Não é a serpente
que viaja, possa embora movimentar-se
enquanto ser vivo; quem viajou, durante
anos, por Portugal e outras terras, foram
Fernanda Frazão e Gabriela Morais, autoras
de mais um fascinante trabalho sobre a nossa
remota História: Viagem da serpente por
Portugal. O subtítulo denuncia o
propósito de dar alicerces a uma boa
hipótese: A persistência de um culto?
Para provarem a
existência de culto ofiolátrico na
pré-história da região mais ocidental da
Península Ibérica, cujo nome Ofiúsa (Terra
das Serpentes) já apela para a investigação,
as autoras meteram pés e acelerador aos
caminhos, em busca de documentos, traduzidos
na maior parte em iconografia. E não há que
duvidar: desde antiquíssimos a
recentíssimos, são abundantes os objetos em
que a serpente se exibe, como tema dominante
ou pormenor. Em monumentos megalíticos, na
decoração de palácios e catedrais, na
heráldica dos municípios, das casas reias e
da nobreza, na das artes e ofícios, a
serpente aparece regularmente, quer na
versão ofidiana, quer nas variantes de
dragão e sereia. Passa depois para as
lendas, onde é personagem de eleição, com
frequência duplicada em ilustração. Nas
festas tradicionais, como a do Corpo de
Deus, em Penafiel, ainda sai à rua, nos
desfiles, enorme dragão que faz corar de
inveja os primos chineses.
Servido por
abundantes imagens, o livro, além da
temática fabulosa para quem se interessa ou
precisa mesmo de conhecer a simbologia
(fertilidade, regeneração e sabedoria são os
três principais conteúdos simbólicos da
serpente), tem a aliciante de apresentar
resultados de morosa pesquisa numa obra
apetecível a todos, especialistas e simples
curiosos, neste caso de uma figura dotada de
variada carga simbólica, mutável aspeto
físico e diversa conotação moral, quando
entramos no Cristianismo e os padres
demonizam o símbolo, colocando a Senhora da
Sabedoria debaixo dos pés de Nossa Senhora,
e ao mesmo tempo parecem arrependidos,
penitenciando-se, ao exibirem crocodilos e
restos de pele de crocodilo no interior de
santuários como o da Lapa e de Santa Maria
de Cárquere.