No Palácio da
Independência, em Lisboa, neste 25 de maio de
2016, António Júlio Estácio fez o lançamento do
seu último livro,
Bolama, a saudosa...
Auditório cheio, em costumeiro manifesto da
solidariedade dos guineenses com a sua gente,
esteja ela na diáspora, no seu "tchon" africano ou nem à nacionalidade
pertença. O que pertence é a saudade de quem lá
cresceu e viveu os anos mais impressionáveis,
como são os da adolescência, caso próprio.
Já não é
inteiramente o de António Júlio Estácio,
nascido em Bissau em 1947, que ali fez o Liceu
e onde decorreu grande parte da sua vida
familiar e profissional.
Como Tony
Tcheka declarou ao apresentar a volumosa obra -
quase 500 páginas -, a importância da informação
que transmite minimiza
as imperfeições técnicas e académicas. O livro
cataloga mil e um factos históricos, políticos,
sociais e culturais relacionados com a ilha de
Bolama. E é
tão mais importante quanto nesta altura se
esboça um movimento de pressão para que seja
conferida autonomia à ilha. A sua história é mais
relevante para a Guiné-Bissau e para o mundo do
que a de Bissau. Bolama foi a antiga capital, ali
apareceu a primeira tipografia do país, ainda no
período colonial. Factos inultrapassáveis da
política colonial de toda a Europa ligados à ilha
merecem, como faz António Júlio, ser trazidos à
tona, e os da escravatura são pungentes. Porém nem
toda a marca do colonialismo é nefasta, por isso gostava
de acrescentar à multidão de temas apresentados
em Bolama, a saudosa..., alguns que
constam do meu próprio currículo de
investigação em História da História Natural em
Portugal e antigas colónias, e acrescem
peso à necessidade de preservação da memória de
Bolama.
Não só a ilha, mas todo o território guineense
foi objeto de exploração científica em três
momentos-chave, independentemente de explorações
ou colheitas de objetos científicos ocasionais,
pois em dada altura saiu legislação a solicitar
a governadores, administradores e aos
profissionais mais próximos da tarefa - médicos
e farmacêuticos - que enviassem para os museus
exemplares da flora, da fauna e da mineralogia
dos territórios em que se encontrassem. Mais
marcantes, entretanto, foram as explorações de
financiamento estatal, promovidas por
universidades ou, já no século XIX, pos
instituições científicas em que avulta a
Sociedade de Geografia de Lisboa, que acompanharam o
movimento científico internacional e alguns
episódios candentes da política nacional.
É assim que
recordo um dos primeiros exploradores científicos,
ou o primeiro, ainda no século XVIII, João da Silva Feijó,
destacado em Cabo Verde mas que se deslocou à
Guiné, então ligada administrativamente ao
arquipélago cabo-verdiano. Tratava-se de um
movimento destinado a estudar todas as colónias,
ligado ao Iluminismo e à Universidade Reformada,
a de Coimbra (a única, à data)onde pontificou Domingos Vandelli, mestre e
instrutor de todos os naturalistas encarregados
do estudo.
Em finais do século XIX, em conexão com o
nascimento das sociedades de geografia, aparece
na Guiné, e passa por Bolama, um ao tempo famoso
explorador italiano,
Leonardo Fea. Para informação específica sobre o
material científico que coligiu em Bolama, veja-se
o seu artigo:
Dalla Guinea
Portoghese. Bolama, 1º Dicembre 1899.
Bolletino della Società Geografica Italiana,
fasciculo V: 436-457, 1900.
Seu colega português, a seguir-lhe as passadas,
na recolha de exemplares de plantas, animais e
rochas, muitos dos quais foram
descritos como espécies novas para a ciência, e
por isso algumas trazem no delas o nome do explorador,
foi Francisco Newton, um homem do Porto,
conhecido na adolescência como um dos "meninos
do Leça", grupo a que pertencia também o poeta
António Nobre, e o seu irmão, Augusto Nobre,
ilustre naturalista e professor na Academia
Politécnica do Porto. Grande parte dos milhares
de exemplares que deram entrada nos museus
portugueses, em especial os da Escola
Politécnica de Lisboa, foram estudados por José
Vicente Barboza du Bocage e os resultados do
estudo, quanto a Aves, Répteis e Mamíferos,
estão publicados no
Jornal de Sciencias
Mathematicas, Physicas e Naturaes, da
Academia Real das Sciencias de Lisboa. Embora a
publicação pertença à Academia, a motivação das
campanhas do século XIX gera-se, como já
apontei, na Sociedade
de Geografia, de resto Bocage foi um dos seus
co-fundadores e um dos seus presidentes.
Em meados do século XX, num quadro científico
que visa também a propaganda do Estado Novo, que na Exposição do Mundo Português
alcançou o seu apogeu, temos em Bolama e no
resto da Guiné um naturalista, Fernando Frade,
que ao tempo foi reconhecido internacionalmente
como grande especialista em elefantes. No TriploV
publicamos
notícia alargada desta campanha, cujos
resultados foram de 60 artigos publicados, a
cobrirem muitos assuntos e grupos de seres vivos. A
referência de base é constituída pelo relatório
final, assinado por -
Fernando Frade, Amélia Bacelar & Bernardo
Gonçalves (1946) - Relatório da missão
zoológica e contribuições para o conhecimento da
fauna da Guiné Portuguesa. Separata dos
Anais da Junta de Investigações Coloniais,
Lisboa, Vol. I. Trabalhos da Missão Zoológica da
Guiné (1-5): 259-416.
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É de saudar o movimento que visa preservar
o património arquitetónico, monumentos e quanto,
como a informação contida nas obras de
escritores que ali viveram, representa parte
substancial não só da memória histórica de
Bolama como de toda a Guiné-Bissau e do mundo
ocidental, já que as colónias não eram isolados
culturais; tal como hoje, as relações políticas
e culturais são internacionais, e quantas vezes
não são chamados a arbitrar questões difíceis
países estranhos até à política colonial, como
foi o caso, relatado por António Júlio Estácio,
de Ulysses Grant, presidente dos USA, ter
decidido a favor dos portugueses a pertença da
ilha de Bolama, reclamada por país vizinho.
Bolama,
a saudosa..., e saudosa porque António
Júlio transfere para a ilha toda a sua
nostalgia, é um contributo valioso para
fundamentar a exigência de autonomia
administrativa com o propósito de a salvaguardar
como património histórico, já que a
instabilidade e insegurança dos sucessivos
governos da Guiné-Bissau ameaçam deixá-la
entregue a um futuro de ruínas.
Odivelas . 26.05.2016 |
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