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LUIZ
OTÁVIO OLIANI
Poemas
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MÃOS
DESUNIDAS
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serei o poeta do passado
embora
dele me alimente
canto o
presente
que
Drummond não vê
nada de
serafins
cartas
de suicida
- os
homens aterraram
a
palavra amor
num
canteiro de obras
as mãos
desunidas
traduzem: os espinhos
inda
sufocam as flores
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TERESA
e agora Teresa?
meu mundo ruiu,
o bule entornou...
café derramado,
toalha manchada.
com a chave nos dedos,
cadê solução ?
a porta fechada,
a casa sem água...
o forno sem torta,
a rua com lixo...
se você cantasse
o tango argentino !...
se você tocasse balalaica
!...
se você voasse...
se você fizesse alguma coisa,
Teresa !
mas você
só me pede versos
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ENCANTAMENTO
no balde
de juçaras
o homem
busca
a água
de que precisa
no
terreno seco
procura
o vento
encontra
Deus
disfarçado de sabiá
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RESGATE
como
posso resgatar
o que
não existe em mim ?
ao
beijar a solidão
eu me
dispo por inteiro
da
escória que é o homem
na
inútil tentativa
de ser
Deus por um minuto
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CONSTRUÇÃO
A Lara de Lemos
a
palavra é adaga
a cortar
os pulsos
contra
ela
milícias
bombas
são
inúteis
canhões
não têm vez
sequer
mordaças
a
palavra não se cala
grita
ejacula goza
a
palavra é adaga
fere,
mata
mas
também é espera:
seu
tempo é todo o tempo
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DESATINO
dentro
de mim
uma
caixa de sapatos
meia
dúzia de pipas
um gibi
meu pai
virou rio
deixou
inventário
o que
ficou
além da
herança?
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O
POETA E O OPERÁRIO
A Maiakóvski
o que
difere
o poeta
do operário?
na
maquinaria
o
trabalho braçal
dá lugar
à escolha
de
substantivos
verbos
metáforas
se um
carrega cimento
terra
areia
o outro
esculpe o ser
talha a
essência
se um
usa espaçador de piso
espátula
roldana
o outro
opera em silêncio
na
construção do poema
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SEMEADURA
“Já a poesia não se dá, como flor.
Escrever se faz difícil
passagem em caverna estreita.”
Lucia Fonseca
o vazio
dá
espaço à escuridão
olhos
percorrem
o
silêncio da caverna
em busca
de letras
no signo
de metáforas
as mãos
ouvem as flores
Deus se
cansa
de
acariciar o vento
o
resultado?
o poeta
escreve
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EM
NÓS
o que há
em nós
é a
espera
que não
finda
o que há
em nós
é o
desejo
de ver
no outro
o que
nos falta
o que há
em nós
é a
espera do porvir
que
nunca chega
o que há
em nós
é a fome
que não
sacia
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ESBOÇO SOCIAL
“Os fantasmas têm que existir”
Adalberto Marques
fantasmas
habitam
pessoas
cegas
surdas mancas
não
ouvem a fome alheia
não
tateiam a dor dos miseráveis
não
enxergam o coração dos desvalidos
a
sociedade se compadece
de ter e
não de ser
defeca
arrogância
ri de si
mesma
se julga
superior
esquece
que
os
espelhos
ainda
existem
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DO
TEMPO DAS COISAS
na
parede
a
madureza
dos
relógios
no
aparador
as maçãs
intactas
no
quadro à parede
a morta
não
comerá das frutas
não verá
as horas:
o tempo também não lhe
pertence
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METEORITO
"O eterno é que me veste"
Astrid Cabral
não planejo escrever um verso
ele vem até mim
e explode em linguagem
domesticado
não fujo da sina
se o poeta é
imerso no coletivo,
como usar o verbo
sem que represente
a si próprio?
mesmo assim
escrevo
escrevo
não para ser eterno
nem alcançar glórias
escrevo
porque sou instrumento
da palavra que Deus sopra
em meus ouvidos
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RESÍDUOS
um dia
fomos
caule
frutos
árvores
entrelaçadas
agora
não temos raízes
somos
adubo
alimentamos a terra
importa
que
morremos juntos
meu amor
e eu
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LUIZ
OTÁVIO OLIANI nasceu no Rio de Janeiro e é graduado em
Letras e Direito. Como poeta, está em 100 livros
coletivos nacionais e alguns estrangeiros, além de 500
publicações entre jornais, revistas e alternativos. Tem
poemas publicados e vertidos para o inglês, francês,
italiano, holandês, espanhol e chinês, bem como textos
ilustrados em projetos ligados às artes plásticas e
exposições. Atuou na Revista Literária Sociedade dos
Poetas Novos, SPN, de 2000 a 2003, tendo entrevistado
grandes nomes da literatura brasileira. Recebeu 70
prêmios, dentre os quais se destacam: Moção de Louvor e
Reconhecimento da Câmara Municipal do Rio de Janeiro
(2011); o Troféu Honra ao Mérito do Clube em Revista,
como Poeta destaque de 2012, na Rádio Bandeirantes, Rio,
AM, 1360 (2013), Menção Honrosa, Prêmio Vicente de Carvalho, concedida pela UBE
/ RJ (2014) ao livro dos entre-textos; eleito também como “O Melhor livro do ano”
pelo Clube de Trovadores Capixabas, no Espírito Santo, no mesmo ano. Em 2011, foi
citado como poeta contemporâneo por Carlos Nejar no
livro “História da literatura
brasileira: da Carta de Caminha aos contemporâneos”, SP, Leya. Teve obra poética
estudada em projeto acadêmico na Faculdade de Letras na Universidade Federal de
Sergipe (UFS), com poemas publicados e ilustrados por estudantes de escolas
públicas de Sergipe e Bahia no livro “De olho na
poesia”, organização da Beto Vianna e
Christina Ramalho. Publicou seis livros de poesia: "Fora de órbita", 2007;
"Espiral", 2009, "A eternidade dos dias", 2012; “Luiz
Otávio Oliani entre-textos”, 2013;
“Luiz Otávio Oliani entre-textos 2”, 2015 e “Luiz Otávio Oliani entre-textos 3”, 2016. |