante doente
(e eu queria levá-la comigo a Portalegre) e uma
ida ao Norte, já com certo compromisso, próximo
dessa data. Pequenos problemas, é certo – mas
poderemos fazer o nosso “O olho e a lupa” lá
mais para a frente? Talvez Junho? É uma
hipótese, embora eu esteja a leste dos seus
compromissos. Diga qualquer coisa – e
encontraremos uma solução.
Um abraço chandleriano do
Dinis Machado
Nota – A mulher de DM
era a cantora lírica Dulce Cabrita, na altura
sofrendo de uma constrangedora afecção
psicológica.
*
Resposta de
NS a DM (dactiloscrita)
Portalegre, 23 de Abril de 1990
Caríssimo Amigo:
Grato pela sua carta e,
naturalmente, pela sua disponibilidade, que
espero se traduza, lá para diante – como sugere,
mas já iremos a isso – numa viagem e num
contacto em que terei muito gosto.
Antes de continuar,
espero que sua Mulher esteja melhor. Será com
muito gosto que a receberemos, também a ela (o
José do Carmo Francisco disse-me, a talho de
foice, de quem se tratava – e eu recordo,
recordei imediatamente, que uma vez li no
“Diário de Lisboa – Juvenil”, onde comecei a
publicar os meus poemas, a notícia de que a
rapaziada de lá poderia ir ouvi-la cantar numa
sessão dedicada aos jovens desse “Juvenil” que
foi uma coisa tão curiosa).
Ora bem: passando à data
da deslocação (e digo que compreendo os factos
que impedem a sua vinda agora): que tal 26 de
Maio ou 9 de Junho? Essas alturas estão livres;
seria possível? E, desde já, um obrigado forte
pela maçada!
(Já agora, um aparte
– mas importante para o meu filho Tó: ele, que
além de ser guarda-redes do Estrela – e já nos
séniores com 17 anos, desculpe este pai babado –
é um leitor impetuoso (de há uns meses para cá
lê com ganas e com discernimento, o que muito me
agrada) quando soube que eu o contactara, que me
havia escrito e que lhe iria escrever, disse-me:
“Ó pai, diz ao
senhor que gostei muito do “Molero”; diz-lhe
pai, está bem?”.
Prometi que sim, àquele adolescente natural e
puro. E aqui lho digo.).
Por ora é tudo. No
próximo sábado, cá estará Carlos Pinhão para “O
desporto de viver”. Anteontem foi o José do
Carmo Francisco e o António Ventura com “O homem
na cidade” (que correu bastante bem).
A propósito, no dia 4,
na “Barata”, será o lançamento nacional da
“Cidade”, revista dirigida pelo António
(Ventura) e da qual sou colaborador. Se
eventualmente lá puder aparecer, para além do
gosto de trocar consigo alguns minutos de
conversa, poderemos concretizar melhor a data e
a vinda. Se não lhe calhar, pois fico aguardando
o que entender dizer-me.
Retribuo o chandleriano abraço. E mando outro,
hammetiano, com apreço e estima.
Fica o
NSaião (manuscrito)
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“MAPA DE VIAGENS
– um programa sem fronteiras onde o ouvinte tem
figura de corpo inteiro
Emissão de 9 de Junho de
1990 (sábado) das 22 às 24 horas
“O
Olho e a Lupa”,
com Dinis Machado
Palavras introdutórias a
seguir ao Indicativo musical:
Falar de literatura policial é falar de segredo
e de mistério. E é também, ao mesmo tempo, falar
dos dramas insondáveis da alma humana e dos
desvigamentos da sociedade. Com efeito, assente
no enigma que provém do crime escondido e
propiciado por condições muito próprias, o livro
policial traça o perfil do homem e do meio
social em que este evolui. Mas há sempre, como
na fábula, “o
gato escondido com o rabo de fora”.
Nesta conformidade, tinha de aparecer alguém que
servisse de rectificador de destinos e de
acontecimentos: e aí está o detective da ficção,
uma das mais típicas personagens da literatura
do nosso tempo.
(música)
O
detective, seja ele amador esclarecido ou
profissional encartado, funciona sempre como um
verdadeiro Édipo – é aquele que desvenda o
segredo da Esfinge repondo o equilíbrio e a
realidade dos factos. Proporciona, no plano
psicológico que a escrita permite, uma
verdadeira catarse. O leitor de novelas
policiais, no fundo propõe a si mesmo uma viagem
pelos lugares ensombrados, cuja iluminação
simbólica é dada no fim pelo investigador de
ficção. E isto porque existe em toda a gente uma
apetência de mistério e, simultaneamente, uma
apetência de verdade nua e crua. Como muito bem
sublinhou o grande cineasta Woody Allen numa das
suas obras primas, “Os
dias da rádio”,
não era por acaso que por essa altura milhões de
ouvidos se colavam ao receptor, quando eram
emitidas as célebres novelas-radiofónicas
baseadas em textos de Maxwell Grant, Conan Doyle
e outros. Assim como não o era quando em Paris,
nos anos a seguir à Segunda Guerra Mundial, os
jovens artistas da Rive Gauche escreviam nas
paredes “Viva
Fantômas!”,
aludindo ao célebre personagem de Pierre
Souvestre e Marcel Allain. E quem não gosta das
histórias de Sherlock Holmes, Philip Marlowe ou
Poirot – sejam elas dadas nos livros, no cinema
ou na televisão?
(música)
Na
verdade, o segredo e o mistério são componentes
universais. E até entre os dogons do Sudão o
grande antropologista Marcel Griaule foi
encontrar relatos orais aparentados com aquilo
que no Ocidente tomou o nome de literatura
policial. Que, ressalte-se, não é um relatório
policiesco – mas sim ficção enigmática.
(música)
Hoje,
para falar deste tema aliciante, temos entre nós
um homem que além de ter escrito diversos textos
de que um se pode destacar pela sua brilhante
feitura, generosidade e força – refiro-me ao
justamente célebre “O que diz Molero”, que é
igualmente uma vibrante homenagem à literatura
viva – também escreveu textos policiários e que
é, além do mais, um apaixonado por este género
literário. É pois com muito gosto que aqui
recebemos, para dialogar com todos nós – e desde
já lhe dou as cordiais boas-vindas – Dinis
Machado.
(música)
Seguiu-se um diálogo com o convidado -
entremeado por música a carácter, leitura de
poemas adequados e pequenos trechos - havendo um
período de 15 minutos em que os ouvintes
interagiram com aquele e com o realizador do
programa. Foi lido, na ocasião, o poema seguinte
de NS, dedicado a Dinis Machado e que teria a
sua publicação posterior em livro na colectânea
“Os olhares perdidos”:
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MARLOWE
Aos deuses, que o
sereno céu sustenta
entre
Amarillo Road ou Canyon Drive
ou em esquinas de ruas
indiscretas
como luzes num bosque
além dos montes
ofereço as minhas horas
de amargura
e muitas meias-noites em
meu rumo.
Acresce que
fui sempre muito pouco
metafísico
mau grado a nostalgia
que me punge
ao longo de não
poucos
boulevards.
Morenas tive algumas,
mas não foram
mais que pistas abertas
p'lo destino
como louras que rápido
olvidamos
- fios de música
correndo pelo tempo
e uns sopapos ao norte
da figura.
Fiz de conta que os anos
eram flores
numa campa de amigos ou
de amores
sonhos que o vento leva
quando calha
como folhas das árvores
de Los Angeles.
Saber de mais é obra que
não chega
p'ra ti, p'ra mim, p'ra
todos os que sofrem
em vernáculo ou calão.
Dizer da vida o pouco
que nos dá?
Prefiro um
highball
bem fornecido
um disco de
hot jazz
a meio da tarde
(solarenga ou chuvosa)
- até as convenções nos
são propícias
se a carne é fraca,
posto que perspicaz.
Nos meus arquivos guardo
alguma 'sperança
mesmo que o tempo venha
e me devore.”.
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Nota final
O “Mapa de Viagens”
aconteceu durante a gerência do Dr. Nuno
Oliveira, que era na altura, e o foi em anos
seguintes, director do Instituto Politécnico de
Portalegre. Tinha o patrocínio da Empresa
“Delta” de Rui Nabeiro, de Campo Maior.
Durante vários anos
participei em outras realizações: rubricas
noticiosas e informativas, entrevistas e
programas de índole cultural, onde era
solicitado, nomeadamente, a dar conta das minhas
actividades, que eram razoavelmente menos
intensas que posteriormente ou mesmo agora, no
país e no estrangeiro.
Entrada outra gerência –
e decerto por simples coincidência – os
contactos pontuais que me eram solicitados ou
propostos cessaram. Não mais me foi dirigida
qualquer suscitação/pergunta ou dada qualquer
notícia sobre as minhas actividades, com
excepção de parabéns aquando dos meus
aniversários e pequenas nótulas aliás feitas com
apreço, ambos pelo Prof. João Ribeirinho Leal,
colaborador da emissora com um espaço de uma
hora, aos sábados de manhã - e a quem nesta
oportunidade agradeço furar dest’arte uma
“barreira de silêncio” que, ao autor
portalegrense activo/interventivo que continuo
sendo, não deixa de espantar um pouco… bem como
a diversas pessoas que se me têm dirigido.
ns
(Nótula - Nuno
Oliveira, a quem se faz referência no corpo do
bloco, como responsável pela gerência global
daquela estação emissora marcou indubitavelmente
o ambiente de relação da cidade mediante a sua
acção no cargo em que esteve provido. Culto e
aberto, de trato cordial e sensato, deu azo a
que a colaboração ali havida, tanto profissional
como amadora no bom sentido, ganhasse um rosto
humanizado e muito ligado ao interesse dos
ouvintes. |
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