Revista TriploV de Artes, Religiões & Ciências . ns . nº 56. janeiro-fevereiro 2016



NOTAS DE LEITURA
TONY TCHEKA:
Poesia e comunicação
Por Maria Estela Guedes
TONY TCHEKA
Desesperança no chão de medo e dor
Edições Corubal . corubalgb@gmail.com
2015
António Soares Lopes
(TONY TCHEKA)

Os media na Guiné-Bissau
Edições Corubal . corubalgb@gmail.com
Bissau, 2015
 

Tony Tcheka é um dos mais importantes escritores da Guiné-Bissau, o que não esgota a sua capacidade intelectual, inteiramente votada a um futuro do seu país dignificado pela prática da democracia, com observação da carta dos Direitos do Homem e acesso da população aos bens indispensáveis à sobrevivência. Todos os seus livros trazem o "chão" à lista dos temas mais relevantes na sua obra em geral, mas esclareça-se que a riqueza semântica do termo não se cinge à produção de alimento, "chão" significa "pátria". Já conhecíamos este posicionamento integrador de vida e poesia de livros anteriores como Noites de insónia na terra adormecida e Guiné sabura que dói, e mesmo de obras coletivas organizadas pelo autor, que também apresentam uma forte militância política. Aliás, eis um pormenor, que não deixa de ser significativo apesar disso, uma faceta dessa militância traduz-se no associativismo da obra coletiva, seja o coletivo resultante de antologia, seja de o autor gostar de trazer outrem à fala e à escuta nos seus livros, como testemunhas. Tal fica bem expresso no livro Em desesperança no chão de medo e dor, obra na qual, a par de textos de Moema Parente Augel, especialista na literatura bissau-guineense, J. Adalberto Campato, Odete Semedo, Arlinda Mártires Nunes e Robson Dutra Unigranrio, também figura um comentário meu a Guiné sabura que dói, publicado na Revista Triplov.  

António Soares Lopes (Tony Tcheka), em Os media na Guiné-Bissau, fez o levantamento dos meios de comunicação de massa na Guiné-Bissau, desde a criação da histórica tipografia de Bolama até aos dias de hoje, avaliando o seu impacto ideológico e político. Jornais, Rádio e Televisão são o objeto de investigação, com uma conclusão que acrescenta infelicidade ao autor e aos seus conterrâneos que vivem no país, visto que parte substancial dos guineenses, substancial não só em número mas sobretudo em competência e habilitações para ocuparem cargos que orientem a Guiné-Bissau para um rumo de paz e progresso, estão na diáspora. A triste conclusão é a de que os meios de comunicação estão governamentalizados e só cobrem os acontecimentos políticos.

Desesperança no chão de medo e dor é um livro misto, de poemas e ensaios sobre a obra poética de Tony Tcheka, o autor não consegue desligar a poesia da cidadania, por isso também neste aspeto o livro é misto, conjugando manifestos de resistência política com acidentes e afetos próprios da vivência interior. Em alocução no dia do lançamento do livro, Tony Tcheka esclareceu que a desesperança e o chão de medo e dor patentes no título se referem, se bem que o leitor, sobretudo estrangeiro, mal se aperceba disso, esses indicadores do título referem-se aos mais recentes dramas políticos ocorridos na Guiné-Bissau, infelizmente pródiga em golpes e outras más notícias da instabilidade que infunde medo ao país e o mergulha em sofrimento e pessimismo quanto à possibilidade de saída da penosa situação.

Na tradição do uso do crioulo como língua secreta em temps de guerra e como fala do amor nos momentos de paz, e sobretudo como língua de unificação, a obra é bilingue, ou trilingue, se considerarmos que existem dois registos da língua urbana, o crioulo leve e o crioulo fundo. Este é indecifrável para nós, os que vivemos na Guiné mas só falávamos o leve, às escondidas e fora das aulas, uma vez que era probido no liceu.

Tema desafiante, que ficará para uma próxima análise, é o da "matchundade", que pelos vistos é universal, mas na Guiné-Bissau deve estar muito à flor da pele, pois não é Tony Tcheka o único escritor guineense a expô-la. Não parece que se possa traduzir por "masculinidade", que é um termo com valor positivo, e por "machismo" também não, as suas manifestações, por exemplo em imagens exibicionistas, é muito mais forte. Falemos assim no modo como os representantes do Poder agridem a população, com os seus ímpetos de "machidade".

Matemos saudades da Guiné com dois poemas, um que entendemos, outro que adivinhamos ser um choro e um pedido de ajuda, escrito como está numa língua que absorveu e transmutou o português mas dele reteve o intimista salgado das lágrimas.

Maria Estela Guedes 

TONY TCHEKA
Porfias decompostas



Desbagada a fruta no caroço do querer
amassada a vontade na cabaça de vidas
de mistidas (1) desatinadas
jazem porfias decompostas
mortalhas sagradas
dos reinos de memória perdida
fica o abecedário de palavras adormecidas
a caminhada adubada de substantivos fenece
no frenesim da cauda do cometa-promessa
terra branda pasmada. afina no diapasão. não anda. Desatina.
terra sedimentada em tambores de ódio
corpos desamparados
a ressaca
na braguilha de fuzis tresloucados.


(1) Termo da língua crioulo que significa assunto, problema, questões pendentes, preocupação.
Dur d'Bsau - concerto di dó sin lá maior


[...]

B'sau miskinha
B'sau sufri
B'sau darma larma
B'sau
B'sal!
B'sau tchama Guiné
Tchama Guiné pa i kudinu
B'sau na bai
B'sau
i un stera di tchur garandi
sin tchoraduris
sin katanderas
Pubis
Papés
Mamés
Gintis...
fidjus di terra na yaryari na bekus di mundu
tchur di terra seka kan
suma fonti ku yagu nega
fadiga mora pantadu
na kantos de udju fungulidu di medi
[...]
 
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