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ADELTO
GONÇALVES |
Adelto Gonçalves,
jornalista, é doutor em Letras na área de
Literatura Portuguesa pela Universidade de São
Paulo (USP) e autor de
Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de
Janeiro, Nova Fronteira, 1999),
Barcelona
Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999;
São Paulo, Publisher Brasil, 2002),
Bocage – o
Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003) e
Tomás
Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia
Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado
de São Paulo, 2012), entre outros. E-mail:
marilizadelto@uol.com.br
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Lêdo Ivo: a poesia do caminhante
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Quero ser
o que passa: a poesia de Lêdo Ivo,
de Luiza Nóbrega. Rio de Janeiro: Contra Capa
Livraria Ltda.; Maceió: Imprensa Oficial
Graciliano Ramos, 2011, 400 págs, R$ 39,00.
E-mail: atendimento@contracapa.com.br Site:
www.contracapa.com.br |
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I |
Feita essencialmente
de imagens, a poesia de Lêdo Ivo (1924-2012) é,
sobretudo, reflexiva. Como se o poeta precisasse
andar muito, fazendo o seu próprio caminho, a
exemplo do que sugere Antonio Machado
(1875-1939), para poder refletir, “lavando com a
água mais pura a ferida da vida”. É o que mostra
em Quero
ser o que passa: a poesia de Lêdo Ivo
(Rio de Janeiro, Contra Capa Livraria; Maceió,
Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2011), a
professora Luiza Nóbrega (1946), com certeza, o
estudo mais aprofundado feito aqui até da
extensa obra do poeta alagoano.
Com título retirado
da própria obra poética de Lêdo Ivo, o livro é
constituído por ensaios que se foram formando a
partir de 2002 com o retorno da autora à
Literatura Brasileira, depois de anos de
dedicação ao estudo de poetas portugueses – de
Luís de Camões (1524-1580) a António Nobre
(1867-1900) e à tríade da revista
Orpheu,
Fernando Pessoa (1888-1935), Almada Negreiros
(1893-1970) e Mário de Sá-Carneiro (1890-1916)
–, tarefa que lhe exigira longa permanência em
Portugal em três estágios de investigação.
No primeiro desses
textos, “O poeta caminhante”, Luiza Nóbrega diz
que, a partir da leitura de
Poesia Completa,
de Lêdo Ivo, especialmente dos poemas “A
passagem” e “O caminho branco”, em versos que
evocam os de Antonio Machado, o poeta oferece “a
chave para a compreensão em seu nível mais
profundo (onde sua poesia é filosófica) do
sentido que motivou e onde aportou sua
caminhada”.
Para a ensaísta, a chave
está no adjetivo “branco”. Ela mesma indaga:
“Por que o caminho por onde vai o poeta é
adjetivado com a cor em que todas as cores se
reúnem e, ao reunir-se, desaparecem?” Pois bem,
como observa, responder a esta indagação foi o
propósito de seu primeiro ensaio e dos demais
que compõem este volume.
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II |
Conhecedora profunda
de Os
Lusíadas,
Luiza Nóbrega diz que, ao estudar Camões, o seu
fio condutor foi a cadência rítmica, à qual
juntou-se a trama semântica, mas na poesia de
Lêdo Ivo “o primeiro fio foi uma presença por
trás dos versos: a do caminhante”. Ou
seja: “um poeta caminhante, nunca em repouso,
sempre a passar, percorrendo paisagens, nos
oferta aparições, visões e reflexões sucedidas
na caminhada”, diz.
No ensaio “O caminhante
sibilino”, Luiza Nóbrega volta a ressaltar essa
característica da poesia produzida por Lêdo Ivo,
comparando o poeta a outros caminhantes
sibilinos, como Rousseau, Beethoven, Garrett,
Hesse, Schopenhauer, Heidegger, entre outros,
que igualmente usaram o passeio por um bosque
como metáfora. A diferença é que Lêdo Ivo, mesmo
quando caminha por um bosque de outras
latitudes, nunca esquece a sua pátria tropical,
como se vê nestes versos de “Soneto à Pátria”
escolhidos pela ensaísta:
(...)
Caminhando na neve nesta noite estrangeira,
entre as sílabas negras dos frígidos pinheiros,
murmuro ao vento o teu nome desmantelado.
Ó pátria desamada, ó rameira insultada,
quanto mais longe estás, teu espinho distante
mais dói na minha mão inútil e gelada.
De fato, como diz Gilberto Araújo, doutor em
Literatura Brasileira pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro e pesquisador da Academia
Brasileira de Letras, no texto de apresentação
deste livro, “a poesia do escritor alagoano
possui nítida inclinação metafísica, rastreando
balizas para a identidade fugidia, em permanente
sondagem existencial dos mistérios humanos e
cósmicos”.
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III |
Em Portugal, Lêdo Ivo
tornou-se mais conhecido a partir da publicação
em 2012, ano de sua morte, de sua
Antologia Poética
(Porto, Edições Afrontamento), com seleção e
prefácio do poeta Albano Martins. Ao resenhar
sua
Antologia Poética
para o
Jornal de Letras,
de Lisboa, de 5-18 de setembro de 2012, o
escritor Valter Hugo Mãe escreveu que Lêdo Ivo
completava com Manoel de Barros, Ferreira Gullar
e Adélia Prado a “cúpula superior viva da poesia
brasileira de hoje”.
Há algum tempo, este
articulista escreveu resenha em que pedia à
comunidade intelectual lusófona que se
esforçasse para indicar o nome de Lêdo Ivo à
Academia Sueca, para fazer companhia a José
Saramago (1922-2010), Prêmio Nobel de Literatura
de 1988, o único escritor de Língua Portuguesa a
receber o galardão até hoje. Daqueles quatro
selecionados por Valter Hugo Mãe, só restam
vivos Ferreira Gullar (1930) e Adélia Prado
(1935). Como Lêdo Ivo e Manoel de Barros
(1916-1914) já não estão entre nós, tanto a
Ferreira Gullar como a Adélia Prado cairia bem o
Prêmio Nobel. Se o Brasil não fosse uma pátria
tão ingrata com seus filhos, teria havido mais
empenho de todos e Lêdo Ivo não teria encetado o
seu “eterno retorno” sem o Prêmio Nobel.
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IV |
Poeta, escritora e
artista plástica, Luiza Nóbrega, 69 anos, é
professora de Literatura e coordenadora do curso
de Artes Visuais da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN). É doutora em Letras
Vernáculas pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (1995-1996) com a tese “A traça no pano
- contradicção de Baco n´Os
Lusíadas”,
mestre em Literatura Brasileira pela
Universidade de Brasília (1982-1984) com a
dissertação “Um romance maldito: o triunfo de
Lúcifer sobre o arcanjo no
Bom-Crioulo
de Adolfo Caminha” e graduada em Direito pela
UFRN. Tem ainda doutorado em Teoria Literária
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (1994). E fez pós-doutoramento na
Universidade Nova de Lisboa (2007-2008).
Desenvolve atividades
de ensino, pesquisa e produção textual
(poesia/ensaio/ficção), publicando ensaios em
periódicos acadêmicos nacionais e
internacionais. Como artista plástica, realizou
diversas exposições no Brasil e no exterior.
Pesquisadora do Centro de Literatura Portuguesa
da Universidade de Coimbra e do Instituto de
Estudos Portugueses da Universidade Nova de
Lisboa, publicou também
O canto molhado:
metamorfose d' Os Lusíadas
(São Paulo, Editora Aqva, 2008); e
No reino da água o
rei do vinho: submersão dionisíaca e
transfiguração trágico-lírica d' Os Lusíadas
(Natal, EDUFRN, 2013), entre outros.
Durante o regime militar
(1964-1985), Luiza Nóbrega foi caçada por
esbirros da ditadura e teve de viver sob
disfarce por oito anos, fugindo de uma
condenação à revelia. Sua história de vida, ao
lado de outras semelhantes, faz parte de
relatório preparado pela Comissão da Verdade da
UFRN, lançado em Natal, em outubro de 2015.
Segundo reportagem de
Igor Jácome, publicada em 19/10/2015 no
Novo Jornal,
de Natal, Luiza tinha 22 anos, em 1968, quando
passou a frequentar as rodas dos resistentes ao
governo militar na capital potiguar.
Recém-formada em Direito, cursava Sociologia e
Política na Fundação José Augusto, onde
funcionou a Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Natal e a Faculdade de Jornalismo Eloy
de Souza.
Tornou-se amiga de
líderes estudantis que pertenciam ao Partido
Comunista Revolucionário (PCR), dissidência do
Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Era
conhecida como “pequena burguesa”, já que seu
avô materno era um latifundiário paraibano. Seu
pai, José Nóbrega, era engenheiro e abriu uma
empresa construtora em Natal atraído pelo avanço
imobiliário da cidade. A família morava em
Fortaleza. Luiza tinha seis anos de idade,
quando chegou a Natal.
Como conta Igor Jácome,
à época de jovem estudante, Luiza namorava
Emanuel Bezerra, líder estudantil que foi
condenado pelo inquérito que apurou a invasão
por estudantes do restaurante da UFRN. Ao deixar
a prisão em 1969, Emanuel passou a viver na
clandestinidade. Foi quando o casal se separou.
Emanuel morreu em 1973, vítima de torturas nas
dependências do Doi-Codi, unidade do Exército,
em São Paulo.
Adelto Gonçalves
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