MOTIVOS DA ROSA
| Cecília
Meireles
Vejo-te em seda e
nácar,
e tão de orvalho
trêmula,
que penso ver,
efêmera,
toda a Beleza em
lágrimas por
ser bela e ser frágil.
Meus olhos te
ofereço:
espelho para a
face
que terás, no meu
verso,
quando, depois que
passes,
jamais ninguém te
esqueça.
Então, de seda e
nácar,
toda de orvalho
trémula,
serás eterna.
E efêmero
o rosto meu, nas
lágrimas
do seu orvalho...
E frágil.
Por mais
que te celebre, não me escutas,
embora em forma e
nácar te assemelhes
à concha soante, à
musical orelha
que grava o mar
nas íntimas volutas.
Deponho-te em
cristal, defronte a espelhos,
sem eco de
cisternas ou de grutas...
Ausências e
cegueiras absolutas
ofereces às vespas
e às abelhas,
e a quem te adora,
ó surda e silenciosa,
e cega e bela e
interminável rosa,
que em tempo e
aroma e verso te transmutas!
Sem terra nem
estrelas brilhas, presa
a meu sonho,
insensível à beleza
que és e não
sabes, porque não me escutas...
Não te aflijas com
a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.
Rosas verás, só de
cinza franzida,
mortas intactas pelo teu jardim.
Eu deixo aroma até
nos meus espinhos,
ao longe, o vento
vai falando em mim.
E por perder-me é
que me vão lembrando,
por desfolhar-me é
que não tenho fim.
Antes do teu
olhar, não
era, nem será depois - primavera.
Pois vivemos do
que perdura,
não do que fomos.
Desse acaso
do que foi visto e
amado: - o prazo
do Criador na
criatura...
Não sou eu, mas
sim o perfume
que em ti me
conserva e resume
o resto, que as horas consomem.
Mas não chores,
que no meu dia
há mais sonho e
sabedoria
que nos vagos séculos
do homem.
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