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Revista TriploV de Artes, RELIGIÕES & Ciências . Ns . Nº 58. maio-junho 2016 . Índice
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Mauricio Gomes é professor de Literatura e Especialista em Jornalismo Cultural. Seu primeiro livro (Des) Caso com a poesia: Inquietações foi lançado em 2012. Em Portugal, participou de uma coletânea de poemas, o nome do livro é Poética. O seu trabalho poético também está na Revista de poesia e arte contemporânea Mallarmargens. Em 2014 participou do Festival de Poesia Internacional no México e do Festival de poesia da Unesco, também no México. Agosto/15 sairá o livro em bilíngue, português-espanhol, com o título: Sangre Gris, no México. Em junho de 2015, participou do 2ª Encontro de poesia Internacional, novamente no México.

MAURÍCIO GOMES


Ilhas

Eu sou uma ilha-poeta

Hoje à noite, é para você que falo.

Eu sou um poeta, você sabe, e é isso que os poetas fazem. Eles não falam às multidões.

Não, um poeta fala a um ser humano em um momento delicado. Um de cada vez, mesmo se for vários.

Porque estamos sozinhos: você sabe.

Cada um de nós, cada um de nós está sozinho como uma ilha.

Você é uma ilha, eu sou uma ilha, estamos sozinhos, além do horizonte.

Mas eu sei que você está lá.

E você me conhece, sua ilha é tão perto da minha.

Ou você não me conhece, mas você me conhece bem.

É que as ilhas estão ligadas por via marítima e o mar é a nossa forma de viajar.

Se você olhar de perto, nós, seres humanos, na realidade, somos um arquipélago.

Parêntese de cultura geral: (Arquipélago, conjunto de ilhas dispostas em grupo numa superfície de maior ou menor extensão).

Você e eu somos arquipélagos possíveis, a memória de um futuro possível.

Então, qual é esse mar que nos separa e nos une?

Eu vou dizer, é o oceano da linguagem.

Idioma, este espaço descontínuo, de trocas incertas, fragmentado, desajeitado, às vezes fugaz, às vezes brutal.

Este é o nosso espaço comum, com ondas e montanhas.

Vácuo total é a linguagem. Esse é o seu paradoxo e a sua beleza.

Nas cavidades, nas dores da linguagem, há amor e sofrimento, há significados e ambiguidades, há noites enigmáticas no vazio da linguagem.

As palavras são ondas, marés, por vezes, tempestades.

E eu sou uma ilha-poeta.

Olho para o que somos e eu sei muito pouco.

Eu sei que só hoje, somos seres que falamos sem pensar e rimos juntos.

Não pensar é importante.

A palavra trocada é melhor do que a palavra pronunciada, mesmo no coração do nosso drama ilha-humano, às vezes você não tem escolha a não ser gritar.

Mas o homem que chora será constantemente coberto por outros gritos, porque o mundo é tal que sempre um homem grita.

O homem que faz o silêncio não pode ser coberto em silêncio, e todo mundo vai ouvir o seu silêncio em torno dele.

E o silêncio é o dom que cada um faz para o outro de modo que as palavras são realmente trocadas.

Meu silêncio não está vazio, ele está cheio de sua palavra, é espaço para a sua mente.

Quando minha memória está em ruínas, o silêncio é o arqueólogo.

Um poeta oferece este silêncio.

O que ele é, um poeta, com seu conhecimento intuitivo da língua?

Ele escreve com uma goma em vez de um lápis.

Ele desenha um sopro no coração do barulho.

Ele sussurra em meio à névoa.

Ele sopra sobre as cicatrizes.

Ele dorme o sono da vigília.

Em cada cidade há uma rua do silêncio

Ele sabe que a noite não obscurece o dia, mas se estende.

 Mais tarde, ela vai anunciar.

Ele tem poesia na boca.

Ele quer o despertar dos sentidos.

Ele escreve poesia atrasada.

Ele bebe o sopro do sol. Ele olha em frente, torna-se um sangue vermelho instantâneo e cego, e então, quando a ordem vem em fragmentos, por um raio escuro, ele se esforça para manter os olhos abertos e ele escreve em meio a lágrimas.

 Eu escrevo poemas de sombra.

Para minha palavra deixar um traço na água.

Aqui, deixe-se estabelecer um silêncio perturbador, questionando, talvez até perplexo.

Ele fala em silêncio.

Seu discurso chamou o silêncio como o pincel de tinta preta chama a neve.

Ouvir o paradoxo do poeta: ficar em silêncio não é silenciar.

O poeta é uma fábrica de silêncio quando ele fala.

Cada um de nós é uma ilha, um recife de coral branco e roxo que inclui um vulcão, possivelmente extinto, talvez ... mas este vulcão é a partir do centro da Terra e o centro da Terra é o nosso berço comum.

E se todo mundo é bárbaro outro, não se esqueça que todo mundo é seu próprio primeiro bárbaro.

Falo com você a sós.

Eu ofereço-lhe o silêncio e a lentidão.

Pense nisso, se você não ouvir os pés do pássaro na areia, ao amanhecer, ele deixa pegadas.

A dança do silêncio é o sussurro da nostalgia.

Eu olho para você em silêncio e penso na suavidade que compartilhamos. Realmente, o nosso encontro ocorreu nos restos de um jardim, nas lágrimas murmurando sombras.

Nossos irmãos errantes, furtivos como a sombra de um olhar, tomaram a estrada.

A estrada é a sua casa.

Eles têm a arte sutil do sorriso escondido,

suas palavras são raras, mas eles falam com a luz da boca.

Eles são a nossa luz, nosso abandono do mundo.

E eu, ilha-poeta, eu vivo com estes poemas sombras e ventos.

Eu me comprometo a você esta noite.

Então sonha com isso, em sua solidão compartilhada:

Digo, nas profundezas dentro de nós.

Pois sem o silêncio, a fala é uma onda fria da atmosfera.

Pois sem o silêncio, a fala é assassinato.

Poema 2-

"Mitä tapahtuu todella?"
(O que está acontecendo?) - Pentti Saarikoski

As águas do oceano se petrificaram
As areias do deserto voaram com a ira dos ventos 
Não há mais nuvens
Não há mais céu
Não há mais deus
As pétalas já não abrem
As abelhas sobrevoam carcaças 
Dentes esmagam ossos de elefantes
As folhas das árvores são camadas ácidas 
Caem e se dissolvem à espera de um outrora
Esqueça, dear! 
Esqueça o passado!
Sua voz rouca 
Arranha filetes retilíneos, 
Incompreensível!
Sua pele graxa negra
Pegajosa 
Feito réptil 
Feito andrógino
Outrora!
Outrora!
Esqueça, dear!
Esqueça!
Não há lágrimas
Não há ventrículos 
Nem direito
Nem esquerdo
Há ventríloquos
Pássaros noturnos sem asas
Agourentos 
Cantam a dor sem pele
Sangue cinza
(de Maurício Gomes )

Poema 3:

Este é o momento menos adequado para escrever um poema
Não estou a fim de escrever um poema
Neste exato momento leio Tarkovski
E sem premonições e superstições, o deixo
Não me aparece nenhuma palavra 
Nada interessante para escrever
Nada de extraordinário
Nada surpreendente
O cigarro é um cigarro
O espelho é um espelho 
E enferrujado
A poltrona é uma poltrona
E não me lembro de nada
Não tenho vontade de fumar
Não tenho vontade de beber 
Tudo à minha volta não se transforma
As mesmas quatro paredes brancas
A janela
Uma cama
Banal 
Tenho sido a mesma pessoa do dia de ontem
Um pouco hoje melancólico
Talvez nem saiba mais se estou
Talvez, se tivesse, nasceria um poema
Não quero falar de sexo e nem violência
Nem dizer uma palavra ou uma frase bonita 
Não tenho expectativas 
Nem com o poema
Nem comigo
Que tudo se exploda ou queime
A inspiração é o um suor neste dia quente
E ela se foi pelas rachaduras das paredes
Preciso de um legista

Poema 4:

Rabisco

Inexpressivos supercílios na tarde de verão 
Cirros e alabastros cortam as palavras quentes 
E a solidão cantarola sobre servidões
Palavras reféns do olhar
E o velho poeta rabisca
Desastrado 
A sua mansidão 
E molda em prelúdios
-----------------
Alimentando os apêndices versáteis do céu que escurece
Seus vícios estéreis dão à luz a escuridão
-------------------
Feridas no estômago
---------------
Doem palavras

 

Poema 5:

 

Quilômetro zero
Não sei se é o início ou o fim da estrada
Quilômetro zero
Não sei se as rachaduras dos meus ossos 
Foram facadas dadas ao longo da vida
Não sei onde estou
Quem sou?
Um sonhador de estrelas
Abandonado pelo destino em algum lugar no espaço-tempo
Como um soluço
Num mar 
Alongamento para o vazio
Luar de feixes manchados
Vibrando com medo
A partir de uma garoa de cometas.
Tendo em meu coração
Transbordamento.
Canto,
Acreditando na vida eterna,
Chamando para o espaço
Este controle remoto
Que me fascina
Quem está assistindo
Sob a luz ou no breu ,
Sob condições de poeira
Que respiramos de palavras
Afastando-se.
Mantendo o eco de nossos corações
Viagens
Para sempre no espaço.
Fingindo cegueira,
Girando para o horizonte
Pronto para espalhar
Como um refrão 
Quem sou? Quem sou?
Embalado pelo efêmero
Fazendo uso da nossa vida
De acordo com o tempo das batidas do coração
Este relógio sem pálpebras 
Conto as horas 
Surpreendido pela idade,
Deixando rugas profundas
Em meu rosto
Vivo escondido entre as sombras
O último suspiro,
Onde a única saída
É o espaço
Quem sou?
criança
este pó
Que continuamos
Como as ondas
Depois do amanhecer suave
Dando-nos as asas
Que metamorfoseiam
Num elegante
Voo de andorinhas.
Quem somos?
estrelas frágeis

Poema 6:

Meu país não vive
meu país geme sua miséria
através das árvores
e as águas errantes murmuram
rochas viris
meu país é caótico
como uma carreira de dentes de serra
meu país é uma merda
é tão louco 
meu país
O meu pobre país
meu país serve como manjericão ao molho dos outros
meu país tem o rabo de uma prostituta drogada
de um stripper mal pago

Poema 7:

Labaredas

Eu não sei o que as mulheres sulfurosas
servem aos seus tormentos
você deve esticar a adriça
içar a vela fora da vista
as chamas irão dissipar as ondas atuais
o ataque de ventos fortes
antes que eles comem seus sonhos
suspenso no limite dos seus passos
insistem em não parar
fixa sua tontura em paisagens imaginárias
quando o crepúsculo se transforma para disparar o sorriso
seu sorriso incendiário queima em alta temperatura
as suas chagas são marcas do seu nascimento
seus ombros carregam o abcesso das suas feridas
o momento em que os sinos dobram
e insultos prostrados no chão
Além disso, estarei lá
lá, bem distante dos sonhos
já a dançar pela staccato dos nossos passos
staccato
staccato
Vamos beber ao sucesso triunfante
vela sobe fora da vista
Não vamos destruir os barcos de papel
Vamos brindar?
o riso culmina por contágio

Poema 8:

A palavra é felicidade
Nada mais me assusta e nem me surpreende, quando tudo está de volta. O frescor das respostas, os anjos de procissão, as sombras do passado, as pontes do futuro, especialmente a alegria de chegar (em algum lugar). Eu sempre quis ir mais longe, mais alto e mais profundo, fundo e me livrar da rede que me aprisiona em suas malhas, tecidas por correntes adamantinas. Depois de todos os meus movimentos, o tempo sempre me trouxe até à porta. Sob as folhas espalhadas no quintal, sob os beirais dos telhados da cidade, miragens do deserto, a porta ainda está fechada. Esta foto de um homem com uma máscara moldada pela morte é um impasse para qualquer pergunta. Os homens falam. Os homens começaram a falar e a felicidade floresce nas axilas de cada folha na palma de cada mão cheia de presentes e esperanças tolas e vãs. Se estes homens falam de amor, sobre a face do céu, devemos ver as nuances dos movimentos que se assemelham a um sorriso. As correntes caíram, tudo é claro, tudo é branco – as pesadas noites de brisa amena são levantadas, varrida por grandes ondas de luz. O futuro está mais perto, mais flexível, mais tentador. E, na avenida que liga ao presente, um longo e pesado colar de corações brilhantes como o fruto do medo que marcam a noite no topo dos postes de iluminação, lâmpadas contornadas por carrosséis de mariposas.

Poema 9:

 

Possessão!

Eu sou você, mon cher!
Sim, pelas encostas da sua dor!
Sim, nas arestas da sua sombra opaca escorrendo entre meus dedos trêmulos 
Sim, sou você!
Sim, o soco oco roxo do seu rosto
Foi marcado pela minha ira 
Minha possessão impregnada no seu olho cor de mel
Violento e triste
Sim, seus lábios me dizem o fim 
De mim
Na sua pele o amor se calou
Sim, sou você!
Suas palavras são éteres 
Inflamáveis e luminescentes 
Sua língua víbora fogo negro
Tatuou minha pele nua e fria 
Não sou você, mon cher!
Minha tristeza profunda nasceu no inverno
Janelas fechadas
Tateio o invisível e o vazio
Não sou você!
Espero a outra sombra

Poema 10-

 

O céu me apresentou nuvens amarelas nauseabundas
corpos abatidos e submersos na voluptuosidade metálica dos seus sonhos
O dia amanheceu seco de ternura
nem o canto de um pássaro amarelo químico tritura os ossos 
O silvo das serpentes rasga as águas amarelas
cadáveres empalhados espalhados como espantalhos nas lavouras mortas
Pousou na cabeça sem sonhos
o pássaro amarelo
apertou com suas garras os miolos 
vomitou sangue amarelo
 
 
 
 
 
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