Ele leu sete livros e
teve sete livros
nasceu em sete casas e
viveu em sete casas
casou com três mulheres
e meia e três
homens e meio casaram
com ele,
o que dá sete.
Entendo por homens
a espécie da qual faço
parte, que
apresenta duas faces
uma nua e outra fardada.
A face mais face, é a
fardada.
A nua só se vê quando
nascem, se banham, se morrem.
Os livros eram
a Bíblia,
antologia
escrita por muitos
homens.
Escritores e tradutores
“ chegaram ao deserto
“.
Escritos saídos da areia
reflectindo o céu em
grãos
água fluída
para que “lavem as suas
roupas”
e fogo e fumo
e fera fome de viver
que se via em cada
fogueira, em cada
chaminé
em cada folha de livro
ou árvore
“o fumo que se
elevava era como
o de um forno”.
abrando abrevio
abro-livro
Os livros eram
O Capital,
o autor, um barbudo
simpático
que vivia po cima da
loja
de Engels
e que sofria
tremendamente
de saudades
do futuro
que via no vapor mais do
que “um vapor que
regava”.
E “as aves do céu”
chamavam-no baixinho
só para o saudarem
e não lhe interromperem
o pensamento.
Os animais em seu redor
sentiam-se pouco
domésticos
e as “árvores da
ciência”
sabiam-se definhantes e
intérminas.
“No princípio era o
verbo”,
há mais versões desta
frase do que borboletas
no cosmo.
Abrando para ler
Os livros eram
A Psicanálise dos
Sonhos,
O autor era
Um homem pequenino, ou
não seria?
Era lá dos lados do
Karl,o barbudo
simpático.
Parecia pequenino
com olhos de toupeira,
misturou outra vez
no Oceano
os homens
com os animais.
Não comia sopa, nem
fruta,
engolia a gula
com um pano à frente da
boca,
e disfarçava a avidez
da língua e da fala
com sonhos e o escuro
da noite
sussurrava na
na grande waste land
coisas incomunicáveis:
“atá-lo-ás
como símbolo do teu
braço
e usá-lo-ás como
filactérias entre os
teus olhos “
_ O que é que são
filactérias?
_ Não sei, tenho
Que ir ver
ao dicionário.
Digo-to, lá
mais adiante.
Abrevio
Os livros eram
Oppiano Licario.
Da sua graça o autor
José Lezama, falta um
nome, Lima, é isso,
Lima.
Não conheceu o Marx,
nem o Freud, mas os
autores da Antologia
conhecia-os bem.
No tempo em que eu era
adulto,
acho que ele vestia
muito de branco
e não gostava de
espelhos
e “tomando toalha
colocou-a
à cintura”.
Era como gostava de
lavar
o rosto, e fazer a barba
num quarto pequeno
com uma bacia de louça
e sem espelho.
Arte difícil
fazer a barba sem
espelho.
Acabei de inventar
isto
não era bem uma
toalha, que ele usava
à cintura.
Era mais uma espécie
de pano
muito velho e de linho
um avesso do desvio
que orava em ficções.
Detestava fruta madura,
dizia:
é
boa para os vermes.
Viveu também ele em
sete casas
e conheceu muito
mais do que sete livros.
_ Acham que eu sou
séria?
Não
conseguem responder!?
Não me
conhecem.
É tal qual
as lombadas
dos livros,
a face
não diz
nada
do que está
lá dentro!
Lá dentro,
ou cá dentro?
Abro-livro
Os livros eram
de um homem
que poderia dizer,
pejo ou vaidade
de ousadia
que: “as profecias
desaparecerão,as
línguas cessarão e a
ciência
findará”.
Simpática criatura
cheia de manias
comia os alimentos só
crus
ou cozidos.
Nada de assados,
grelhados
ou outras encenações
alimentares.
Gostava de brincar
aos rituais antigos
e cada vez
que falava em prelecção
exigia,
com uma voz cava e
séria:
“tragam uma vaca
vermelha
sem defeito, nem
manchas” .
A vaca assistia então
à prelecção
enfeitada com um grande
badalo, sorridente,
mas sem se mexer,
para não prejudicar
a prelecção do senhor
Claude Lévi-Strauss
Abrando, abrevio,
abro-livro
dos sete livros
eram cinco, os
que já foram.
E os que faltam,
jazem desmaiados
aos pés da
vaca vermelha,
sem defeito nem manchas.
Mas são resgatados
por um ente que tem
tromba de elefante.
E ao qual,
cuidado, muito cuidado,
não se pode fazer
cócegas
nas plantas das patas
porque senão
espirra
e o espirro
deste
é sideral, seguido
saracoteante, e pode
deslocar o oceano
e o céu.
Os livros eram
Coriolano.
Dele, não se
sabe quase
nada.
Uns artistas
inventaram-lhe um
retrato
e uns biógrafos a
vida.
Ao que parece, tinha
um coração
com 10 ventríloquos
e uma cabeça com
10 hemisférios,
e gostava muito
dos homens, estivessem
nus
ou fardados.
Tinha com santo
padroeiro,
o Santo Indebrando
Pireta,
um santo folgazão, que
adorava comer
e limpar as gengivas
com os dedos.
É Shakespeare,
o amado
fabricante
de Corolianos.
_ Mas quem é ele,
O dono dos
sete livros?
O leitor
dos seis, a
ir para o
sétimo?
E porque
não, oito?
_ Se fosse eu preferia
o 8, que é
uma oval
flexível,
que se dobra e
contorce,
um laço que
ata e
desata, uma rodinlha
interminável de saber e
risota
mistificada.
…
Vou-te
dizer qual é o 7.
Os livros
eram
uma
Antologia de Poesia
feita pelo
próprio,
manuscrita,
para que cada
poema
passasse da pele
para as
veias
e se
espraiasse redicular
até ao
palato.
Eu
“abri então
a boca e ele
deu-me o
manuscrito a comer.”
…
assegurava
que para além
de o
ter
copiado à
mão,
o tinha
comido,
que tinha
comido a
Antologia,
que ele fizera
desde os 7
…
_ Ah eu ainda não sabia
ler?
Quem era
ele?
_ Roal
Engelbregt Gravning Amundsen.
O meu tio
Amundsen,
vivia no
Norte, adorava gelo
e neve.
Nunca tinha
frio.
_Eu não tenho tios.
Tu tens uma
família grande?
_ Imensa…
avós e tios
aos milhares,
nem sei
decor,
nem sei de
saber
os nomes de
todos.
_ Diz-me o nome de um
que te lembres?
_ Japet, não me
esqueço
porque nasceu dentro de água.
_ E netos?
_ Também tenho
_ Diz-me o nome de um?
_ Bonsai.
_ Como é podes ter um
neto,
que é
uma árvore?
_ Tendo.
O meu
neto Bonsai,
acha
que tudo o
que
tem nome
fala.
.
_ Então e visavós?
_ Também tenho, claro.
_ Que idade têm?
_ Triliões de décadas
septiliões de setes…
…
Lembro-me muito
de
Naomi,
a
minha visavó
dilecta,
Naomi.
Era
negra,
e
gostava
de
usar
como
sombra,
a
areia
ultra
fina
e
branca.
do
deserto!
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