ISSN 2182-147X  . EDITOR | TRIPLOV . Contacto: revista@triplov.com . Dir. Maria Estela Guedes . PORTUGAL .
Página Principal . Índice por Autores . Série Anterior .
Revista TriploV de Artes, RELIGIÕES & Ciências . Ns . Nº 58. maio-junho 2016 . Índice
Encontro com a Bíblia | Casa das Monjas Dominicanas do Lumiar | 21.05.2016
Website no TriploV: http://triplov.com/poesia/encontro-com-a-biblia/index.htm
 

ELISA SCARPA


Quando eu era adulto

 

Ele leu sete livros e teve sete livros

nasceu em sete casas e viveu em sete casas

casou com três mulheres e meia e três

homens e meio casaram com ele,

o que dá sete.

Entendo por homens

a espécie da qual faço parte, que

apresenta duas faces

uma nua e outra fardada.

A face mais face, é a fardada.

A nua só se vê quando nascem, se banham, se morrem.

 

 

 

Os livros eram

a Bíblia,

antologia

escrita por muitos homens.

Escritores e tradutores

 “ chegaram ao deserto “.

Escritos saídos da areia

reflectindo o céu em

grãos

água fluída

para que “lavem as suas roupas”

e fogo e fumo

e fera fome de viver

que se via em cada

fogueira, em cada chaminé

em cada folha de livro ou árvore

“o fumo  que se elevava era como

o de um forno”.

 

 

 

abrando abrevio abro-livro

Os livros eram

O Capital,

o autor, um barbudo simpático

que vivia po cima da loja

de Engels

e que sofria tremendamente

de saudades

do futuro

que via no vapor mais do que “um vapor que

regava”.

E “as aves do céu”

chamavam-no baixinho

só para o saudarem

e não lhe interromperem o pensamento.

Os animais em seu redor

sentiam-se pouco domésticos

e as “árvores da ciência”

sabiam-se definhantes e intérminas.

 

 

 

“No princípio era o verbo”,

há mais versões desta

frase do que borboletas no cosmo.

 

 

 

Abrando para ler

Os livros eram

A Psicanálise dos Sonhos,

O autor era

Um homem pequenino, ou não seria?

Era lá dos lados do

Karl,o barbudo simpático.

Parecia pequenino

com olhos de toupeira,

misturou outra vez

no Oceano

os homens

com os animais.

Não comia sopa, nem fruta,

engolia a gula

com um pano à frente da

boca,

e disfarçava a avidez

da língua e da fala

com sonhos e o escuro

da noite

sussurrava na

na grande waste land

coisas incomunicáveis:

 “atá-lo-ás

como símbolo do teu braço

e usá-lo-ás como

filactérias entre os

teus olhos “

 

 

 

_ O que é que são filactérias?

_ Não sei, tenho

   Que ir ver ao dicionário.

   Digo-to, lá mais adiante.

 

 

 

Abrevio

Os livros eram

Oppiano Licario.

Da sua graça o autor

José Lezama, falta um

nome, Lima, é isso, Lima.

Não conheceu o Marx,

nem o Freud, mas os

autores da Antologia

conhecia-os bem.

No tempo em que eu era

adulto,

acho que ele vestia

muito de branco

e não gostava de espelhos

e “tomando toalha colocou-a

à cintura”.

Era como gostava de lavar

o rosto, e fazer a barba

num quarto pequeno

com uma bacia de louça

e sem espelho.

Arte difícil

fazer a barba sem espelho.

Acabei de inventar

isto

não era bem uma

toalha, que ele usava

à cintura.

Era mais uma espécie

de pano

muito velho e de linho

um avesso do desvio

que orava em ficções.

Detestava fruta madura,

dizia:

é

boa para os vermes.

Viveu também ele em

sete casas

e conheceu muito

mais do que sete livros.

 

 

 

_ Acham que eu sou séria?

   Não conseguem responder!?

   Não me conhecem.

   É tal qual as lombadas

   dos livros,

   a face

   não diz nada

   do que está lá dentro!

   Lá dentro, ou cá dentro?

 

 

 

Abro-livro

Os livros eram

de um homem

que poderia dizer,

pejo ou vaidade

de ousadia

que: “as profecias desaparecerão,as

línguas cessarão e a ciência

findará”.

Simpática criatura

cheia de manias

comia os alimentos só crus

ou cozidos.

Nada de assados, grelhados

ou outras encenações alimentares.

Gostava de brincar

aos rituais antigos

e cada vez

que falava em prelecção

exigia,

com uma voz cava e séria:

“tragam uma vaca vermelha

sem defeito, nem manchas” .

A vaca assistia então

à prelecção

enfeitada com um grande

badalo, sorridente,

mas sem se mexer,

para não prejudicar

a prelecção do senhor

Claude Lévi-Strauss

 

 

 

Abrando, abrevio, abro-livro

dos sete livros

eram cinco, os

que já foram.

E os que faltam,

jazem desmaiados

aos pés da

vaca vermelha,

sem defeito nem manchas.

Mas são resgatados

por um ente que tem

tromba de elefante.

E ao qual,

cuidado, muito cuidado,

não se pode fazer cócegas

nas plantas das patas

porque senão

espirra

 

e o espirro

deste

é sideral, seguido

saracoteante, e pode

deslocar o oceano

e o céu.

 

 

Os livros eram

Coriolano.

Dele, não se

sabe quase

nada.

Uns artistas

inventaram-lhe um

retrato

e uns biógrafos a

vida.

Ao que parece, tinha

um coração

com 10 ventríloquos

e uma cabeça com

10 hemisférios,

e gostava muito

dos homens, estivessem nus

ou fardados.

Tinha com santo padroeiro,

o Santo Indebrando Pireta,

um santo folgazão, que

adorava comer

e limpar as gengivas

com os dedos.

É Shakespeare,

o amado

fabricante

de Corolianos.

 

 

 

_ Mas quem é ele,

   O dono dos sete livros?

   O leitor dos seis, a

   ir para o sétimo?

   E porque não, oito?

 

_ Se fosse eu preferia

   o 8, que é uma oval

   flexível, que se dobra e

   contorce, um laço que

   ata e desata, uma rodinlha

   interminável de saber e

   risota mistificada.

   …

   Vou-te dizer qual é o 7.

   Os livros eram

   uma Antologia de Poesia

   feita pelo próprio,

   manuscrita, para que cada

   poema passasse da pele

   para as veias

   e se espraiasse redicular

   até ao palato.

   Eu

   “abri então a boca e ele

   deu-me o manuscrito a comer.”

    …

   assegurava  que para além

    de o ter

   copiado à mão,

   o tinha comido,

   que tinha comido a

   Antologia, que ele fizera

   desde os 7 …

 

_ Ah eu ainda não sabia ler?

   Quem era ele?

 

_ Roal Engelbregt Gravning Amundsen.

   O meu tio Amundsen,

   vivia no Norte, adorava gelo

   e neve.

   Nunca tinha frio.

 

_Eu não tenho tios.

  Tu tens uma família grande?

 

_ Imensa…

   avós e tios aos milhares,

   nem sei decor,

   nem sei de saber

   os nomes de todos.

 

_ Diz-me o nome de um que te lembres?

 

_  Japet, não me esqueço

    porque nasceu dentro de água.

 

_ E netos?

 

_ Também tenho

 

_ Diz-me o nome de um?

 

_  Bonsai.

 

_ Como é podes ter um neto,

    que é uma árvore?

 

_ Tendo.

    O meu neto Bonsai,

    acha que tudo o

    que tem nome

    fala.

.

 

_ Então e visavós?

 

_ Também tenho, claro.

 

_ Que idade têm?

 

_ Triliões de décadas

    septiliões de setes…

    …

    Lembro-me muito

    de Naomi,

    a minha visavó

    dilecta,

    Naomi.

    Era negra,

    e gostava

    de usar

    como sombra,

    a areia

    ultra fina

    e branca.

    do

    deserto!

  

 

Notas

 

O que está entre aspas são palavras retiradas da Bíblia (Génêsis, Êxodo, Números, Deuterónimo, Ezequiel, S. João, Coríntios).

 

“É Shakespeare,

o amado

fabricante

de Corolianos.” Coriolano é no plural, não é gralha.

 
 
 
 
sítios aliados
Apenas Livros Editora
Revista InComunidade
Canal TriploV no YouTube
www.triplov.com
Triplov Blog
António Telmo-Vida e Obra
A viagem dos argonautas
Agulha
 
 
 
 
 
Encontro com a Bíblia