Tony Tcheka é um dos
mais importantes escritores da Guiné-Bissau, o
que não esgota a sua capacidade intelectual,
inteiramente votada a um futuro do seu país
dignificado pela prática da democracia, com
observação da carta dos Direitos do Homem e
acesso da população aos bens indispensáveis à
sobrevivência. Todos os seus livros trazem o
"chão" à lista dos temas mais relevantes na sua
obra em geral, mas esclareça-se que a riqueza
semântica do termo não se cinge à produção de
alimento, "chão" significa "pátria". Já
conhecíamos este posicionamento integrador de
vida e poesia de livros anteriores como
Noites de insónia na terra adormecida e
Guiné sabura que dói, e mesmo de obras
coletivas organizadas pelo autor, que também
apresentam uma forte militância política. Aliás,
eis um pormenor, que não deixa de ser
significativo apesar disso, uma faceta dessa
militância traduz-se no associativismo da obra
coletiva, seja o coletivo resultante de
antologia, seja de o autor gostar de trazer
outrem à fala e à escuta nos seus livros, como
testemunhas. Tal fica bem expresso no livro Em
desesperança no chão de medo e dor, obra na
qual, a par de textos de Moema Parente Augel,
especialista na literatura bissau-guineense, J.
Adalberto Campato, Odete Semedo, Arlinda
Mártires Nunes e Robson Dutra Unigranrio, também
figura um comentário meu a Guiné sabura que
dói, publicado na Revista Triplov.
António Soares Lopes
(Tony Tcheka), em Os media na Guiné-Bissau,
fez o levantamento dos meios de comunicação de
massa na Guiné-Bissau, desde a criação da
histórica tipografia de Bolama até aos dias de
hoje, avaliando o seu impacto ideológico e
político. Jornais, Rádio e Televisão são o
objeto de investigação, com uma conclusão que
acrescenta infelicidade ao autor e aos seus
conterrâneos que vivem no país, visto que parte
substancial dos guineenses, substancial não só
em número mas sobretudo em competência e
habilitações para ocuparem cargos que orientem a
Guiné-Bissau para um rumo de paz e progresso,
estão na diáspora. A triste conclusão é a de que
os meios de comunicação estão
governamentalizados e só cobrem os
acontecimentos políticos.
Desesperança no chão
de medo e dor é um livro misto, de poemas e
ensaios sobre a obra poética de Tony Tcheka, o autor não consegue
desligar a poesia da cidadania, por isso também
neste aspeto o livro é misto, conjugando
manifestos de resistência política com acidentes
e afetos próprios da vivência interior. Em
alocução no dia do lançamento do livro, Tony
Tcheka esclareceu que a desesperança e
o chão de medo e dor patentes no título
se referem, se bem que o leitor, sobretudo
estrangeiro, mal se aperceba disso, esses
indicadores do título referem-se aos mais
recentes dramas políticos ocorridos na
Guiné-Bissau, infelizmente pródiga em golpes e
outras más notícias da instabilidade que infunde
medo ao país e o mergulha em sofrimento e
pessimismo quanto à possibilidade de saída da
penosa situação.
Na tradição do uso do
crioulo como língua secreta em temps de guerra e
como fala do amor nos momentos de paz, e
sobretudo como língua de unificação, a obra é
bilingue, ou trilingue, se considerarmos que
existem dois registos da língua urbana, o
crioulo leve e o crioulo fundo. Este é
indecifrável para nós, os que vivemos na Guiné
mas só falávamos o leve, às escondidas e fora
das aulas, uma vez que era probido no liceu.
Tema desafiante, que
ficará para uma próxima análise, é o da
"matchundade", que pelos vistos é universal, mas
na Guiné-Bissau deve estar muito à flor da pele,
pois não é Tony Tcheka o único escritor
guineense a expô-la. Não parece que se possa
traduzir por "masculinidade", que é um
termo com valor positivo, e por "machismo"
também não, as suas manifestações, por exemplo
em imagens exibicionistas, é muito mais forte.
Falemos assim no modo como os representantes do
Poder agridem a população, com os seus ímpetos
de "machidade".
Matemos saudades da
Guiné com dois poemas, um que entendemos, outro
que adivinhamos ser um choro e um pedido de
ajuda, escrito como está numa língua que
absorveu e transmutou o português mas dele
reteve o intimista salgado das lágrimas.
Maria Estela Guedes
|