O poeta Filipe Marinheiro desencadeia uma homenagem e crítica à obra
ensaística do filósofo Albert Camus «O Mito de
Sísifo» dedicando-lhe no final um poema extraído
da sua última obra: «noutros rostos» para
explicar a sua interpretação. Gritarei: absurda,
suicida sobre as matérias e substâncias desta
obra tão excepcional. Inacabada. Aonde encontro
carências e algumas náuseas. De resto uma obra
fenomenal. Obra de carácter filosoficamente
complexa aonde o paradoxo aparentemente
pessimista enquanto entendimento do pensar
absoluto é uma outra coisa absurda, ténue ou
liquefeita que não aquela que o leitor retirará
enquanto estética e ou inutilidade doutro
pensamento como um sentido oculto nas palavras
entre as palavras submersas nas ideias simples.
Como perceber, navegar dentro desta obra sem as
traves mestras filosóficas que suportam todos os
níveis e desníveis do “Mito”?
Sísifo na mitologia grega era considerado o mais
astuto de todos os mortais. Mestre da malícia e
da felicidade, era considerado como um dos
maiores ofensores dos deuses, tendo conseguido
enganar a morte por duas vezes, fintando os
deuses Tânatos e Hades. Ao morrer, Sísifo foi
considerado um grande rebelde e foi condenado
pelos deuses a empurrar, por toda a eternidade,
uma grande pedra até o cume de uma montanha só
para ela rolar montanha abaixo sempre que estava
prestes a alcançar o topo, começando o processo
maquinal, intelectual de novo. Por este motivo,
a tarefa que envolve esforços inúteis passou a
ser chamada “Trabalho
de Sísifo”. Os deuses tinham pensado, com as
suas razões, que não existe punição mais
terrível do que o trabalho inútil e sem
esperança ou devoção pela tortura daquele que
fragmenta o pensamento é o alimento total desta
obra. Ele próprio é o herói absurdo tanto pelas
suas paixões como pelos seus tormentos. O
desprezo pelos deuses, o ódio à Morte e a Paixão
pela Vida lhe valeram esse suplício
indescritível em que todo o ser se ocupa em não
completar nada. Absolutamente: Nada. E o que é o
Nada neste contexto? No final desse esforço
imenso, medido pelo espaço sem céu e pelo tempo
sem profundidade, o objectivo é atingido.
Sísifo, então, vê a pedra desmoronar-se em
alguns instantes para esse mundo inferior de
onde será preciso reerguê-la até os cimos. E
desce de novo para a planície. Ei-lo o pretexto
sentido, possessivo, primitivo. Pois é
concretamente durante esse retorno, nessa
preciosa pausa, que Sísifo nos deverá
interessar. Um rosto por dentro das inúmeras
máscaras evidentes e não tão-só nada evidentes [escondidas das verdades, não da verdade absoluta] a trespassarem de
rostos em rostos as camadas que envergam,
examinam, planeiam, plagiam os fundamentos de
todo aquele esforço. Uma angustiante empreitada
levada a cabo por uma figura mitológica
desenhada a desenhos de músculos a saltarem da
carne suja deste Ser tão límpido. Tão Puro.
Condenado a reencontrar sempre o seu fardo.
Terrível tal rosto assim tão perto das pedras
como um espelho de pedra, é já ele próprio uma
pedra. Vê-se esse homem a redescer, com o passo
pesado, mas igual, para o tormento sem
escapatória imagética ou transcendente, cuja
finalidade, jamais conhecerá. Nessa hora é com
uma respiração útil que Sísifo ressurge tão
certamente quanto a sua infelicidade. É nessa
hora portanto que toma a consciência [alguma
pelo menos]. A cada um desses momentos,
deslizes, movimentos em que ele deixa os cimos e
se afunda pouco a pouco no covil dos deuses, se
torna um superior ao seu destino. É mais forte
que seu rochedo: a sua jura. A Fidelidade. Quem
saberá destas coisas?
Um
fotógrafo da Alma ou um
Pensador
da Alma ou um próprio
Ser? A
eterna busca do homem por um sentido para a
vida: eis aí um esforço talvez inútil e talvez
útil. Peca aqui a filosofia do fundamento
desiludindo-me. Parece que a humanidade está até
ainda hoje a pagar pela rebeldia de Sísifo. Será
isto um facto ou subterfúgio? Todavia o
“absurdo” para Albert Camus nasce das nossas
infinitas tentativas de dar sentido a um mundo
sem sentido, e a sua obra evidencia as angústias
e conflitos daquela época em que mergulhou a
tinta da caneta sobre o tecido do papel ou viveu
heroicamente, mas que nos continuam e
continuarão a desafiar na actualidade. Defronte
o dilema da futilidade do esforço e da certeza
da extinção do homem e do universo, o que nos
restaria então? Por que nós humanidade não
deveríamos cometer suicídio? Nesta matéria
ambivalente o autor acaba por condenar,
estrangular o sentido da liberdade individual,
blasfemando-a como um massacre. Ou por outro uma
leveza da sustentabilidade da vida que se deve
viver numa liberdade tangível, orgânica: eis um
pecado capital que este ensaio empurra [Camus
suicida-se absurdamente – contexto situacional,
enquadramento histórico-social e a omissão ou
mesmo diria esquecimento da abordagem ao
paradigma transcendental da beleza e pior não
seduz a lucidez] transpondo-a exclusivamente
para as sementes e raízes da lógica “metafórica”
até esbater num sentimentalismo carinhoso,
amoroso. O que lhe não ocorreu foi que a
liberdade também exige os seus tentáculos
horríveis, mutantes, disformes, tresloucados.
Liberdade terrivelmente fascinante quanto
bizarra. Girando-a para uma completa força
invisível que a administra desesperada para o
inferno da liberdade intangível, inorgânica.
Contudo para Albert Camus, o suicido não é a
solução finita para o absurdo, é antes ao
contrário, nessa que é a sua negação, a negação
da própria existência humana. Não podemos
resolver o problema do absurdo, negando toda a
sua existência. Precária ou Odiosa ou
Prodigiosa. Perante o absurdo, devemos dalguma
maneira alegórica, revoltar-nos - instigando os
outros para que se meditem nas mortes às derivas
entre as suas mãos contra as forças vertiginosas
da cabeça à cabeça, batendo com o sangue na tal
pedra que sobe e desce em rotação alquímica.
Porquê esta revolta? Talvez seja a consciência
da nossa condição, mas sem a resignação que
deveria acompanhá-la. Aceitar o absurdo é
aceitar a morte, mas recusá-lo é aceitar uma
vida no precipício a resvalar escarpas abaixo
até rebentar com o corpo todo: destruí-lo.
Nenhuma meditação absurda, alienante nesta
matéria e enunciada ao longo do ensaio. É nessa
derradeira destruição, camada por camada que não
se pode encontrar o conforto, somente “viver
num vertiginoso cume – isso é integridade, o
resto é subterfúgio.” O “cume
vertiginoso” para A. Camus é a experiência
inteiramente consciente de estar vivo condenado
à eterna repetição, consciente dela, descobre
que “a
lucidez que devia constituir sua tortura ao
mesmo tempo coroa sua vitória”. Camus diz
que devemos imaginar Sísifo feliz, pois “ser consciente da própria vida num grau máximo, é viver num grau máximo”.
O filósofo Albert Camus considera que autores da
filosofia existencialista como Kierkegaard e
Sartre fracassaram em tentar resolver o conflito
para as consequências do encontro entre um ser
humano racional e um mundo irracional, porque
ele é insolúvel justamente por pertencer a
existência humana. Ter por exemplo, a
consciência de que liberdade e justiça são
relativas, é na verdade a condição para não
desistir delas, e não o contrário. Também ele se
desintegra, fracassa. Desaponta. Sem embargo, «o
Mito de Sísifo» deverá ser para os leitores um
mero apoio de vida. Ele não arrasta ilusões
porém incentiva a coragem humana. Ressuscita
aceitável a crença na existência sem os
paradigmas religiosos. Até nesta reflexão
torna-se condescendente ao não perscrutar o
desconhecido o da ilusão se quisermos. O segredo
sagrado que se esconde por sob as camadas do
covil referido anteriormente e justifica,
autoriza o lugar prioritário deste ensaio
filosófico [onde
o autor põe-repõe: escuridão e iluminação não
revestindo todas essas camadas sobrepostas numa
catadupa catártica de contradições – as máscaras
dos rostos e os rostos das máscaras] é que
do raciocínio absurdo desagua uma criação do
tempo e das memórias, e mesmo das criações
palpáveis ou não palpáveis, mas que existem,
afectam e metamorfoseiam o universo e a
constelação da humanidade. Para se perceber e
descobrir todo esse grandioso segredo como um
oráculo, que o autor propõe, e que
sorrateiramente vai navegando a nossa mente para
esses lugares nada comuns, disfarçando-os
doutras coisas mais superficiais, é possível.
Não nos aponta esse trilho, atravessando toda
esta obra num estado de aparente profunda
morosidade, pensará o leitor. Erro crasso.
Embora em nada se trata de aparência, pelo
contrário, é de profunda morosidade que o autor
não nos apela sem nos dizê-lo directa ou
indirectamente. Camus falha, “arruína” no ensaio ao não prever que através dessa profunda
morosidade o homem pensante deverá atravessar os
flagelos da indiferença irrompendo todo um novo
sistema de pensamentos, acções que nos leva à
criação divina para quem crê e à criação não
divina para quem não crê ou ainda para quem é
agnóstico ou busca a criação no desregulamento
dos sentidos sem recorrer a paraísos
artificiais. Ora se me permitem: um sistema de
pensamento fortalecido, reforçado, robusto,
rejeitando a transcendência da fé, abandonando a
ambivalência do ascetismo deixando-o igualmente
a flutuar no vácuo das águas por onde velejamos.
Alerta-nos unicamente. Nada mais do que isso.
Escorrega-se na lama deste pântano existencial.
Flanqueado como Apertado. Não ultrapassa essa
barreira sonora, saborosa, emotiva, sensitiva,
colorida, ouvida, vista ou mais presentemente a
evolução no campo das neurociências com o última
grito neuro-holografia do sensível para uma
outra dimensão da percepção humana: imprevista.
Como poderia ter previsto estas carências? Devia
ter prestado mais atenção à psicanálise da
época. Albert Camus não calculou: O Eros e
Thanatos que significam, entre os gregos, o Amor
e a Morte personificados. Identificam-se nestas
figuras da mitologia grega dois princípios
vitais: Vida e Morte. Freud utilizou-as para
identificar duas categorias de pulsões humanas:
instinto de vida (eros) e instinto de morte
(thanatos). Estas duas pulsões geram entre si um
conflito que dinamiza o psiquismo humano. Neste
sentido, a estrutura freudiana do psiquismo
humano é atravessada por um conflito que
dinamiza o aparelho psíquico. Este conflito tem
origem nos obstáculos que o indivíduo encontra
na realização das pulsões e reflecte a luta
entre várias instâncias no psiquismo humano. Não
interessa agora. Já passou. O ensaio já foi
escrito no ano de graça de 1941.Torna, então, o
absurdo enquanto o dogma do suicídio incompleto.
Por isso mesmo de fazer o certo - mais
quantitativo, menos qualitativo é prova dessa
incompreensão do autor ao não contemplar,
exercitar a metafísica, alquímicas ou as forças
cósmicas que não se localizam a olho nu -
afirmarei. Porém, dessa viagem que é este
curioso ensaio filosófico, o alerta não é mais
do que também por si mesmo baseada, sustentada
por um conjunto de contradições e repetições que
o autor igualmente rejeita. E até ai muito bem.
A viagem não é nem certa ou errada onde mais uma
vez o autor coloca uma tónica invisível sobre a
existência da causa na própria causa. Que causa
perguntais? Respondo: redesenhando o que faltou
preencher crucialmente neste ensaio a Albert
Camus focar, ou seja, penetrar, furando no
centro, no cerne, no eixo primacial das forças
instrospectivas onde tudo é uma outra coisa do
que o autor disserta, critica e reflecte. Não
contou com a imprevisibilidade dessas
trincheiras. Teve o horizonte do holocausto da
segunda grande guerra como labaredas de fundo.
Agora a resposta - mediante uma firme tentativa
de conquistar o universo ateu, agnóstico ou não.
Porque diante essa tentativa também temos de
considerar o desterro longínquo que deveras se
manifesta e se propaga a nele algures se
encontrará um buraco estreito e lá no fundo
surge-nos o conflito entre o Bem [eros] e o Mal
[thanatos] enquanto reflexo um do outro. Jamais
se separarão. Amam-se tal como um indivíduo
suicida determinado a terminar com a vida da
morte ou morte da vida? Essa mesma tentativa
deverá ser espontânea, genuína leva-nos,
traz-nos ao ponto de partida como ao regresso
dessa partida e vice-versa, isto é, da
experiência universal: AQUI. Aqui mesmo. O
agora, isto significa, o ponto caramelo: da
Descoberta. A Descoberta e a Indiferença que
ocultamente nos agarra pelo corpo inteiro sempre
como tomada de consciência de cada pessoa.
Particular. Divergente. Absurda. Única: “Suicida”. Porque não cometer mesmo o suicídio físico ou psíquico?
Porque não abraçar a vida como ele se nos
apresenta: aceitando-a, coloca neste ensaio
Camus. Um tanto ou pouco erróneo não dar
escolhas aos seres humanos. Estancá-los como se
estanca um rasgo no meio da cabeça rachada. O
sangue poderá esvair-se ou não. Quem tomará a
decisão última? Nós. Cada um de nós lidera a
liberdade ou quem sabe sem ela também! Nisto o
ensaio torna-se incompleto a meu ver. A
deformação dos sentimentos e dos desenhos e
imagens estão ali ao virar da esquina côncava ou
num beco sem saída ou num túnel de esgoto. Seja
onde for. Temos todo o direito às escolhas e
decisões escuras, mansas e mesmo aquelas que são
incompreensíveis da razão. Também não previu
esse direito inigualável. Expugnável. Suspensa
dúvida. Camus resignou-se a essa resistência o
que limita o pensamento ao entender a vida
doutros ângulos de visão mais amplos. Pega-se
num machado afiado rodopiando os braços para o
ar escaldante e quebram-se cabeças contra o chão
torto. Ingreme. A asfixiar-se de tanto sangue e
membros cortados. Mortos porque assim o quiseram
ou mereciam. Porque sim, podiam e poderão. Ou se
preferirem, enterrar-se-ão os machados do
suicídio debaixo da terra compacta. Não mais se
vê desgraças [sarcasmo].
E o que se interpreta desta loucura, delírio,
devaneio ou razão? Camus desconfiou da razão mas
não nos passa os outros testemunhos anotados,
fixados. Diria, por fim que as forças
gravitacionais desta obra subdividida em
diversas partes permanecem esquecidas num
recanto qualquer cheio de pó e poeiras do tempo
e memórias onde o amor e o absurdo existem sim
se reinventados, redesenhados dia após dia. Para
isso é necessário escavar-se até às profundezas
da caverna onírica e real e revolver o processo
completando-o, compreendendo o invencível e o
absurdo por que somos nós os causadores do nosso
próprio medo. Como falta dizer neste ensaio que
os acasos deformam tudo o que este autor nos
apresenta. Somos demasiado estúpidos inseguros,
por isso magoamo-nos, magoa-mos os próximos
fazemos sofrer e sofremos, temos dor mas também
a infligimo-la. Matamo-nos e matamos tudo o que
nos rodeia sem nos apercebermos dessa repetição.
Somos criminosos necessitamos disso para nos
procurar e procurar a liberdade. Desperdiçamos a
vida absurda num suicídio não só como o autor
nos dá em secreto beijo igualmente por que
também somos sucessores de nós próprios. Os
detalhes desfiguram o que Camus nos pede e
oferece. A consciência tem tanto de pura como de
impura encharcando-se de sujeira e isto não pode
ser mantido como Camus pretende ou diz ser,
doutro modo a transcendência existe e tem um
sentido de liberdade nada absurda. Absurdo é um
ensaio desta magnitude, potência, escrita às
mãos deste grandioso filósofo francês cair
frouxo, redondo com o rosto na vertical contra o
chão cravejado de cavilhas velhas, e morrer
esquecendo-se de evocar as forças/fraquezas,
ameaças/oportunidades numa clareza sem traição:
o Lázaro, a Líbido, o Limbo e a Penitência da
beleza Cosmológica - Acrescento: O impossível é
que nada é impossível. Arthur Rimbaud
avisou-nos: «Que
vida! A autêntica vida está ausente. Não estamos
no mundo.»,
«A moral é
a debilidade do cérebro.», «A nossa pálida razão
esconde-nos o infinito.», «A vida é uma farsa
que toda a gente se vê obrigada a representar.»,
«Eu escrevia silêncios, noites, anotava o
inexprimível. Fixava vertigens.», «O ar e o
mundo deixado sem procura. A vida. - Era então
isto?», «Quando somos muito fortes - quem recua?
muito alegres - quem cai no ridículo? Quando
somos muito maus - que farão de nós?». - Digo-vos: uma perplexa obra que «Nem
é Estéril, Nem Fútil». Adeus Camus, vou-me
embora para o constante desconhecido: «o saco -
por exemplo».
Por filipe marinheiro, dia 23 de fevereiro 2016:
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sei de teres um saco que fala sobre o sono ainda
misturado
num copo em brasas
curioso por bater
com a minha sombra diante à criatividade desse
saco
nele intercepto mensagens alheias das noites
cheias de fins
ou acasos
todos nos dizem para cantar sob o carreiro
gélido
onde verdes árvores lá fora se revelam na voz de
silicone
por trás das portas a despenhar-se sobre
cadeiras retiradas
contra os buracos negros
enquanto mesas se entrançam no ar às voltas
como respiro e interrompo
trepando o fumo trôpego dos garfos e talheres
confusos
a romperem os sóbrios guardanapos de tecido
diamante
derretendo-se na luz que flutua leve
talheres no princípio
garfos no cume empoleirados no pano rústico
preso à jarra
que toca a melodia desaparecida
que esmaga as mesas
que torce a voz contra as portas
que toca a própria mão alastrando o saco
e se bebe na loucura nocturna
o soalho de madeira rubi ressente-se entre os
rolos de árvores
e baloiços de folhas afrodisíacas
a amolecerem espantadíssimas nas sobrancelhas
queimadas
com imagens panorâmicas do saco
como a rodar nos rodapés que explodem dentro dos
vernizes
a espalharem-se p’la poeira das vidraças
terríveis
os relógios fumam os céus indignados
aceitando-se corajosos
e reles vistos à lupa
o sol de aço corta a vista como os seus raios de
fogo cortam
as mãos
o fogo cresce
aumenta o sangue largo
enquanto labareda a roçar no coração
e o coração insufla e inflama o corpo que se
ergue
e estanca o lume
manuscritos voam em cima dos pratos
os pratos compostos por tintas em escada
finalizam-se à vista
sombrios e tristes
desde a força profunda das mesas
até se coserem às secretas portas
que fervem o trilhado coração do saco aos
pedaços
de fibras entranhadas
escorrendo à volta dos corpos
desenhos de luvas
peúgas originais retratos folhas plantas
gaiolas por baixo de alcatifas submersas
cigarros dentro uns nos outros onde a água
trabalha
e escalda esse pressagioso ofício
um castanho cavalo gira perto do iminente sofá
e o cavalo cavalga dentro das paredes
a estoirar a ventania obscura
e engole
uma almofada de acre vinho
e no próprio relinchar como desabrocha!
tapeçarias de névoas esvoaçam entre fragilidade
e angústias
via o saco a inundar-se no arame farpado
com que o ergo
até sufocar o amanhecer fusiforme
a saltitar nos nós de sangue
uma breve leveza de ofício
e rasgam-se fissuras na carne como outra carne
funda
e ensanguentada
em estado de choque
assim irei aprender também trigonometria
astrofísica
dos cometas às galáxias inundadas de gravidade
enquanto saco é elevado
nós somos elevados
e arrastamos as imagens de uma ponta à outra
devoramo-nos
na engrenagem atómica
em frente aos vertiginosos olhos anda o saco a
pensar nas coisas
o saco desmancha a doçura do pescoço
sangra-o nas mãos vagarosamente
à raiva tão veloz
canta nas fracturas da terra na cabeça movida
por circunferências
saco chato dorme a alumiar a escuridão
uma chatice mortal!...
mexe-se aquele saco com pensamentos inquietantes
sei-o inquietante
é mestre e eu o aprendiz
com a cabeça no fundo dos meus joelhos a
estilhaçar
devassa os astros
explodindo-os de encontro às estrelas
e todas as altas estrelas bailam na ponta dos
dedos pretos prata
a deslizar na coxa dissolvida
contra espirais cadentes os astros são a
sonoridade
cantam flores e jarras
e as estrelas o ritmo maldito feito de cera
luminosa
em que as trevas vagabundam
nos espelhos rápidos
dentro da penumbra pendidas nos aromas
megalíticos
que vão de sabor para sabor
pela aragem abaixo
a levitar na sua matéria enlouquecida
e morde a luz
porque os perfumes celestes
se despedem e diluem o espaço e o tempo
como num avanço e recuo doce
estremecendo as distâncias em tempo irreal
deixo-me cair anterior a esse saco entrançado
nas veias adentro
e racho as mãos à velocidade de um galho
precioso
na dúvida
alastram-se as abas que dançam
enquanto o saco sufoca numa janela contorcida
deambulo
na opacidade dos espelhos e vidros
que nunca mas nunca falam dele ou de mim
– o saco, por exemplo...
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