Em
tempos de Olimpiadas-Abertura-Nota-1000, vou
lembrar um velho herói nacional. Mas nem herói e
nem nacional. Para aquele que o criou — Mário de
Andrade — “nem se pode falar que Macunaíma é do
Brasil. É tão ou mais venezuelano como da gente
e desconhece a estupidez dos limites...” Sua
falta de caráter é hiperbólica: não apenas não
tem caráter moral, mas não tem caráter enquanto
tal (é “sem característico”).
Se pensa no Brasil
como país tropical, alegre e otimista. Para
Mário, era o pessimismo do seu herói que lhe
permitia ser “amigo sincero” dos seus patrícios:
“Heroísmo de arroubo é fácil de ter. Porém o
galho mais alto dum pau gigante que eu saiba não
é lugar propício pra gente dormir sossegado.”
Oitenta anos depois, país das
Olimpiadas-Abertura-Nota-1000 (mas nem por isso
1º
lugar na
classificação de medalhas), o Brasil é
reconhecido também como país dos
Brazilionaires
(Alex Cuadros).
Entre eles, Eike Batista, os Marinhos do Império
Plim Plim e Edir Macedo, fundador da Igreja
Universal do Reino de Deus. Bom ou ruim?
Emblemático no que diz respeito a explicar
processos de acumulação de riqueza e
desigualdade.
O contexto não é o do
ressurgimento dos governos de direita na América
Latina, ele próprio uma ressaca da esquerda (que
no Brasil esteve firme no poder por mais de 12
anos). Dois eixos ajudam a pensar a situação
para além da suposta dicotomia: ajuste fiscal e
funcionamento das instituições democráticas. Num
artigo recente, o colunista da
Folha de São Paulo
doutor em sociologia pela Universidade de
Oxford, Celso Rocha de Barros, sugere que o
Partido dos Trabalhadores teria tido dificuldade
em reconhecer especificidades da economia por
“ter sido fundado em um momento em que se fazia
a crítica do marxismo soviético”.
Salvo
que essa crítica (tal como se encontra, por
exemplo, em obras de autores como Michel
Foucault, Gilles Deleuze e Jacques Derrida)
deveria, pelo contrário, ter feito redobrar a
atenção com relação à fragilidade das
instituições democráticas e aos perigos
intrínsecos à economia de mercado e políticas de
maximização. A lição de casa foi mal feita (da
academia aos ministérios, passando pela coluna
dos jornais), e o país seguiu em boa medida na
direção oposta. Tiraram-se milhões da extrema
pobreza, mas através de estratégia
desenvolvimentista amarrada a commodities do
agronegócio e impulsionada pelo favorecimento de
oligarquias.
Página
virada (sic), reconhece-se a importância do
ajuste fiscal (sem o qual o que acaba mais
enfraquecido é o próprio Estado), mas segue-se
ignorando problemas relativos à tributação e à
necessidade de uma auditoria da dívida pública.
A direita tradicional se diz liberal, mas é
ainda mais dogmática no que diz respeito ao
entendimento do funcionamento da economia, e
cega diante da fragilidade da democracia. Vai
reduzir recursos na educação e manter tal como
estão os privilégios da casta política e do
judiciário, ao mesmo tempo em que é incapaz de
dar provas minimamente convincentes de que o
combate à corrupção ocorre de forma imparcial
(atingindo outros partidos que não somente o
PT). Os meios de comunicação oficiais são no
geral coniventes. Os não oficiais tendem a se
vitimizar.
Se o PT se omitiu e
contribuiu pouco para investigação e punição
efetiva dos crimes cometidos no período da
ditadura militar, o governo Temer agora retoma o
Gabinete de Segurança Institucional. Vem às mãos
de Sérgio Etchegoyen, que se diz ser general de
linha dura do exército com familiares apontados
na Comissão Nacional da Verdade por violações
aos direitos humanos (matéria “DNA Repressivo”
da revista
Caros Amigos
n. 231). Pode ser que não passe de comportamento
pavônico. Voltando ao prefácio do Macunaíma,
ainda vive-se num país em que “o praceano
considera a Providência como sendo brasileira e
o homem da terra pita o conceito de pachorra
mais que fumo”.
Lugar
propício pra se dormir sossegado?
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