A noite é de quem?
Nua
Negra
Noite
Corpo tatuado
Andrógina
Vaga sozinha
Na imensidão do Cosmos
Perambula entre o céu e a terra
Entre desertos e povoados
Seus braços multiformes
Abraçam espinhos e rochedos
Silenciosa
Seus dedos deslizam pelas águas oceânicas
Alcançam o Nilo e consolam o Ganges
Entra sorrateira nas frestas das janelas
E deita como uma prostituta entre os lençóis
E roça sua pele negra nas coxas dos amantes
Sente o tremor das peles suadas
E o momento do gozo
Pastoso e branco
Escorrendo pela sua face sombria
Peregrina sem caminhos
Sem fé
Pagã
Levemente, entra pelos vitrais dos templos
milenares
E balança seus cabelos negros
Refletidos com a luz dos círios
E rompe o silêncio com sua volúpia
Sacrilégios aos santos e anjos
Profana a arte de Rembrandt e El Greco
E lambe a face de Cristo
Seus ombros
caem nas terras virgens
E atravessam rios como lençóis enrugados
E vigia o pescador, sozinho
À espera da fisgada
À espera de um conto para contar
Segue
Com seu destino
Traçado pela explosão
Pela confusão
E distorção
Há milênios
Segue
Vai, sem caminho
Sem ninho
E com sua veste negra
Abraça
as mariposas
Confusas e difusas
E se joga nas asas dos morcegos
Uiva com os lobos das estepes, solitários
lunáticos
Pirilampos brincam com seus cabelos
E vagam luzes aos arredores dos vilarejos
Ah, Noite!
Espectral
Negra
Ausente de luz
Senhora de todas as cores
Seu véu
Cobre meu corpo nu
Despido de pavor
De dor
Me recolho ao seu umbigo
E volto ao seu ventre
Negro
Negro
Negra
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