Partindo da idéia de que poesia
é algo muito subjetivo, logo é muito difícil
dizer o que é, muitas vezes, grandemente bom ou
grandemente ruim, vem-se aqui falar de um poeta
brasileiro de produção poética (e também
ensaística) consolidada, por já ter muitos
livros publicados, além do fato de já haver
falecido.
Enfim o que se pretende aqui é fazer uma súmula
da produção poética deste autor, percorrendo
todos os seus livros de poesia, no que se pôde
ler obviamente, e tentando localizar devidamente
o lugar de Ivan Junqueira dentro da poesia
brasileira (e talvez, até além disso).
Comecemos pelo seu livro “Os mortos”, que
segundo um crítico literário que agora foge à
memória, seria um livro pronto a ser publicado,
àquela época (precisamente 1964). Algo que
parece ser característico da poesia de Ivan
Junqueira e vai percorrendo todos os seus livros
de poesia é uma amena poesia. Para ser mais
claro, citem-se seus versos: “Minha mãe chorando
no fundo da noite / Apunhalou o sono de Deus”.
Esse poema é do seu livro “Os mortos”. O tema
metafísico, divino é muito presente na
poesia de Ivan Junqueira, inclusive pelo
fato da morte já ser fato presente muito cedo na
sua vida (fala-se de seus parentes), muito
parecido com Manuel Bandeira (poeta muito
prezado pelo Ivan) aliás, (infelizmente não se
tem o dado confirmado da morte precoce dos seus
parentes, mas recorda-se isso de uma de suas
entrevistas dadas).
Além desse livro temos o “Opus
descontínuo” (1969-1975) que continua a
caracterização da poesia de Ivan Junqueira, como
vinha inicialmente e por excentricidade, cite-se
o haicai que termina o livro: “Na gaiola jaz / o
pássaro / sem espaço.”
Passa-se agora a seu terceiro livro, “Três
meditações da corda lírica” (1977) que merece
ter citado um trecho interessante: “de te
saberes resto de um menino / que anoiteceu
contigo num jardim / entre brinquedos e vogais
partidas.” Volta-se à questão de se saber o que
é grandemente bom ou grandemente ruim, poesia é
algo muito subjetivo e às vezes o que parecia
bom pode ser ruim e o que parecia ruim na
verdade é bom. Está se analisando apenas o
terceiro livro de Ivan Junqueira, mas, na
verdade, pode se dizer, até sem temor, que isso
é tona de sua poesia: uma amena poesia, que é
adensada pelo leitura do texto todo. Até porque,
quem escreve estas linhas, acredita que um poema
só pode ser devidamente classificado como ruim
ou bom, pela sua leitura inteira. É verdade que
há exceções de versos isolados que podem também
ser considerados como grandes versos, mas na
verdade são casos específicos e se pode dizer
que o Ivan Junqueira sorve dessas situações.
Segue-se o livro “A Rainha Arcaica” (1980), que,
curiosamente, é um livro que foge um pouco à
característica da poesia do autor carioca, que é
trabalhar contradições, pode-se dizer que é um
poema narrativo e biográfico e biográfico mesmo
já que é feito em cima da rainha Inês de Castro.
Segue-se ao livro “A Rainha Arcaica”, o livro
“Cinco movimentos” (1982), musicado por Denise
Emmer, e que continua a característica do livro
anterior. Para finalizar a falação sobre este
livro, citem-se versos realmente emocionantes:
“E te amarei porque sei perdida / e mais te
amara, fosse eterna a vida.”
No livro “O Grifo” (1987) , o que se suspeitava
realmente acontece, vejamos na leitura dos
livros posteriores. Como o poeta Lêdo Ivo que
chancelou o poeta Ivan Junqueira como um poeta
que se imarcescibilizou, tendo a si mesmo, o
próprio poeta alagoano como referência, Ivan
Junqueira cristaliza sua poesia e a dignifica,
torna-a constante. Seus versos ainda são
amenos, mas de uma amenidade grande. Como
exemplo cite-se o poema “O Gato”: “Vai e
vem. O passo / deixa no soalho, / menos que um
traço, / um fio escasso / de ócio e borralho. //
Clara é a pupila / onde não chove / e que,
tranqüila, / no ermo cintila, / mas não se move
// A pose é exata / a de uma esfinge / da cauda
à pata, / nada o arrebata / ou mesmo o atinge.
// Aguça o dente, / as unhas lima: / brinca,
pressente / e, de repente, / o pulo em cima. //
A voz é como / sussurro de onda; / infla-lhe o
pomo, / túmido gomo / que se arredonda. //
Lúdico e astuto, / eis sua sorte: / alheio a
tudo, / olha sem susto / o tempo e a morte.
No livro “A sagração dos ossos” (1994), de
início volte a se notabilizar aquela questão
destacada no começo deste ensaio, ou seja, é
sempre muito difícil falar o que é um poema
grandemente bom ou grandemente ruim (apesar de
que o grandemente bom provavelmente seja
possível). Diz-se isso por causa de estrofe tão
boa de poema homônimo ao livro de que se trata
agora. Reproduza-se a estrofe: “De quem foram
tais despojos / tão nulos e sem memória / tão
sinistros quanto inglórios / em seu mutismo
hiperbólico?” É como se vem pensando, a poesia é
um risco e muitas ou poucas vezes o poeta acerta
ou erra.
Uma impressão que está ficando é que de tanto
ler os poemas de Ivan Junqueira, uma coisa é
preciso se admitir: ele é um poeta que trabalha.
E como há de se ficar indisposto com tantos
versilibristas que existem por aí!... Até porque
o nosso poeta carioca preza as formas fixas,
seja o soneto, principalmente elisabetano ou
outro, o terceto italiano também... mas por,
conclusão pessoal, deve-se dizer que isto é
questão de momento, pois se se tratar de uma
enxurrada de bons versos livres, a sensação da
querença da poesia metrificada passa e volta-se
a inebriar-se por versos não-metrificados.
Coisas de quem convive com a poesia...
Passe-se para o livro “O Outro Lado” (2007). É
um livro que, como o próprio autor diz, reúne
poemas que estão no seu livro ‘Poesia reunida”
(2005) e para não falar muito destaque-se um
poema filosófico: “Morrer,
dormir. Dormir! Talvez, / Sonhar. Eis a
dificuldade. / No sono da morte que sonhos /
Virão, solto o tufão da vida, / Então cismamos:
e a desgraça / Desta longa vida está feita. /
Quem traria tão grandes cargas, / Gemer, suar a
dura vida, / Se não temesse um além da morte — /
Terra indescoberta, da qual/ Nenhum viajante
retorna —, / A perder a vontade e impor / Sofrer
nosso mal a lançar-nos / Noutro de que sabemos
nada?”
Para terminar o estudo sobre os livros
publicados do autor, fala-se de “Essa Música”
(2014). Para relembrar o que foi dito antes,
lembrando o poeta Lêdo Ivo, que tanto
considerava o poeta Ivan Junqueira como em
permanente evolução, mostre-se um poema seu que
é um meta-poema chamado “O poema”: “Não sou eu
que escrevo o meu poema: / ele é que se escreve
e que se pensa, / como um polvo a distender-se,
lento, / no fundo das águas, entre anêmonas /
que nos abismos do mar despencam. // Ele é que
se escreve com a pena / da memória, do amor, do
tormento, / de tudo o que aos poucos se
relembra: / um rosto, uma paisagem, a intensa /
pulsação da luz manhã adentro. // Ela se escreve
vindo do centro / de si mesmo, sempre se
contendo. / É medido, estrito, minudente, /
música sem clave ou instrumentos / que se escuta
entre o som e o silêncio. // As palavras com que
em vão ao invento / não são mais que ociosos
ornamentos, / e nenhuma gala lhe acrescentam. /
Seja belo ou, ao invés, horrendo, /
a ele é que cabe todo engenho, // não a mim, que
apenas o contemplo / como um sonho que se
sustenta / sobre o nada, quando o mito e a lenda
/ eram as vísceras de que o poema / se servia
para ir-se escrevendo.”
Consultando o site da Academia Brasileira de
Letras, pôde-se se deparar com dois poemas
inéditos do autor: “Dom Quixote” e “A
imortalidade”. O primeiro é um poema que se
poderia chamar de narrativo e o segundo ratifica
uma característica do poeta Ivan, que é a de
prezar as formas preclaras e aqui está se
falando da terza rima. Assim conclui-se o
ensaio sobre o poeta estudado.
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