AM -
“Dentro da
ditadura mais repressiva do mundo, dentro de um
país coberto por absoluto isolamento, dentro do
segredo.” In contracapa do livro “Dentro
do Segredo, Uma Viagem na Coreia do Norte.”
-
o que mais te interessou na Coreia do
Norte do ponto de vista literário?
JLP - No momento
em que escrevi esse livro, já tinha publicado
narrativas breves de viagem em várias
publicações, mas nunca tinha escrito um livro
inteiro sobre esse assunto. Ao mesmo tempo, os
livros que vinha publicando tratavam de temas
bastante pessoais, próximos da minha biografia.
Dentro do
Segredo foi um desafio que
coloquei a mim próprio: queria escrever fora dos
temas que me eram mais confortáveis. Assim, a
Coreia do Norte surgiu como uma opção extrema.
As enormes diferenças que encontrei foram aquilo
que mais me estimulou. Nesse sentido,
paradoxalmente, a Coreia do Norte acabou por se
tornar num tema que, em muitos aspectos, se
aproxima da ficção.
AM - Pyongyang
será uma cidade do medo ou uma cidade que
conversa consigo mesma?
JLP - Creio que,
por natureza, uma cidade nunca é apenas uma
coisa. Esse é, também, o caso de Pyongyang.
Apesar das características políticas e sociais
que a tornam única, há um aspecto importante que
Pyongyang partilha com todas as cidades do
planeta: do ponto de vista literário, é
inesgotável. Poderia passar a vida inteira a
escrever sobre ela e nunca acabaria de
descrevê-la.
AM
- Albano Nogueira, no JL/2 a 15 de setembro de
2015, no seu ensaio intitulado “Cinco
encontramos com Salazar” escreveu o seguinte:
"De nada do que sobre Salazar se tem escrito,
surge a imagem de que no fundo de si mesmo, ele
não fosse um homem só.”
- Como define a
figura de Kim Jong-Il?
JLP - Não há
maneira de definir pessoas, quer se trate de
ditadores criminosos, como é o caso, ou não.
AM -“Quando
comecei a ficar doente, soube logo que ia
morrer.” Assim começa o romance
Cemitério de Pianos.
-Foi a partir
desta certeza do narrador que o romance tomou
forma?
JLP - Não.
Essencialmente, esse romance utiliza a história
de uma família em várias gerações para falar de
Portugal, de alguns traços da sua identidade e,
de modo mais central e profundo, sobre a vida, a
morte e a passagem do tempo.
AM - Galveias está
sempre presente em toda sua obra, desde os
lugares, episódios e personagens da sua infância
e juventude.
- O que lhe
interessou explorar no livro intitulado
Galveias?
JLP - Desde o meu
primeiro livro, intitulado
Morreste-me,
que aquilo que escrevi se inclinou para uma
dimensão autobiográfica. Por diversos motivos,
esse foi sempre um percurso que me interessou e
que não rejeitei. Pelo contrário, tive sempre
vontade de aprofundá-lo. Tendo nascido em
Galveias, que é uma pequena aldeia de mil
habitantes no Alentejo, esse mundo foi-se
impondo tanto pela muito que me dizia respeito,
como pela própria originalidade dessa realidade.
Foi desse modo que se criaram as condições para
chegar a escrever o romance
Galveias,
que publiquei em 2014. Nessas páginas, a minha
aldeia é nomeada de forma literal e constitui o
espaço principal do romance. A minha intenção
principal foi retratar essa realidade o mais
fielmente possível, homenageando-a, levantando
algumas questões que contem e levando o mais
longe possível essa perspectiva própria e
pessoal.
AM - O livro é uma
homenagem a sua terra natal ou é a
universalização deste lugar?
JLP - Creio que
essas duas dimensões estão presentes. Colocar
esse nome na capa do romance, dar-lhe essa
importância e tornar Galveias o centro dessa
narrativa significa necessariamente uma
homenagem. Ainda assim, entendo que o texto
literário aspira à universalidade e, neste caso,
existe um trabalho concreto que é feito com essa
intenção. Não perdendo as suas características
essenciais, a Galveias deste romance é um espaço
exemplar.
AM
- Nenhum Olhar, que significado tem no
seu percurso literário?
JLP - Esse é um
livro que tem um papel fundamental no meu
caminho. Foi o meu primeiro romance. Quando o
escrevi, não tinha sequer a certeza de ser capaz
de escrever um romance. Ao nível dos temas que
tenho tratado nos meus livros, foi aí que lancei
algumas fundações principais. Foi um dos meus
primeiros passos e, já se sabe, os primeiros
passos são sempre essenciais na definição de um
percurso.
AM - "Uma casa
na Escuridão é um romance onde José Luís
Peixoto consegue um equilíbrio miraculoso entre
o pensamento do negrume que nos ameaça enquanto
espécie e o júbilo da ternura que nos resgata,
sempre, a escrita do autor, para um espaço
verdadeiramente intocado e novo.”
- Em obras como
Morreste-me, O Cemitério de Pianos,
e a obra acima citada, encontramos várias
perspectivas sobre a morte; é um tema que te
interessa?
JLP - Trata-se um
romance bastante invulgar, tanto quando
comparado com outros que escrevi, mas também com
a maioria dos romances portugueses deste tempo.
Na época, o mundo estava a mudar,
Uma Casa na Escuridão
é a expressão do modo como senti essas mudanças.
A morte está presente nesse romance muito por se
tratar de um tema a que é muito difícil fugir. A
morte é um elemento estruturante da vida. É por
essa razão e nessa perspectiva que a morte me
parece muito interessante enquanto tema. Já
escrevi muito sobre a morte e, com bastante
probabilidade, continuarei a escrever sobre esse
tema.
AM -
Sobre o diálogo
intercultural no espaço da CPLP, existem
dificuldades internas, em cada país, de fazer
circular a obra literária. Um dilema plural. O
livro editado em Moçambique, Angola etc. não
chega a Portugal, o livro editado no Brasil não
chega a Portugal, Cabo Verde, Guiné-Bissau etc.,
apenas uma dúzia de autores é que desfruta desta
sorte, como o seu caso, Ondjaki, Mia etc.
- Qual é o teu
ponto de vista sobre estes dilemas editoriais no
espaço da nossa comunidade?
JLP - Tenho pena
que assim seja. Parece-me uma oportunidade
perdida para todos. Espero que todos aqueles que
têm oportunidade de o fazer contribuam para
alterar esse cenário. Tento fazer a minha parte.
AM - “Sim, menina,
eu compreendo.
Além de tudo, se te prendesse, não seria vida o
que te dava. Com todos os percalços e
transtornos, viver é continuar.”
Excerto do seu
novo livro intitulado Em teu ventre,
chegará às livrarias portuguesas numa edição da
Quetzal.
- o que se pode
esperar desse livro?
JLP - Trata-se de
uma novela. Essa é uma novidade para mim, é a
primeira vez que publico um texto que
abertamente se define como uma novela. Pela
minha parte, espero que os leitores se
surpreendam com a perspectiva que apresenta.
AM - O que e que
nos conta?
JLP -
Trata de um tema muito português, bastante
específico e concreto, e, assim mesmo, bastante
universal. Como em Nenhum Olhar,
Cemitério de Pianos, Cal, Livro
ou Galveias, essa tem sido uma
reflexão que me interessa muito fazer. A
literatura, com frequência, organiza a memória
de um país. Como nos títulos que referi, este
também é um caso em que essa é uma das
principais ambições do texto.
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