Adelto Gonçalves,
jornalista, cronista e historiador, escreveu o
seu terceiro livro de História. Romancista e
contista, o seu interesse maior está na
literatura, mas os seus dois primeiros livros na
área de História foram sobre dois poetas
setecentistas: Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810)
e Manuel Maria de Barbosa du Bocage (1765-1805).
Mas, mesmo nestes dois livros biográficos –
Gonzaga, um
Poeta do Iluminismo
(Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1999) e
Bocage, o
Perfil Perdido
(Lisboa, Editorial Caminho, 2003) –, Adelto é um
cronista: ele adora os detalhes, as localidades,
as vidas pessoais, os sucessos literários, as
amizades e as brigas.
Além disso, os dois poetas também foram
influenciados pelo sistema jurídico: o pai de
Bocage foi juiz de fora em Beja, em Portugal, e
ficou encarcerado durante sete anos, nas garras
do intendente Pina Manique (1733-1805); e
Gonzaga, o inconfidente ouvidor de Vila Rica,
ainda voltou a ser funcionário régio durante o
seu no exílio na Ilha de Moçambique.
Adelto nestes dois livros mostra como se pode
fazer História sem obrigar o leitor a enfrentar
um texto enfadonho. As duas obras são um tesouro
de detalhes para os historiadores e apresentam
muitas informações novas sobre os dois poetas.
Já em seu novo livro,
Direito e Justiça em
Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial: 1709-1822
(São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2015), ele estuda um tema bem presente
nos outros dois: o Direito setecentista, mas,
desta vez, na capitania de São Paulo.
O autor considera este livro um trabalho
complementar aos de Stuart B. Schwartz e de Arno
e Maria José Wehling sobre o Tribunal Superior
da Bahia e o Tribunal da Relação do Rio de
Janeiro, respectivamente. Mas este livro de
Adelto é um pouco diferente: é menos um estudo
institucional e de suas práticas e mais uma
análise da atuação dos funcionários e do
comportamento das pessoas.
Também não se inicia com o ano da criação da
capitania (1709), mas sim com a colonização de
São Vicente no século 16, com o donatário perto
da sua cidade natal, Santos. A exemplo de seus
dois livros anteriores, este é igualmente
inclusivo e amplo. Inclui Rio de Janeiro e
Salvador, quando administravam o território de
São Paulo, o que abrange todo o período
colonial.
O retrato que Adelto Gonçalves traçou mostra o
desenvolvimento de cargos relacionados com o
dinheiro. No período inicial, o Direito ficava
nas mãos de uma variada classe de funcionários:
juízes ordinários, vereadores, meirinhos,
provedores e corregedores, que não tiveram uma
educação formal na Universidade de Coimbra, em
Portugal. Julgavam e decidiam com base nos usos
e costumes. Era difícil pagar o salário de um
funcionário, se não houvesse uma base
financeira. Por isso, o governo em Portugal até
hesitou em nomear novos representantes de seu
poder em tempos duros.
Por exemplo, a cidade de São Paulo, durante a
Guerra da Sucessão Espanhola, nem contou com
ouvidor nem governador. Afinal, faltava
representação a Portugal. Importante era que os
outros funcionários, da Câmara, da Provedoria,
da Alfândega, os juízes ordinários, eram todos
oriundos de famílias locais e faziam movimentar
a Justiça e os negócios do Estado. Quase todos
tinham comprado os seus ofícios, que ficavam
entre membros de sua própria família durante
várias gerações.
Depois da separação das capitanias de São Paulo
e Minas Gerais, a situação mudou para um regime
de reinóis. Os dois principais cargos de Justiça
eram os de ouvidor e o de governador e
capitão-general (cargos concomitantes). Os
ouvidores administravam a Justiça na comarca, os
juízes de fora na cidade ou nas vilas, enquanto
o governador e capitão-general era a cabeça da
capitania.
Para melhor entender como isso funcionava,
Adelto descreve a atuação de cada ouvidor e
governador setecentista (mesmo se não tomavam
posse!) e explica como eles, na maioria das
vezes, desentendiam-se. Até porque não estavam
bem definidas as áreas de atuação de cada um. E
um sempre podia invadir a seara do outro, o que
causava descontentamentos e atritos.
Nesse sentido,
Direito e Justiça em
Terras d´El Rei na São Paulo Colonial
fica bem perto do livro sobre Gonzaga, que como
ouvidor na Vila Rica, brigava bastante com o
governador, o que também ocorreu em Moçambique.
Ou seja, a administração colonial não seguia um
compêndio de regras fixas, mas dependia do humor
e da decisão de personalidades. Utilizando a
correspondência do Conselho Ultramarino e do
secretário do Ultramar, o autor explica cada
controvérsia, especialmente entre estes dois
altos funcionários e oferece boas explicações
sobre os acontecimentos na capitania. Fiquei,
por exemplo, bem surpreso e contente com os
detalhes acerca do roubo do quinto de Mato
Grosso (o ouro foi trocado por chumbo). Aqui,
Adelto se mostra um minucioso pesquisador.
Com a chegada da Corte em 1808, mudaram-se
também os poderes nas capitanias, inclusive na
de São Paulo. Entrou aqui no jogo político uma
importante família local, a de José Bonifácio de
Andrada e Silva (1763-1838). No caso da
capitania de São Paulo, as elites locais
passaram a ter um contato direto com o centro do
poder, que ficava no Rio de Janeiro. Assim,
mudou-se a balança de um governo de reinóis para
um governo essencialmente paulista.
O autor nunca quis dar a palavra final sobre a
justiça colonial, mas, com certeza, deu início a
um debate. Afinal, os historiadores vão
encontrar neste livro informações importantes,
especialmente sobre ouvidores, juízes de fora,
juízes ordinários, vereadores, corregedores e
provedores e a própria Justiça à época. Como
está para ser publicado também o livro
Magistrados a serviço
do Rei: a administração da Justiça e os
Ouvidores-Gerais na Comarca do Rio de Janeiro
(1710-1790),
de Isabela de Mello, temos de agradecer a estes
dois autores por terem dado à
Justiça o lugar que
merece na História do Brasil.
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