Flor de
sal no meio dia
Repousa
em ruínas d’água
Rugas
brancas corroem verde placenta
Silêncio
estende suas mãos de sol
Calando
a memória
Tropel
de arcanjos cegos secam os ventos
Moldam o
futuro em escadas de barro
Peixes
desafiam o fim do mundo
Arte é
para os fortes
Cantam
com suas gargantas de metal pesado
Eles
chegaram como mortos
Devorando nossa sede
Ora pro
nobis
Ó virgem
das águas perdidas
Sujando
de óleo nossa fome
Ora pro
nobis
Ó virgem
dos sonhos perdidos
Vestidos
de eficiência e bandeiras
Sangraram nossos rios
Num
altar a Moloch
Ora pro
nobis
Ó virgem
dos rios mortos
Todos os
dias acordamos
Aos sons
de metais rascantes
No fundo
de nossas gargantas acenderam
Lagrimas
de absinto
Ora pro
nobis
Ó virgem
dos dedos de metal
Vento
branco espalha
Poeira
em forma de navalha
Não há
belos montes que escondam
O rosto
da morte
Ora pro
nobis
Ó virgem
amazônida
O que
eles escondem esses homens cheios de planilhas
O céu
não detém mais a insanidade
Desde
que o coração do mundo explodiu
Ora pro
nobis
Ó virgem
radioativa
Corte
Visto de
cima o Amu Darya se assemelha
À
bandeira corroída da esperança
O Syr
Darya escorre
Em
constantes ejaculações
Ao norte
Vistos
de cima
Os
homens explodem o tempo do mar
Na morna
lentidão do medo
Cidades
encanecidas descansam
Com a
felicidade dos mortos
Plano
aberto – em cinemascope
Vastas
extensões brancas dão às vozes dos ventos
Uma tonalidade à
la Usher
Percorrendo o vazio
Cerimônia fúnebre aos peixes, algas, bactérias,
projetos de plâncton, sereias do leste, anêmonas
aralianas, cidades fantasmas, nereidas,
tormentas d’água, cenas de faroeste uzbeque, a
idiotice stalinista, o julgamento da história, a
sensatez
Todos em
morte lenta
Sem
decomposição aparente
Múmias
de sal
Close
O Aral
está de olhos fechados
No olho
do leste velhos navios à espreita
Da água
que não virá
No olho
do oeste pequenas elevações de lágrimas
Mar em
salmoura
No Aral
é preciso
Que as
lágrimas não tenham sal
Nem toda
voz se enuncia
Nem toda
dor é cantada
Terra
seca é cemitério d’água
Aral,
Aral
Teu nome
ressoa
Em
lápides à tua espera
Destruído o mundo
Nos
restará só a palavra
Aral de
velhas memórias
Que se
desfazem em teu leito
Paisagem
de pesadelo
Mar seco
rodeado de flores de algodão
Toda
cidade triste já teve seu mar
Poesia
d’água está em extinção
Aral,
Amazonas, Nilo
São
Francisco, Cantareira
Todos os
rios amarelos, verdes, sem nome
Toda
fonte
Toda
lágrima e sêmen
Sobre
eles avançamos
Com
nossas metralhadoras de dinheiro
Deuses
antigos, brumas secretas perguntam
O que
restará do mundo
Se os
homens não beberem de nosso mar
Ó Aral
Tua
morte me envelhece mil anos
Morro
contigo no poema
Em todas
as horas do dia
O
calendário é uma mesa
Cheia de
facas
Na carne
da poesia
Nossas
vozes se somam
Às dos
mortos, moribundos
Todos os
peixes sem nome
Mamíferos insones, serpentes de vidro
Morcegos
de doce coração
Lesmas
coloridas, borboletas
Com asas
de falcão
Sapos,
abelhas, trilobitas
É
preciso escrever a bíblia
De todos
os mortos
É o que
nos resta
Melancolia da dor
Em
versos sem pernas
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